Nos próximo dias, o prefeito de Marabá, João Salame,  defenderá mudanças de estratégias e  reposicionamentos  em relação à luta pela criação do Estado de Carajás.  Na avaliação dele, o novo Estado jamais será criado se algumas ações de caráter geográfico e de convencimento junto às populações do que seria o Pará remanescente – não forem repensadas.

Salame entrará com toda a força no relançamento da campanha, mas, antes, defenderá, numa entrevista,  as mudanças consideradas “vitais” para o trabalho de campo.

Na minha visão, a primeira mudança a  ser adotada é conscientizar as populações  daquilo  que seria o Estado de Carajás, suspender toda forma de agressão  aos “paraenses” –  em última instância, quem decidirão, numa nova forma de consulta popular, o destino do projeto de emancipação.

Sensibilizar,  com argumentos coerentes, cada  habitante dos municípios das regiões Nordeste e Metropolitana, a tê-lo com aliado de uma mudança que visa beneficiar a todos.

Convidar jornalistas residentes em Belém, a percorrer o Sul do Pará,  e  envolvê-los em encontros municiais, para que nos escutem, e entendam a extensão dos motivos que levaram a região brigar pelo surgimento de novo estado.

Açoitar, puro e simplesmente, quem mora em Belém, é de burrice sem tamanho.

Belenenses e moradores de outros municípios daquela região precisam ser cativados,  dentro de um discurso que mostre nossas mazelas, as mazelas deles e o que poderemos, juntos, numa nova configuração geográfica, ganhar, melhorando vidas gerais.

Os argumentos de cada pessoa contrária à tese emancipacionista precisam ser conhecidos, e combatidos, respeitosamente.

A propósito, ano passado, ao completar um ano da realização do Plebiscito, jornalista Lúcio Flávio Pinto concedeu entrevista ao blog Nota de Rodapé, tratando da divisão. O texto foi reproduzido no Jornal Pessoal.

Um ano depois, os argumentos do jornalista são colocados aqui no blog para uma avaliação crítica.

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Esta entrevista, inédita em versão impressa, que concedi por e-mail a Moritti Neto, foi publicada em blog da internet exatamente no dia em que se realizou o plebiscito sobre a criação dos Estados de Carajás e Tapajós, em 11 de dezembro de 2011. Reproduzo-a como estímulo a um debate que precisamos retomar urgentemente, sem preocupação imediata por sua utilidade política ou viabilidade legal, que deram uma imagem meramente plebiscitária à questão. É um dos temas mais candentes do Pará dos nossos dias, que se impõe a todos os paraenses conscientes da história que vivem — ou se limitam a presenciar.

 

 

NR – Como você analisa as reais motivações do plebiscito de domingo, que pode dividir o Pará em três estados?

Lúcio Flávio – Há muitos anos tramitam pelo Congresso Nacional vários projetos de redivisão do Pará. Os alvos foram, primeiro, Tapajós, em seguida, Carajás. Por ter maior articulação política, Carajás passou à frente. Aprovado, por uma manobra parlamentar, atraiu Tapajós. Ambos os projetos, de autoria de políticos que não têm base eleitoral no Pará, um, senador de Roraima; outro, do vizinho Tocantins, foram aprovados por votação simbólica de sete líderes de partidos, sem ir a plenário.

Há razões reais e fortes para a emancipação das duas regiões, mas os projetos são falhos e os interesses decisivos são políticos e empresariais. As duas novas unidades federativas são uma das expressões do atual modelo de ocupação econômica da Amazônia, colonial e explorador. Uma das maiores expressões é a destruição da floresta, processo que se expandiria com a aprovação dos projetos.

NR – Quem são os maiores interessados nessa divisão?

LFP – É interessante observar que são fazendeiros os autores dos dois projetos, Mozarildo Cavalcante (PTB-RR) e Eleomar Quintanilha (PMDB-TO), e os principais líderes do movimento pró-Carajás, como o deputado federal Giovanni Queiroz (PDT-PA). É a categoria mais influente nessa campanha, junto com os madeireiros. Eles formaram propriedades através do desmatamento, que se tornou possível pela abertura de estradas. É o modelo que querem continuar a desenvolver.

NR – Como ficará a formatação de território e população de cada estado se a proposta for aprovada?

LFP – O Tapajós se tornaria o terceiro maior estado da federação, atrás apenas do Amazonas e Mato Grosso. Com uma população de 1,2 milhão de habitantes, enfrentaria os mesmos problemas que levaram os habitantes a querer se desvencilhar do Pará. Teria as últimas grandes reservas florestais do Pará, mas as principais atividades econômicas na região oeste são justamente voltadas ao desmatamento e não à preservação ou ao uso inteligente. Provavelmente, Tapajós seria uma versão pouco menor, mas agravada, do atual Pará.

Quanto a Carajás, as características de enclave do Pará se tornariam ainda mais acentuadas nesse novo estado. Ele nasceria sob forte ingerência federal, já que boa parte das terras está sob o domínio da União, e da antiga Companhia Vale do Rio Doce, responsável por grande parte do PIB interno.

NR – Como e com quem fica o poder político em cada estado?

LFP – As elites políticas são as mesmas. Dividem-se apenas em função da disputa pelo poder e não por projetos para o estado. São muito mal preparadas. Não estão à altura dos desafios de um estado que é o quinto maior exportador do Brasil, o segundo com maior saldo de divisas, o segundo maior minerador, o quinto maior produtor de energia elétrica.

NR – E as relações econômicas, serão concentradas em quais grupos – e de que maneira – no formato proposto?

LFP – As novas atividades econômicas no Tapajós são a mineração, sobretudo de bauxita, a produção de soja e de madeira, que deverão abrir novas frentes. A atividade florestal ainda é incipiente e de futuro duvidoso. Carajás se concentra na mineração, na pecuária e na madeira, com o grande peso da Vale.

NR – Quais as consequências negativas que a população pode sofrer consideradas as especificidades de cada parte envolvida?

LFP – A grande massa da população já sofre bastante. Não só pela desassistência do poder público. Também por suas próprias deficiências e insuficiências estruturais. Só de minério de ferro, hoje o seu principal produto, o Pará exportou no ano passado cinco bilhões de dólares. Nenhum centavo de ICMS, a principal renda do Estado, foi recolhido.

Há apenas as compensações financeiras, que não chegam a representar 2% do que se podia arrecadar. Inversamente, o Pará é o 3º destino migratório do Brasil. Milhares de pessoas chegam todos os anos atrás das promessas de empregos, que inexistem. O resultado é uma enorme demanda social para recursos que não podem atendê-las.

O Pará, nono em população, é o 13º em IDH e o 21º por PIB per capita da federação. Um enorme descompasso entre valores quantitativos e qualitativos. E ainda há uma insuportável taxa de corrupção na administração pública. Com um ou três estados no território, a população paraense continuará na mesma.

NR – Pode ocorrer um abalo na estrutura cultural da população em geral? Por quê?

LFP – Sendo um estado de imigração, o Pará se torna cada vez mais diversificado culturalmente. O grande perigo é perder a cultura típica, uma das mais originais e de raízes mais profundas do país. É a cultura com maior influência indígena remanescente. Mas que é estranha à região que pretende se transformar no estado de Carajás. Nessa área as culturas predominantes são do Centro-Oeste e do Nordeste. Mas não é um problema apenas – nem principalmente – cultural.

A cultura reflete as mudanças econômicas e sociais. Onde havia floresta, uma civilização florestal, surgem as pastagens, as fazendas, o rodoviarismo. Mais sertão, menos Amazônia. Esta é uma realidade, que se aprofundará com a emancipação de Carajás. Não se pode fazer nada para pelo menos impedir o avanço? Acho que é possível. Mas o governo nada está fazendo nesse sentido.

“Infelizmente a cobertura da mídia tem sido deficiente. A maioria dos eleitores votará desinformada.”

NR – O que muda na Amazônia se a proposta for aprovada?

LFP – Vai se tornar mais favorável fazer o que se tem feito de predominante nas áreas dos dois estados propostos: ampliar o desmatamento, converter a cultural local pela importada, consolidar o colonialismo – interno e externo.

NR – Há aspectos positivos a serem ressaltados na proposta?

LFP – Agora não se pode mais colocar para baixo do tapete a questão da territorialidade no Pará, na Amazônia e, em certa medida, no Brasil. Os políticos, em cujas mãos foi colocado o monopólio da condução do debate, têm uma responsabilidade muito grande.

Não podem continuar a se comportar com a mesma leviandade que levou à aprovação do atual plebiscito. E o poder público tem que por fim a esse monopólio conferido aos políticos profissionais. Nos próximos plebiscitos é preciso que a sociedade civil participe do comando da campanha.

NR – A mídia corporativa, em âmbito nacional, trata a questão superficialmente. Na maioria das vezes, até a ignora. Por quê?

LFP – Porque a atenção à Amazônia é episódica, quase sempre restrita ao exótico, bizarro, escandaloso. O entendimento da Amazônia requer cuidado permanente e uma capacidade ampla de absorção de informações. Ao contrário do que o Brasil pensa, a Amazônia é a parte mais internacionalizada do país. Sempre foi. É brasileira tardiamente.

NR – E a mídia local, como tem se posicionado? A cobertura está a contento? Defende interesses de grupos específicos?

LFP – Infelizmente a cobertura da mídia tem sido deficiente. Como os principais veículos defendem posição política e interesses comerciais, não contribuíram como podiam para melhor esclarecer a população. A maioria dos eleitores votará desinformada.