Publicitário Glauco Lima, durante sua  última andança pelo Sul do Pará,  foi contaminado pelo efervescente furor do vai e vem de pessoas nas rodoviárias, terminais de trem, centros comerciais e fuça-fuça de personagens cotidianos.

“Associou-se” a Gilberto Gil pela explicar o “grande baile”, que já tem hora para acabar, porque não é renovável.

O texto de Glauco.

 

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De onde vem a explosão?

 

 

–  Glauco Lima (*) 

 

 

O di­vino Gil­berto Gil tem uma canção onde ele per­gunta “De onde vem o baião, o xote e o xa­xado?” e ele mesmo res­ponde “Vêm de­baixo do barro do chão”. Em outro trecho ele per­gunta de novo: “De onde vem a es­pe­rança, a sus­tança es­pa­lhando o verde dos teus olhos pela plan­tação?” E res­ponde sem pes­ta­nejar: “Vem de­baixo do barro do chão”. É mais ou menos nessa linha que vem a per­gunta e a res­posta quando a gente se de­para com a ebu­lição que acon­tece na re­gião da maior pro­víncia mi­neral do mundo, lo­ca­li­zada no su­deste do Pará, no Norte do Brasil, na Amazônia bra­si­leira.

De onde vem essa ex­plosão? Vem de­baixo do chão. Vem do mi­nério que está em­baixo do chão da pista onde se dança, se tra­balha, se briga, se sonha, se con­flita, se perde e se vence. E como diz o mesmo ge­nial poema de Gil, “sus­pira uma sus­tança sus­ten­tada por um sopro di­vino, que sobe pelos pés da gente e de re­pente se lança…”

Nessa re­gião, nesse pe­daço de chão aben­çoado pelo di­vino ou pelo des­tino, está con­cen­trada uma va­ri­e­dade tri­lhi­o­nária de mi­né­rios. Tem muito ferro, tem cobre, tem ní­quel, tem ouro e talvez es­tejam des­co­brindo outra ri­queza mi­neral neste mo­mento. E a fe­li­ci­dade não é apenas a quan­ti­dade e a va­ri­e­dade de mi­né­rios. O que es­panta é a pu­reza destes mi­né­rios, que fazem com que sua alta qua­li­dade seja in­dis­pen­sável na pro­dução de in­sumos como o aço. Ou­tras re­giões do mundo têm muito mi­neral, mas nada podem fazer para que estas ri­quezas al­cancem o grau de pu­reza do mi­nério en­con­trado em abun­dância de­baixo do solo pa­ra­ense. E no­va­mente lem­brando a canção de Gil,  “É como se Deus ir­ra­di­asse uma forte energia, que sobe pelo chão…”

Em cima deste chão, essa ri­queza mi­neral pro­por­ciona talvez o mais alu­ci­nante baile econô­mico, po­lí­tico, so­cial, cul­tural, re­li­gioso e am­bi­ental da Amé­rica do Sul. Bra­si­leiros de todas as ori­gens chegam todos os dias mo­vidos por so­nhos de todos os for­matos, mas todos com o mesmo fun­da­mento: vencer na vida. Todos querem en­con­trar a pros­pe­ri­dade e a fe­li­ci­dade. Mudar o seu mundo. Chegam muitas pes­soas fí­sicas, fa­mí­lias, ca­sais, gente so­zinha, ani­mada, de­sen­can­tada,  mas também chegam muitas pes­soas ju­rí­dicas, de todos os portes, desde a mi­ne­ra­dora que cresceu e se tornou a se­gunda maior do mundo – grande parte deste cres­ci­mento de­vido ao que tira de­baixo do chão deste pe­daço de Brasil –, ao mi­cro­em­pre­sário que sonha fazer for­tuna ven­dendo pão, roupas ou cri­ando um jornal. Só em Pa­rau­a­pebas, mu­ni­cípio onde está a maior mina de ferro a céu aberto do mundo, são quase dez jor­nais em cir­cu­lação. Uns que­rendo dar in­for­mação, ou­tros que­rendo mesmo é fazer algum tipo de pressão.

Até a ge­o­grafia, o ecos­sis­tema da re­gião, em­bora es­teja na Amazônia, re­gião do­mi­nada por pla­ní­cies, neste pe­daço mi­ne­ra­li­zado do Brasil, é do­mi­nada por serra.

A Serra dos Ca­rajás, for­mando uma pai­sagem única, que une mon­ta­nhas, flo­restas, rios, calor, chuvas e al­guns meses do ano uma tem­pe­ra­tura amena no Nú­cleo Ur­bano de Ca­rajás, um quase frio sur­pre­en­dente numa re­gião aonde as tem­pe­ra­turas chegam a dar a im­pressão de que existe um sol para cada ha­bi­tante. A Serra, a mon­tanha, cri­aram uma imagem que pode ser muito re­ve­la­dora da re­a­li­dade local, a mina e o or­ga­ni­zado nú­cleo ur­bano dos que tra­ba­lham na mi­ne­ra­dora ficam lá em cima e a ma­ra­nhense Pa­rau­a­pebas em pleno Pará, com todas as suas dores e de­lí­cias, fica lá em­baixo.

Esse grande baile, que já vem aju­dando a equi­li­brar a ba­lança co­mer­cial bra­si­leira, tem dia e hora para acabar. Não é re­no­vável. É es­go­tável. Se o ritmo da eco­nomia mun­dial e prin­ci­pal­mente a chi­nesa con­ti­nuar exi­gindo mais e mais ma­téria-prima mi­neral, essa data final pode ser an­te­ci­pada em vá­rios anos. Se o ferro con­ti­nuar sendo im­por­tante como in­sumo na di­nâ­mica in­dus­trial e dos mer­cados, o baile con­tinua ani­mado. Se as danças e as con­tra­danças da eco­nomia me­xerem no seu valor, a re­gião pode al­ternar passos de xa­xado e de marcha fú­nebre.

A ver­dade é que o Brasil tem olhado su­per­fi­ci­al­mente para efeitos desse grande te­souro e seus im­pactos. São im­pli­ca­ções no meio am­bi­ente, mi­gra­tó­rias, na so­ci­e­dade, no di­nheiro, nos im­postos, nas po­lí­ticas, sa­ladas cul­tu­rais, ét­nicas, re­li­gi­osas, um barro denso que, com cer­teza, vai ficar por muitas dé­cadas in­flu­en­ci­ando de forma in­de­fi­nível a vida neste pe­daço do Brasil. A única cer­teza que se tem é que o mi­nério acaba. Mas mesmo de­pois que ele seja apenas uma lem­brança e uma cra­tera gi­gan­tesca, a festa con­tinua, le­van­tando po­eira, ques­ti­o­na­mentos e teses, talvez mais dra­má­tica ou quem sabe a in­ven­ti­vi­dade bra­si­leira ache um ritmo al­ter­na­tivo para essa louca fes­tança e que dê nova sus­tança ao que surgiu vindo de­baixo do barro do chão.

 

 (*)  – Glauco Lima é co­mu­ni­cador. For­mado em Co­mu­ni­cação So­cial, atua em pla­ne­ja­mento, cri­ação e re­dação de pro­pa­ganda, tanto para a ini­ci­a­tiva pri­vada, como ins­ti­tui­ções go­ver­na­men­tais e cam­pa­nhas elei­to­rais, tra­balha cam­pa­nhas po­lí­ticas em vá­rios Es­tados do Brasil.