Dia seguinte à divulgação, em todo o país, de um vídeo no qual aparecia o prefeito de Parauapebas supostamente incitando sem-terras à ocupação dos trilhos da Estrada de Ferro Carajás, o poster conversou com um alto dirigente da Vale, durante almoço, em Belém, do qual participaram empresários da capital e de Marabá.

O conteúdo do vídeo, vez por outra, era o tema de conversa.

Afinal, exibido na noite anterior no Jornal Nacional, as imagens do prefeito reunido com o MST se encaixavam a perfeição na campanha que Roger Agnelli desenvolvia, silenciosamente, nos bastidores, para tentar sufocar as investidas de Darci Lermen (PT)  contra a cobrança de royalties – naquele tempo já ganhando contornos jurídicos preocupantes à presidência da mineradora.

Aparentemente, uma coisa não tinha nada a ver com a outra. Mas as duas estavam interligadas intrinsecamente.

Darci mostrava à Vale que ele tinha o poder de mobilização social. E que poderia criar embaraços à mineradora.

A Vale tentava desmoralizá-lo em rede nacional, poucos meses antes da eleição municipal na qual Lermen tentaria se manter no cargo.

Durante almoço, uma frase do diretor da Vale, sentado ao lado, ficou guardada na memória do repórter, pronunciada após o executivo ter sido provocado sobre como seria a relação do prefeito com a multinacional, a partir daquele fato:

Esse moço (o prefeito Darci ) não conhece a personalidade raivosa do Dr. Agnelli. Enquanto houver um pedaço de terra sobrando para o presidente (da Vale) passar por cima dele, isso acontecerá um dia, faça chuva ou faça sol.

O papo, claro, a pedido do executivo, permaneceria em Off, até hoje.

Mas como o diretor não é mais diretor, e Agnelli é quase ex-presidente, o assunto agora está  On.

Exagerada a descrição da personalidade de Agnelli pelo interlocutor?

Os fatos comprovam que não.

Do momento em que Agnelli quis dividir forças com o presidente da República mais popular da história, dá para mensurar o tamanho de sua agressividade.

 

Vídeo da Incitação

A divulgação do famoso vídeo no Jornal Nacional, ninguém tem duvidas disso atualmente, deveu-se ao longo braço influente da mineradora sobre a grande mídia nacional.

Poucos meses depois desse episódio, a Vale passou a investir pesado no horário nobre das emissoras brasileiras, exibindo vídeos institucionais produzidos em larga escala, num sinal de que se preparava para neutralizar campanhas contra o aumento da alíquota da Cefem e outras mudanças na legislação mineral do país, ora em curso.

Além de ter que negociar o pagamento da dívida com os prefeitos dos municípios mineradores, capitaneada por Roger Agnelli, a Vale se debela para impedir a aprovação de projeto de lei que modifica o pagamento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cefem). A proposta, altera a base de cálculo dos royalties: em vez do faturamento líquido, a compensação seria paga com base no faturamento bruto ou na cotação em bolsa do minério de ferro.

Outra alteração proposta é a criação de um fundo de compensação para os municípios do entorno das cidades onde há atividade mineradora, que não recebem recursos de royalties, mas sofrem os impactos da atividade econômica.

O projeto de lei está sendo avaliado pelo Ministério da Fazenda e deverá ser encaminhado nos próximos dias à Casa Civil.

Agnelli tem informações das participações de Darci, ao lado de outros prefeitos mineradores, a maioria de Minas Gerais, em reuniões com políticos e ministros, em Brasília, na campanha de fritura para defenestrá-lo da presidência da Vale.

Governo exige pagamento

A acirrada disputa ao longo dos meses pela cobrança dos royalties, sempre ao largo da Esplanada dos Ministérios, pode não ter sido o motivo incentivador do chute final para retirá-lo da cadeira presidencial da mineradora, mas contribuiu muito.

Isso ficou claro quando o governo federal entrou na briga entre a Vale e o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em torno do valor dos royalties de mineração devidos a Estados e municípios produtores. O objetivo é forçar a mineradora a reconhecer sua dívida de cerca de R$ 5 bilhões para, então, negociar o parcelamento dos débitos em até 60 meses.

Em recente reunião ocorrida em Brasília entre o ministro Edison Lobão, das Minas e Energia, e Roger Agnelli, o governo deixou claro que não aceitaria mais o não pagamento da dívida, que Roger nega, abruptamente, na carta enviada a Dilma Roussef, chutando o balde.

Lobão teria dito ao ainda presidente que a Vale publica balanço com R$ 30 bilhões de lucro e não quer pagar R$ 4 bilhões.

Voltando um pouco no tempo, no mesmo ano de 2008 quando ocorreu o caso do “Vídeo da Incitação”, Darci Lermen trombeteava com diretores da Vale em toda oportunidade surgida. Numa delas, dirigentes do DNPM, sempre chamados às reuniões para as tratativas de cobrança da Cefem, assistiram a um chega-pra-lá de Darci em dois diretores da mineradora.

O blog chegou a descrever o fato, em abril de 2009.

Para relembrá-lo, clique AQUI.

Espoliação

Em 2009, a convite da AMAT, o poster teve a oportunidade de participar de um dos encontros dos prefeitos mineradores, em Brasília, no qual o representante de Parauapebas se manifestou duramente contra o radicalismo de Roger Agnelli de defender os interesses dos acionistas da Vale, em detrimento do desenvolvimento das comunidades residentes no entorno dos projetos da mineradora.

À  época, registramos na coluna que tínhamos no Diário do Pará, a forma dura com que Darci Lermen acusou a Vale de estar esbulhando os municípios paraenses, enriquecendo cada vez mais a empresa e empobrecendo as comunidades localizadas no corredor de Carajás.

Darci acusou diretamente Roger Agnelli de ser o maior responsável pelo processo de espoliação dos municípios, ao declarar ter em mãos documentos que comprovavam o pagamento de royalties, ao seu município, muito aquém daquilo que a mineradora deveria fazê-lo.

Foi quando, pela primeira vez, alguém mostrava, documentado, os ganhos astronômicos da Vale diante da ninharia que a mineradora deixava aos cofres municipais: o prefeito de Parauapebas exibiu números levantados pelo escritório de advocacia contratado pela prefeitura apontando que a mineradora pagava US$ 2,75 pela tonelada do minério de ferro extraído para vendê-lo lá fora por US$ 150.

Esse fato não mereceu uma linha de qualquer veículo de informação do Pará, apesar da coluna ter registrado.

O comprometimento comercial da grande imprensa paraense com a Vale é imensurável.

Vale no Cadin

As relações de Roger Agnelli com Darci Lermen se definharam de vez a partir do momento em que a prefeitura de Parauapebas, com apoio da Amib, conseguiu colocar a Vale no Cadin.

Há testemunhos da reação descontrolada de Roger Agnelli diante da informação de que o CNPJ da mineradora havia sido incluído no Cadastro de Créditos Não-Quitados do Setor Público Federal (Cadin), uma espécie de SPC da União.

A restrição fora pedido pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

Na hora, bastante irritado, Agnelli teria responsabilizado duas pessoas pela restrição creditícia imposta à poderosa empresa: Darci Lermen e o prefeito de Congonhas (MG), Anderson Costa Cabido, presidente da Associação dos Municípios Mineradores do Brasil (Amib),

Com a inclusão no Cadin, a Vale ficou impedida, alguns dias, de participar de licitações e obter financiamentos públicos.

A Carta

A reação de ataque do ainda presidente da Vale contra o prefeito de Parauapebas, com envio de carta a presidente Dilma Roussef, levantando suspeitas da aplicação de R$ 700 milhões tem ingredientes de uma disputa de bastidores que se prolonga há mais de seis anos.

Em sua carta à Presidência da República, Roger Agnelli desfila suposições. Basta analisar um dos trechos do documento enviado a Dilma Roussef:

“Infelizmente há também interesses de terceiros envolvidos, como consultores que teriam procurado prefeituras oferecendo serviços e pedindo altas comissões sobre os altos e teóricos valores que não são devidos, razão pela qual a disputa adquire tal contexto político. Os consultores externos do município de Parauapebas, tem peticionado, solicitando o bloqueio de conta da Vale mesmo havendo garantias bancárias”.

 

Agnelli alerta ainda  que a disputa em torno dos royalties estava inserida em um “contexto político” e que havia “investigações criminais em andamento” sobre o suposto esquema da prefeitura de Parauapebas

O caso soa mais como uma ação de sobrevivente numa nau de desesperados.

Quem dá o tom de denúncia é o texto dos repórteres escalados pela revista Época, coincidentemente, empresa das Organizações Globo, o mesmo conglomerado de comunicação que há quase seis meses vem denunciando um suposto “golpe” dado pelo governo para sacar Roger Agnelli da presidência da Vale.

O valor de royalties repassado à prefeitura de Parauapebas, no período de cinco anos, é esse mesmo de R$ 700 milhões?

Roger acusa o repasse.

A prefeitura de Parauapebas nega o recebimento do montante divulgado.

Na secretaria da Fazenda do município, há registro do ingresso de pouco mais de R$ 500 milhões, desde 2005.

A Vale deve à prefeitura, somente de Parauapebas, mais de R$ 1 bilhão, sendo que deste valor 65% são destinados a Parauapebas; 23% ao Estado do Pará; e 12% a União.

Esclarecer realmente essa questão, só quem pode fazê-lo são os tribunais de contas, tecnicamente preparados para manusear planilhas contábeis.

Discute-se a contratação de uma empresa consultora de Santa Catarina para efetuar as cobranças, citando o percentual de 20% de cada valor a ser recebido pelos advogados como ponto de partida para brechas de ilegalidade.

Também nesse item, o TCM deverá se manifestar.

Despreza-se o nível profissional do escritório catarinense, comprovadamente com expertize para encarar os desafios de enfrentar o batalhão de advogados da Vale, obtendo até agora sucesso na empreitada.

A luta contra Golias

O que o blog trás à luz são episódios em cadeia ocorridos entre o prefeito de Parauapebas e a poderosa mineradora, sob a presidência imperial de Roger Agnelli, executivo formado no coração do chamado “mercado” para quem só tem importância o lucro da empresa e os dividendos dos acionistas.

Excetuadas iniciativas da ex-prefeita Bel Mesquita já que foi ela quem deu o start inicial para investigar o valor de royalties devidos ao município de Parauapebas  pela Vale, Darci teve coragem para peitar o poderoso Roger Agnelli, sob o beneplácito de demais prefeitos paraenses, propositalmente inoperantes diante da situação de espoliação dos municípios mineradores.

Nenhum deles quis se aliar a Darci para encarar, de frente, a mineradora, no processo de apuração e cobrança dos royalties de exploração mineral.

O ex-prefeito de Marabá, Sebastião Miranda (PTB), é um exemplo.

Enquanto esteve à frente do executivo, fez vista grossas para o rombo que a Vale provocava nos cofres públicos, recolhendo valores irrisórios de Cefem, porque contentava-se em receber, aqui e ali, alguns trocados de convênios destinados a resolução de situações pontuais.

Tião poderia muito bem, com o poder político expressado na representatividade do município de Marabá, e avalizado pela sua própria fama de “bom administrador”, ter cerrado fileiras em defesa dos interesses municipais, chamando a Vale para o limpo.

Em todo esse imbróglio, há um fato que ninguém pode negar. E a História, um dia, se debruçará sobre essa verdade.

A partir do primeiro ano de mandato, o prefeito de Parauapebas tocou de verdade a luta pela recuperação dos royalties devidos ao município.

Somente com o passar do tempo, a  cruzada de Darci pela cobrança de royalties pagos a menos pela Vale, passaria a encontrar o respaldo de outros prefeitos. O movimento foi crescendo até se reforçar, atualmente,  com a união de prefeitos de duas mil cidades mineradoras do país.

Uma luta contra uma das empresas mais poderosas do mundo, que tem usado todo seu staff de renomados juristas para combater as investidas dos municípios, em sua maioria sem assistência jurídica à altura, mas que precisam receber, a todo custo, o que tem direito.

Só para relembrar: a Associação dos Municípios Mineradores do Brasil (Amib) tem cálculos atualizados da dívida da Vale para com os municípios mineradores: R$ 4,5 bilhões.

A dívida que a Vale tem com os municípios de Minas Gerais foi calculada, em 2007, em R$ 2,6 bilhões.

No Pará, a Vale deve R$ 800 milhões ao município de Parauapebas, onde está localizada a jazida de ferro de Carajás.

Roger Agnelli, na carta enviada a Dilma, nega os números acima, afirmando não existir nenhuma pendência entre a mineradora e os municípios mineradores.

Só que a empresa, acautelando-se para o que a Justiça decidirá brevemente, já depositou em juízo R$ 800 milhões – valor devido à Prefeitura de Parauapebas.