Na sala de aula, ele fala com total desenvoltura sobre as obras de Platão e Aristóteles.

É tido, por seus alunos da Universidade Federal do Sul/Sudeste do Pará, como “excelente mestre”.

Nos corredores dos Campus I  ou  II da Unifesspa, à  pergunta em qual sala professor Davi está dando aula, qualquer pessoa abordada devolve a indagação com outra pergunta:

         – O que  foi prefeito de Xinguara?

Nos meios acadêmicos de Marabá, José Davi Passos passou a ser espécie de “embaixador” do município de Xinguara.

Eu tentava entrevistá-lo alguns dias antes, mas a agenda lotada do ex-prefeito de Xinguara, nos dois períodos diurnos, tanto no Campus I,  quanto no II, da Unifesspa, forçava adiamento do encontro.

Aguçava-me a curiosidade um ex-prefeito de município tão importante como Xinguara, voltar à sala de aula, depois de oito anos governando o município.

Mais instigante, saber que o ex-prefeito, morando em Xinguara, desloca-se semanalmente a Marabá, e retorna ao seu município, fazendo cansativas viagens por uma rodovia perigosa, quase sempre à noite, ou de madrugada, quando vem dar aula e quando retorna, para passar o final de semana ao lado da família.

Minha relação com Davi Passos é quase nenhuma.

Conversei com ele, umas três vezes,  no máximo,  quando era prefeito do vizinho município, encontrando-o em aeroporto ou em reunião de prefeito da Amat, em Marabá.

O modelo de gestão democrática que ele  imprimiu durante os oito anos de administração,  priorizando a participação popular, o debate e a prática de ações de inclusão social, sempre me chamou a atenção.

Aproveitando as dezenas de viagens que sempre faço pelos municípios do Sul paraense, costumava conversar com pessoas de Xinguara, parando em postos de gasolina ou em lanchonetes, para auscultar o seu humor em relação ao prefeito.

Invariavelmente, as considerações eram elogiosas.

      – “Xinguara teve sorte de eleger um prefeito como Davi”, era a resposta.

Finalmente, semana passada, o encontro para a primeira entrevista.

Antes de ser recebido por ele, do lado de fora da sala onde ele dava aula, cheguei a ouvi-lo interagindo com a turma de Letras.

Davi lembrava aos alunos sobre afirmativas de Platão que as ideias são eternas e imutáveis.

  – “Logo, não é possível que uma ideia seja criada ou destruída”,  ensinava o professor.

Tão logo  completou o tempo da aula, Davi saiu para falar comigo.

Muito receptivo, convidou-me para ir até a sala da Coordenação do Curso de Ciências Sociais.

Foi num pequeno espaço climatizado que eu e ele conversamos por meia hora.

A seguir, a entrevista.

 

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Na sala de aula, Davi empolga alunos falando de Platão e Aristóteles.
Na sala de aula, Davi empolga alunos falando de Platão e Aristóteles.

 

 

Em sua trajetória  no Pará, primeiro, professor universitário. Depois, a vida política, sagrando-se prefeito por 8 anos de Xinguara; agora, de novo, seguindo a trajetória de professor da Unifesspa. O que o professor universitário pode ensinar para o prefeito, e o que o prefeito pode ensinar para o professor universitário?

Eu sou professor de Filosofia, desenvolvendo meus estudos de Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado,  sobre Platão e Aristóteles , os gregos que nos ensinam muito. Eles foram os inventores da Democracia e, ao mesmo tempo, tendo a Filosofia como reflexão rigorosa  e radical – refletindo os próprios fundamentos  da Democracia.  Se nós  entendemos a Democracia  enquanto exercício  livre da vontade das pessoas, dos cidadãos livres, nós chegamos a um resultado , mas se nós entendemos a Democracia como  o exercício de uma atividade dominada pelo  dinheiro, dominada por outros interesses,  nós vamos ter uma caricatura da democracia.

Essa reflexão, é uma reflexão filosófica, que ensina os cientistas  da política, a Ciência Política. Ela bebe nessa fonte da filosofia política. Se existe uma coisa que o meu exercício de professor, meu exercício de pesquisador – que também eu sou, como professor de filosofia -, é que tudo aquilo que a gente faz  sempre carece de muita reflexão, de muito controle, muito planejamento.

A razão é que tem que dominar nossos desejos,  nossa própria vontade. Caso contrário, nós vamos ter um governante tirano,  ou um governante déspota, um governante daqueles ávidos de poder – e trair a vocação verdadeira  da  política com P maiúsculo, que é  o exercício pro bem comum.

Eu fui prefeito oito anos de Xinguara, ganhei o primeiro pleito com uma disputa muito apertada, por apenas 28 votos -, e fui reeleito com 10.800 votos de frente. A população demonstrou  apreço pela  minha gestão. Eu saí (da prefeitura) com minha consciência limpa. Eu não obtive enriquecimento ilícito, isso de jeito nenhum; sobrevivi com aquilo que era meu, o salário de prefeito; assim como hoje, continuo trabalhando para sobreviver, com meu salário de professor universitário. Sempre quando  se termina um mandato político, não faltam aqueles  que dizem “ah, porque ele tem hotéis não sei onde”, “ele tem  uma rede de universidades em Minas Gerais”,  “ele tem fazendas em tais e tais lugares”,  “ele tem isso, tem aquilo” – dizem que eu tenho bens na Espanha, Alemanha, Cuba.

Diante de insinuações assim, eu digo ser bastante curioso tudo isso, porque talvez eu seja o único milionário que levanta de madrugada, trabalhando  o dia inteiro, preparando aulas à noite, para sobreviver, pra continuar sobrevivendo.

 

Exatamente essa questão sempre atiçou minha curiosidade, porque normalmente um prefeito que fica oito anos administrando uma cidade,  depois que deixa o cargo, ele não segue mais a profissão que lhe dava sobrevivência antes de entrar na política. Ou, então, multiplica seus bens, adquirindo, principalmente, fazendas, ou coisas do gênero.  Seu caso é  bem conhecido: deixou a prefeitura e voltou a dar aulas, acordando de madrugada, para chegar na segunda-feira, oito da manhã,  nos Campus da Unifesspa, em Marabá. Fica na cidade até sexta à tarde, e retorna pra Xinguara, onde mora sua família, repetindo o vai e vem na segunda.

Eu sou morador de Xinguara, e por isso, não quero sair de lá. Seria mais cômodo, pra mim e minha família, mudar-se pra Marabá, porque é aqui onde trabalho hoje,  na universidade, mas prefiro correr riscos na estrada, do que largar a cidade que amo. A minha vida social,  a minha vida  política, ela adquiriu  formas ali em Xinguara. Mas eu venho pra Marabá na segunda-feira de madrugada, às vezes domingo à noite,  viajando também na sexta-feira à noite, quando retorno ao meu lar, pra passar o fim de semana com minha esposa e filhos. E como eu venho também trabalhando  ´blocado´, às vezes três turnos durante o dia,  eu consigo cumprir num tempo curto, a minha carga horária de um professor que trabalha num semestre. Como, por exemplo, o mês de abril, meados de abril, maio, junho – eu estarei de folga, enquanto agora nos meses de janeiro,  fevereiro e março , eu trabalho com uma carga horária dupla. E eu tenho conseguido esse tipo de arranjo, sobrando tempo para orientação de alunos. Enfim, toda atividade acadêmica que me cabe, até um pouco mais,  tenho trabalhado.  Não tenho nenhum privilégio a mais  porque fui prefeito, porque sou uma pessoa projetada na sociedade de Xinguara e região, pra dizer, “aqui estão me poupando”, ou eu mesmo pedindo  uma exceção pra mim. Eu faço questão de dar aula. Modéstia à parte, me considero um bom professor,  graças a Deus sou reconhecido pelo que faço, me identifico como professor e, por isso, fiz questão  de retomar à sala de aula.  Me  ofereceram cargos no governo federal, eu não aceitei, recusei todas as possibilidades de cargos que me ofereceram, depois de meu mandato de prefeito, porque  eu queria mesmo era retomar minha vida profissional, aquilo que me identifica, como professor  há quase trinta anos. Eu me realizo quando percebo que consigo  ensinar, e dando o melhor de mim na sala de aula.

Em comparação  ao salário de prefeito, o que ganho como professor,  é bem menor.  Nós, professores, temos salários baixos para a importância do nosso trabalho, mas  como professor eu me realizo

Outras atividades, outros mandatos, eu posso  vir a ser de novo prefeito,  eleger-me deputado, ou seja o que for,  mas a minha identificação é de professor. Eu acho assim muito estranho, aqueles que abandonam por completo  a carreira de professor pra se dedicar à política. A gente  precisa conciliar o tempo no magistério e da política.

Falando em política. Atualmente, a prefeitura de Xinguara  está sob controle do PMDB. O atual prefeito, Osvaldinho, carrega nos ombros altíssima rejeição popular. Qual  avaliação do desempenho de seu sucessor?

Nós temos lá, hoje, não é segredo pra ninguém, uma administração  orientada por um grupo  que vem da antiga UDR, grupo de direita. Entraram para o PMDB  sem nenhuma tradição. O prefeito é um cidadão que estava  no PTB, que foi pro PSDB e veio, depois, pro PMDB,  por puro fisiologismo, conforme as conveniências de cada época, e que gastou muito nas eleições. Perdeu pra mim duas vezes, e hoje governa para um pequeno grupo, uma “panelinha”. Uma administração sem planejamento, não  sabe o que quer, pra onde vai,  não tem um projeto definido e, nitidamente, um governo de exclusão. Um governo pra poucos. Resultado disso é que a cidade vem decaindo.

Na minha administração, nós levamos pra Xinguara,  Banco da Amazônia, Caixa Econômica Federal,  agencia do INSS,  abrimos a Farmácia Popular,  reestruturamos e ampliamos, em quatro vezes,  o Hospital Municipal; construímos um posto de saúde em cada bairro e em cada distrito, e fizemos funcionar.

Conseguimos, também, em minha gestão, que Xinguara  ocupasse o lugar da sétima cidade  em desenvolvimento,do Estado do Pará, e a primeira em taxa positiva do emprego, ajudando, inclusive, a elevar o nível do segundo Cajeb. Avançamos muito no Ideb, e,  agora, já se tem conhecimento que começa a decair. Andando pela cidade, observa-se o aparecimento de casas com placas “Aluga-se”  ou “Vende-se”,  coisas do gênero que não se via em nossa gestão.  Enfim, uma decadência!  Nós não temos uma administração pública  com ações efetivas capazes de alavancar o desenvolvimento. Isto que existe lá, hoje, é outro modelo. Agora, é bom que se diga: precisava que a população experimentasse  também este modelo. Na campanha, quando eu apoiei o outro candidato (Dr. Moacir, do PDT), que perdemos, eu falava:  – “Vocês vão experimentar outro modelo de gestão, que pode trazer também experiências amargas”. Não deu outra.

Essa administração goza de muito desprestígio, hoje,  com cerca de 80%  de reprovação. Portanto, essa é a realidade de Xinguara.

Eu fiquei um ano inteiro ao largo da política, apenas observando a nova administração, sem fazer qualquer tipo de oposição sistemática. Pedi  aos meus companheiros:  – “Olha, vamos deixar um ano pra ver o que ele faz, pra ninguém nos acusar de estarmos atrapalhando, criando instabilidade política”.  E nós deixamos! Se  alguém disser que  o professor Davi  contribuiu  para que Xinguara  chegasse ao que chegou agora, ao retrocesso, não é verdade. Inclusive,  o nosso partido (PT), tem colocado recursos  pra cidade.  Os nossos deputados têm colocado recursos. Eu nunca fiz uma viagem a Brasília para pedir  que não enviassem recursos pro nosso município. Ao contrário,  a gente sempre tem apoiado.

Pelo desenho atual da  administração, é muito difícil o atual prefeito ter sucesso em sua reeleição. Há, inclusive,  apelo muito grande, desde o empresário  até o empregado, o funcionário público – para que eu volte como gestor. Eu sempre digo que vou refletir, que Deus nos ilumine,  vamos ver o que o povo quer. Poderia até pensar em voltar, mas  tenha certeza de que não morro de amores para voltar (à Prefeitura). Agora, pra gente que sonha sempre por uma cidade melhor,  a tendência é que a gente volte novamente a oferecer nosso nome a candidaturas, seja agora para deputado, seja mais tarde, para prefeito. Isso depende  de uma junção de fatores e análises.

A sua visão política de priorizar a inclusão social e trabalhar pelos menos favorecidos,  esses fatores não são formas de você se sensibilizar e emprestar, de novo, seu novo, à análise do eleitorado de Xinguara e da região, disputando uma eleição proporcional em outubro? Dessa forma, você não estaria contribuindo muito mais do que fora da política?

Eu creio que sim.  Pela experiência que tenho, pela minha formação política, pela minha formação ética, eu seria  um excelente deputado.  Não estaria apenas lutando por Xinguara, cidade onde resido,  mas pela região toda. Eu fui um dos  lutadores – e como lutei! -, pelo Estado de Carajás, juntamente com o deputado Giovanni (Queiroz),  Luciano Guedes… Foi na minha gestão como presidente da AMAT (Associação dos Municípios do Araguaia-Tocantins)  que nós conseguimos dar um grande passo na primeira aprovação para agilizar a tramitação do projeto de criação do novo Estado, depois com o Luciano Guedes à frente da AMAT,  e eu à frente do grupo de Carajás… Esse projeto de emancipação da região Sul do Estado, é uma busca legítima. Não estamos propondo separatismo por separatismo.  Estamos lutando pelos direitos de uma região que tem condições  de ser uma unidade da Federação,  independente, integrante da República, melhorando a distribuição de renda e a qualidade de vida de mais de um milhão e meio de habitantes.

Como deputado, caso eu decida lutar por uma cadeira no parlamento, uma de minhas bandeiras  seria essa, somando  com aqueles que sempre estiveram nesse desafio. O próprio deputado Asdrubal, o prefeito de Marabá,  Salame (João);   Giovanni Queiroz, citando apenas alguns exemplos de companheiros defensores dessa causa justa, independentemente da cor partidária, que tem uma luta histórica por Carajás. Eu seria mais um.

Naquilo que concerne ao debate de outras questões não menos importantes,  a situação da Amazônia em relação  ao restante do país, os  recursos que temos direitos mas que ficam para as regiões mais desenvolvidas. É preciso desnudar a postura coronelista  dos municípios do Sudeste  do país em relação aos nossos municípios, da região Norte; insistir na penalização da  Lei Kandir, essa legislação draconiana que condena o Pará a não usufruir dos impostos na área mineraria – ou seja, muita coisa a lutar por correções.

Se eu decidir me candidatar a deputado, é com esse intuito.  Fazer esforços continuados pela emancipação de nossa região, em todos os níveis;  aprofundar o debate  em torno de melhorias de nossa malha rodoviária,  da infraestrutura,  da realocação de obras do PAC,  defendendo sempre a lógica de que a Amazônia precisa ter atenção especial.

No passado, houve uma desigualdade muito grande. E, se agora, essa desigualdade persistir, nunca teremos os avanços que tanto sonhamos. A Amazônia tem que ter mais recursos, o Sul do Pará tem que ter mais recursos. Precisamos corrigir as distorções que tanto  excluem nossas populações.

No que diz respeito à Educação, nós criamos nossa Universidade. A Unifesspa foi uma luta minha de muitos anos.  Eu trabalhei na formatação do pré-projeto, na estrutura do pré-projeto. Entregamos  nas mãos da então governadora Ana Júlia, que o  entregou ao Presidente Lula, que nos garantiu que passaria  ao seu sucessor a responsabilidade pela concretização de nosso sonho. E, de fato, a presidenta Dilma Roussef criou a Universidade do Sul/Sudeste do Pará.

Em relação a essa conquista, é bom deixar claro: não adiante pensar num novo Estado se nós não tivermos uma Educação de qualidade, e a universidade não tem que ter apenas sala de aula. Tem que ter  pesquisa,  tem que contribuir com o desenvolvimento da região. Então, agora nós temos essa ferramenta poderosa, mas precisamos começar outra luta: a briga para dotar nossa Unifesspa de recursos financeiros. E, pela experiência que tenho na política,  a política tem que servir pra isso. Não tem sentido  alguém entrar pra política, sacrificar  seu tempo de descanso, de lazer, de ficar com a família, se for  pra agir em benefício próprio.. É preciso ter a consciência do bem comum, como eu sempre tive quando prefeito.