MessiJogando apenas com meia perna, já que estava em campo sentindo uma lesão muscular em tratamento, bastou um lance para a gente entender porque Messi é único.

Foi aos  26 minutos do segundo tempo, numa de suas primeiras jogadas, quando o Barcelona perdia para o PSG por 1 X 0.

Messi passou por dois marcadores e achou David Villa na grande área. O atacante rolou para Pedro  concluir e selar o resultado que classificou o clube catalão.

Messi é sempre assim.

Vai para decidir parada, com as duas pernas, ou meia perna – não importa.

Únicos jogos que costumo gravar na Sky, os jogos do Barcelona, com Messi em Campo.

Assisto uma, duas, três vezes a mesma jogada, voltando a imagem do receptor digital, para entender a conceituação de sua arte.

Observá-las atentamente, em slow-motion, apaixonando-se por cada lance que ele cria ou estimula os companheiros em campo a fazê-los.

E tudo aos pés de um garoto que mede pouco mais de 1,60.

Contento-me até em olhar os dois times alinhados antes do apito inicial, o olho enquadra todas as cabeças dos jogadores mais ou menos da mesma altura, ao passo que, para encontrar a de Messi,  se deve descer pelo menos ao nível dos ombros dos companheiros.

Para um esporte  em que a potência  conta cada vez mais e, para um atacante – os quase dois metros de Ibrahimovic e o metro e 85 de Cristiano Ronaldo se tornaram a norma -, Lionel continua a parecer perigosamente uma “pulga” – seu apelido batizado quando chegou ao Barcelona, aos 12 anos.

Olhando outra imagem, antes do jogo Barcelona e Milan, pela Liga Champion, chega-se a definitiva conclusão de que é preciso calcular que as probabilidades de Messi sair derrotado de um impacto corpo a corpo são elevadas, como elevado é o risco de ele ser totalmente atropelado  pelos defensores. Mas somente com uma condição: antes devem conseguir alcançá-lo.

Ninguém consegue manter-se em seu encalço.

O centro de gravidade é baixo, os defensores o atacam, mas ele não cai nem se desloca. Continua a manter a corrida, vai chutando a bola, não para, dribla, pula, desliza, foge, finta. Ninguém consegue pegá-lo.

Ele é um velocista, corre como uma flecha com seus pés pequenos, que parecem mãos pelo modo  como consegue segurar a bola e controlar cada movimento dela. Por causa de seus dribles, os adversários tropeçam no estorvo inútil  de seus pés numero 45.

O grande jogador não é aquele que faz com que se cometam faltas contra ele (igual a Neymar), mas aquele que não se consegue passar nenhuma rasteira. E nisso, Messi é inigualável.

Evidente que Messi tem nos pés um talento único, algo que vai além  do próprio futebol: vê-lo jogar é como ouvir uma música, como se, em um mosaico descolado, toda pecinha voltasse ao seu lugar.

Na partida Barcelona 4 X Milan 0, foi um desses dias de belezura ao extremo.

Segundo tempo, eis que Messi pega uma bola no meio de campo, mais para a direita e, de repente, desloca-se em estabanada velocidade,  buscando o lado esquerdo do time milanês.

Ao ouvir o  cronista da televisão espanhola narrando sua cavalgada é o bastante para definir sua epopeia  de marabarista: Messia deixa pra trás, o meia Muntari , livra-se de Abate, Mexés, Zapata, e  Constant, sempre buscando a esquerda.

Ao vê-lo assediado por tentativas de faltas, o narrador espanhol, descrevendo a cena, inicia uma emocionada e satisfeita exclamação: “Não cai, não cai, não caiiii”.

E Messi se livra de todas as tentativas de falta, com a bola colada aos pés, ora o direito, ora o esquerdo, e não cai.

A narrativa do jogo transforma-se  numa graça zombeteira de suas avançadas, com a estupefação quase mística que seu jogo suscita.

Contra a Venezuela (Eliminatórias do Mundial), o craque aparece mais como servidor dos colegas, “açucarando” passes em maravilhosos lances de extrema construção artística.

Ver Messi significa observar alguma coisa que vai além do futebol e coincide com a beleza em si.

Algo semelhante a um arrebatamento, quase um arrepio de consciência, uma epifania que permite a quem está presente, vendo-o correr a passos miúdos e brincar com a bola, já não perceber  nenhuma separação entre si e o espetáculo a que está assistindo, confundir-se plenamente com o que se vê, a ponto de sentir-se uma coisa só com esse movimento desigual, mas harmônico.

Felizmente, diante de tantos “cabeças-de-bagre”,  e de outros endeusados precocemente pela imprensa especializada, até agora não confirmadas  suas genialidades (vide  Neymar,  Robinho e alguns idênticos brasileiros  “cai-cai”), Messi salva o esporte bretão, cuja fase épica parece ter ficado para trás.

Lionel parece o contrário do que se espera de um jogador.

Numa  recente entrevista que ele concedeu ao Esporte Espetacular, da Globo, deu para perceber sua timidez ao extremo.

Não é seguro de si, não usa as frases costumeiras que lhe aconselham dizer, fica vermelho,  e fixa os pés, ou então começa a roer as unhas do indicador e do polegar, aproximando-a dos lábios quando não sabe o que quer dizer e está pensando.

Mas a história do genial argentino é como a lenda do zangão.

Dizem que o zangão não poderia voar porque o peso do seu corpo é desproporcional à envergadura de suas asas. Mas o zangão não sabe disso e voa!

Messi, com seu pequeno corpo, com aqueles pés diminutos, com aquelas pernas pequenas, o tronco pequeno e todos os seus problemas de crescimento, não poderia jogar no futebol moderno, que é todo feito de músculos, massa e potência.

Só que Messi não sabe disso.

E é por isso que é o maior de todos.