Duas fotos de meu arquivo digital lançam sobre mim dois tempos de Vida e Morte.
Drama banalizado pela rotina dos fatos em quem viu nascer e morrer nossos castanhais

A primeira – abaixo -, a Vida, num batelão.
Alguns o chamavam de “bote”, usado para o transporte de mercadorias, pessoas e castanha-do-pará. À época, 1920, o tipo de embarcação era tocada à vara porque não haviam motores de popa à disposição. Uma viagem de Marabá a Belém, ida e volta, demorava quase três meses. Na munheca. Cada braço representava 1 hp de potência.

Observem a elegância de nossos heróis sobre grãos de castanha, nos pedrais do Tapitariquara, abaixo de Jacundá.

Cada traço é um mundo em movimento; pessoas em atos e fatos, refugiando-se na barra da saia da solidão, mas com fôlego e tempo infinito a dispor.

A castanha acabara de ser descoberta como riqueza a suceder o caucho (borracha).

Cada personagem do bote tinha meta a cumprir na viagem. O mundo não os afrontava.

Vidas sobre água em momento terno de descanso nas corredeiras bravias do Tapitariquara -, assustadora cachoeira que tantas vidas tragou.

Reanimar lembranças em preto-e-branco, com as quais dialogo, enquanto a memória, em passos titubeantes, consome gota a gota o caminho de volta ao tempo.

A foto me cerca e pulsa dentro em ritmo frenético. Vai e vem ensandecido, o qual ignoro, porque eu me habito.

Nossos avós foram heróis nesse rio, cursando a história desconfortavelmente.

O diálogo com lembranças é breve, tão abreviado quanto o ato de submetê-las ao moedor do tempo.

Imagino mais ou menos o que conversavam, enquanto algum companheiro batia a foto.
As lembranças, conduzo-as ao meu modo. Depois miro o pó em monte a que foram reduzidas.

Folha morta
A foto a seguir, é o avesso do avesso.
Agora a ganância afronta o que foi vida, serrando-as ao chão: milhares de castanheiras destruídas, 60 anos depois da primeira foto.

Pessoas as machucam usando perfuro-cortantes. Feridas sem chance de cicatrizá-las na umidade da saliva.

Aqui, a imagem despe-se de sentimentos e emoções para melhor visualizar as marcas deixadas em corpo-esconderijo da alma em frangalhos. E a Floresta em chamas, desesperadamente sem saber chamar socorro.

Mapa ardente de feridas vivas de ardência. Fogo a não caber no véu grosso do silêncio.

Eles podiam até nem saber, mas nossos antepassados eram felizes. Hoje, sabemos disso.