Em 1º de maio, se ainda existisse, a banda “Os Brasas 6” completaria 38 anos.
Tomei conhecimento desse fato lendo o Correio do Tocantins, edição de sábado, cuja versão digital ainda não se encontrava online até a redação deste texto.

A data foi lembrada pelo pernambucano mais paraense dos paraenses, o músico Valvilson Santos, que pisou Marabá em 1972, nunca mais retornando À sua querida Bezerros, cidade a 100 km de Recife.

Formada pelos músicos João (contrabaixo), Bentinho (solo), Valvilson (base), Luiz (bateria), Divino (teclado) e Zezinho (saxofone), Os Brasas marcou época por ter revolucionado os eventos em cidades do Pará, Maranhão e Goiás.

Eu, particularmente, ao ser tocado pela entrevista do “Negão”, como carinhosamente até hoje chamo Valvilson, fui arremessado ao tempo. E fiquei emocionado.

Fiz parte da banda, como espécie de free-lance, constituindo seu sétimo elemento em algumas apresentações, também fazendo base e voz.

Não apenas integrei o conjunto musical.

Fiz parte da família “Brasas”, morando sob mesmo teto na república da banda localizada na travessa Santa Terezinha, bem próximo do Pinguim, casa noturna montada pelos integrantes do sexteto que se transformou no ponto de encontro da sociedade de Marabá por um bom longo tempo.

Era tudo de bom.

Fase maravilhosamente dourada da banda e da juventude marabaense.

Valvilson era o líder do grupo.

João, um dos mais completos músicos que conheci, a referência musical de todos pelo suingue que conseguia imprimir em seu contrabaixo.

Bentinho, irmão de João, belíssimo solista.

Divino, Zezinho  e Luiz, peças fundamentais na estrutura coesa do grupo.

Ao relembrar fatos vividos no dia a dia do grupo, constato o quanto os caras estavam à frente de seu tempo.

Os Brasas era uma verdadeira suruba de influências. Basicamente apoiando-se no rock pop de grandes bandas da época, sem abrir mão das influencias nordestinas de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Marinês.

Tocando Rolling Stones Beatles, Bossa Nova, grandes nomes da época da MPB, xaxado, baião, xote, bolero, os geniais meninos vagavam também até pelo folk.

Quando decidiam traduzir cover de alguns hits da época, davam banho.

Recordo de uma apresentação num clube social chique de Imperatriz quando a banda começou a fazer “Tell Me Once Again”, do Light Reflections , formou-se frisson em todo o salão lotado.

O público não acreditava na interpretação ao vivo da canção, suspeitando tratar-se de execução em playback (*).

O palco foi cercado rapidamente.

De cima, a gente não entendia a razão de tanto burburinho de pessoas aproximando-se do palco, com olhares de incredulidade.

De um ponto qualquer do salão, o presidente do clube fez sinal para que parássemos de tocar a canção. Assim feito, o rapaz subiu ao palco e cochichou  próximo ao ouvido de Valvilson.

Ao terminar de ouvir  o dirigente, “Negão” deu uma sonora risada e dirigiu-se ao microfone, dizimando dúvidas.
     

Somos nós, sim, quem tocamos a música. Aqui não se usa playback. Vamos tocar de novo “Tell Me Once Again”, parando e repetino, pra vocês verem que somos reais.

E assim fizemos, parando a interpretação varias vezes, e repetindo-a em seguida.

O clube quase foi abaixo, enriquecido por aplausos.

Depois dessa apresentação, Os Brasas recebia quase todo mês proposta para se apresentar em Imperatriz, até surgir um dia convite do prefeito local para os meninos migrar de moradia, deixando Marabá pela bela cidade maranhense.

Claro, permaneceram no Pará.

E isso ocorria em quase todas as apresentações do sexteto, em outras cidades.

Valvilson, João e Bentinho tinham um jeito peculiar de mandar sinais, em cima do palco. Um simples olhar de um deles, descrevia alguma cena interessante no meio da platéia.

Lembro de um lance de João, num baile se não me engano em São João do Araguaia.

De repente, uma mulher trajando sensual vestido vermelho cujo decote chamava a atenção aventurou-se atravessar o salão ainda pouco freqüentado por dançantes, naquele instante.

A cena foi alertada sutilmente por João, ao “puxar” em seu magnífico contrabaixo, fora do repertório, a música You Can Live Your Hat On,   de Joe Cocker, sempre usada em desfiles e em casas de streap – tease .

A gente ria desesperadamente. Ria.

Ninguém fazia nada sem consultar Valvilson, líder do grupo.

Contador de causos, conhecedor profundo da música brasileira, Negão simbolizava todo equilíbrio do grupo.

A maioria casados, os integrantes da banda vez em quando entravam em conflito.

Nesse momento, a voz amiga de Valvilson colocava ordem na casa.

Fico imaginando como seria hoje a performance do Brasas 6, aparelhados pela evolução das ferramentas disponibilizadas: MP3, som digital, equipamentos sonoros tecnologicamente revolucionários, enfim, os caras seriam sucesso nacional.

Naquele tempo, havia projeto de gravação do primeiro LP.

João e Valvilson falavam desse projeto, trabalhavam  em arrecadar capital de giro para deslocar a banda pras regiões do Sul do país em busca de uma oportunidade.

Quando me afastei da banda, viajando para o Rio de Janeiro, saí com a convicção de que em curto tempo os Brasas estouraria nacionalmente.

A morte por afogamento de João, em Tucuruí, numa de suas apaixonadas manias de pescar no Tocantins, deve ter levado à “morte” os sonhos dos meninos grandes.

Tanto levou que a banda esfacelou-se, cada um buscando sobreviver distante um do outro.

Saudades dos Brasas.

Inda bem, pelo menos dois de seus integrantes, ainda residem em Marabá, e aqui permenecerão ate o final de suas vidas: Valvilson e Bentinho.
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*Palavra inglesa utilizada para descrever o processo de sonorização que utiliza gravação prévia de trilha sonora

Valvilson e eu, em foto de tempos atrás.