Marina quase foi o tudo. E pode virar o nada.

Fernando Brito, jornalista

É muito curioso o que ocorre quando a política, em lugar de se dar como emanação de um processo social, passa a viver à base de jogadas, truques de esperteza e arranjos de marketing.

Não que eles não possam ser bem sucedidos, como foram, por exemplo, na eleição de Fernando Collor, em 89, quando se tratava, antes e acima de tudo, de não permitir a eleição de um favorito de esquerda, primeiro Leonel Brizola e, a seguir, Luís Inácio Lula da Silva, separados por ínfimo meio por cento no primeiro turno.

Antes que digam que estou comparando Marina Silva a Collor, digo que não vejo a menor semelhança entre ambos, exceto a arrogância.

Interessa-me é o que se une em torno e o que, depois do seu desmanche, o que resta nas forças políticas que representam como “salvadores da pátria” que se proclamam fora da política.

E o que pode, surpreendentemente, fazer com que parte da direita brasileira, diante da inviabilidade de uma vitória de Marina Silva, prefira que a eleição se encerre no primeiro turno, o que é menos improvável do que muita gente pensa.

Vejam: o crescimento de Marina Silva veio, essencialmente, de três vertentes.

A primeira, a não-política, espécie de hipocrisia alimentada pela mídia e seu falso moralismo nas classes médias urbanas. É algo que não tem voto, mas tem “estampa”. É um espaço eleitoralmente minúsculo, mas barulhento, onde se aninham “udenistas de esquerda”, de direita e psolistas em geral, abrigados antes no PT “pré-poder”.

A segunda, deformação politiqueira de confissões evangélicas que pretendem se comportar, espalhadas pelos partidos, como um partido político e uma ferramenta de poder.

E, por último, a mais importante: a falta de um candidato da direita orgânica, tradicional, que, diante da rejeição  e repetidas derrotas de seu general José Serra e da inutilidade pomposa do Marechal Fernando Henrique, teve de adotar um candidato pífio, sem luz própria e cuja carreira foi o arranjo de um “filhinho do vovô”.

A fatalidade da queda do avião de Eduardo Campos reciclou Marina Silva e a transformou na “grande esperança verde” para dar fim ao ciclo trabalhista-desenvolvimentista que começou com Lula ( e, ainda assim, depois que ele percebeu que a direita não o aceitaria como solução intermediária a um regime  entreguista e excludente, porque a direita brasileira não aceita – e nunca aceitou – qualquer regime que não fosse o da espoliação selvagem deste país).

Marina tinha o “physique du rôle” para isso: de origem pobre, aparência frágil, evangélica e de personalidade arrogante, em tudo servia para apresentar-se como capaz de capturar os votos da pobreza, o que de fato fez em certa classe média baixa, em parte e durante algum tempo.

Além disso, caprichou em sua conversão à uma imagem de “selvagem domesticada”, cuidando de exibir suas companhias “confiáveis” –  a senhora do Itaú e os economistas neoliberais – como penhor de sua docilidade ao stablishment.

Marina, porém, esbarrou em alguns limites.

O primeiro, a fantástica lucidez do povo mais pobre deste país que, embora vivendo os maiores sacrifícios e carências, soube, quase que instintivamente, proteger suas conquistas.

O segundo, também um instinto de sobrevivência, este de Dilma Rousseff, que abandonou a despolitização que marcou seu governo e assumiu, de frente e sem covardias, o combate político, inclusive e sobretudo no horário político.

O terceiro – e este foi fatal a Marina –  o tempo de exposição de suas próprias fraquezas. A necessidade de atender a tantos senhores quanto os que necessitada em seu inorgânico ajuntamento – de Malafaia a Setúbal, de tudo um pouco – foi-lhe expondo as contradições, as companhias e, sobretudo, a inevitabilidade de um governo de concessão aos ricos e arrocho aos pobres.

Agora, chegamos a um possível – para mim, provável – paradoxo.

A direita paulista – e direita paulista é um pleonasmo e uma definição – prefere agora a morte rápida, com uma decisão de primeiro turno.

A vitória de Alckmin já na primeira rodada parece assegurada e o mesmo ocorre com algo que irá definir seu futuro nos próximos anos: a eleição de José Serra para o Senado.

Este é o eixo de poder real que irá se agrupar na oposição a Dilma, com Aécio reduzido a expectativas no máximo estaduais e Marina Silva, enfim descartada do cenário político, como bananeira que já deu – e na segunda vez não o pôde dar – cacho.

Não estou dizendo que a eleição se encerrará no primeiro turno, até porque os movimentos eleitorais tem um quê de insondável.

Estou registrando, agora com mais clareza, aquilo que já vinha afirmando desde o dia 3: “se a direita convencer-se que Marina não será o seu “cavalo” nesta disputa presidencial, poderá “sacrificá-la” antes da hora. E juntar os cacos do PSDB.”

Para que levar Marina a um segundo turno e deixá-la como “player” em 2018?

A política, não me canso de repetir a frase do velho Brizola, ama a traição, mas logo acaba por abominar o traidor.