Segundo o poeta carioca Antonio Cícero, a “poesia também é oral no sentido em que, com raras exceções, ou ela consiste em letra de música – o que significa a palavra cantada – ou ela fica melhor quando lida em voz alta.”
Prenhe de razão, certamente Cícero deve vibrar com a musicalidade colocada nos versos de “A Aurora”, um dos mais pungentes poemas que o espanhol Federico Garcia Lorca escreveu justamente entre junho de 1929 a março de 1930, quando esteve em Nova Iorque.
Fuzilado pelos fascistas de Franco, em 1936, Lorca deixou uma obra maravilhosa, que continua a ser revisitada e a surpreender.
O CD gravado pela CBD espanhola, e lançado obscuramente no Brasil pela CBS brasileira, apresenta obras de compositores convidados para musicar um dos poemas que Lorca produziu nos meses em que esteve em Nova Iorque, numa fase difícil de sua vida (quando deixou a Espanha em grande crise afetiva), interpretando os textos em sua língua.
O Brasil está representado por Chico Buarque e Raimundo Fagner que dividem o belíssimo “A Aurora”. A tradução é do maranhense Ferreira Gullar.
É difícil encontrar o CD nas lojas, pois os comerciantes fonográficos, ignorantes em sua maioria, não se deram conta da preciosidade deste registro em que os nomes mais famosos da música em diferentes países se reuniram para homenagear ao poeta de “Bodas de Sangue”.
A aurora de Nova Iorque tem
quatro colunas de lodo
e um furacão de pombas
que explode as águas podres
A aurora de Nova Iorque geme
nas vastas escadarias
a buscar entre as arestas
angústias indefinidas
A aurora chega e ninguém
em sua boca a recebe
porque ali a esperança
nem a manhã são possíveis
E as moedas como enxames
Devoram recém-nascidos
Os que primeiro se erguem
em seus ossos advinham:
não haverá paraíso
nem amores desfolhados
Só números, leis e o lodo
de tanto esforço baldado
A barulheira das ruas
sepulta a luz na cidade
E as pessoas pelos bairros
vão cambaleando insones
como se houvessem saído
de um naufrágio de sangue.
Hiroshi Bogéa
1 de junho de 2008 - 01:03Você tem razão, RB. Faltou o nome da obra. Trata-se do CD “Poetas em Nova York”, lançado em 1986. Acho que você somente o encontrará em lojas de sebo – daquelas mesmo bem representativas. Como recebi alguns e-mails cobrando o mesmo tema, publicarei neste domingo a capa do disco com mais detalhes.
Um abraço.
Ronaldo Barata
31 de maio de 2008 - 20:07Caro Bogéa
Ausente de Belém, por vários dias deixei de acessar teu blog. Hojé, agradeço ao amigo a inserção da música Aurora, com os versos do poeta Lorca magistralmente traduzidos. O mais fantástico é a constação da universalidade dos versos do poeta espanhol, que caem como uma luva em qualquer grande cidade do mundo. Basta procar Nova York por São Paulo e a visão pessimista do poeta seria a mesma.
O teu comentário só tem um senão: não dá o nome do CD. Mw socorre, pois eu quero comprá-lo.
Abraços do Ronaldo Barata