Cristovam Buarque costuma afirmar que o Brasil é um país dos que podem e o país dos que não podem. Usa a expressão ao analisar a questão dos desiguais, defendendo a necessidade dos cidadãos conquistarem a mesma oportunidade em matéria de informação.

O tema aparece aqui a reboque de denúncia feita sexta-feira, 18, em minha coluna no Diário do Pará, sobre indícios de carta marcada numa licitação da secretaria estadual de Transportes beneficiando a Delta Construções S.A. Nunca, nesses três anos escrevendo a coluna do jornal, recebi tantos e-mails comentando um mesmo tema, ficando explícito nesse comportamento dos leitores, espécie de contentamento à divulgação da denúncia.

Ao todo, até às 13 horas deste domingo, quando escrevo o post, 27 mensagens acessaram a caixa postal hiroshyb@gmail.com referindo-se ao caso. Dos 27 e-mails, onze elogiam a linha editorial do Diário do Pará, ao permitir a publicação, por um colunista, de provável irregularidade no processo licitatório de uma secretaria de governo que recebe apoio do jornal.
Doze mensagens são de leitores confiantes na conduta da governadora Ana Julia em mandar apurar a qualidade da licitação; enquanto quatro e-mails classificam o colunista autor de “denúncia vazia” – com objetivo exclusivo de queimar o secretário Valdir Ganzer.

Esclarecimentos:

1- Para grande parte do público, os jornais são protagonistas de enganos e imprecisões. Alguns mais imprecisos que outros. Mas eles espelham a sociedade em que são produzidos.
No caso do Diário do Pará, deixo testemunho da preocupação de seus diretores em valorizar a notícia, mesmo que ela, em alguns casos, contrarie interesses políticos do próprio grupo de comunicação. Dá pra perceber claramente que a direção do DP, nas relações com o poder público, está sempre em busca de encontrar uma maneira de conviver com as suas diferenças, sabendo que entre o veículo e governos jamais haverá ume relação perfeita.

Por diversas vezes registrei neste blog minha condição de escrever no Diário sem jamais ter sido “orientado” pelo Diretor de Redação a excluir esta ou aquela nota. Por assim dizer, o jornal me concede plena liberdade de expressão. Talvez esse seja um dos fatores a conduzir o Diário na conquista preferencial do leitor paraense, assumindo a liderança de circulação no Estado. Não tenho receio de parecer porco-chauvinismo afirmar que o leitor, ao longo desses anos, conseguiu pluralizar as influencias sobre o Diário do Pará, fazendo dele produto de um conjunto de pessoas que representa de certa forma a sociedade, e não produto de uma ou algumas cabeças iluminadas.

Dia desses, Lucio Flávio Pinto, numa rápida troca de e-mails comigo, registrou a importância de nossa coluna brindar os leitores do restante do Estado com notícias do Sul do Pará. Sua manifestação, pelo significado próprio que ele representa para todos nós profissionais da informação, é a prova insofismável de que a comunicação é verdadeiramente elemento indispensável à cidadania, e, em conseqüência, um fator de governabilidade.

2- Durante os doze anos em que o Pará foi administrado por Almir Gabriel e Simão Jatene, pelo menos na relação Imprensa X Poder, particularmente eu sofri pressões de diversos segmentos para atuar numa linha de “enquadramento”. Jamais recebia retorno de contatos que fazia com secretários de governo em busca de informação ou para esclarecer fatos.
Havia uma espécie de reserva de mercado segunda a qual quem estava dentro – cada vez mais ficava; quem de fora assistia (quando conseguia assistir!), invariavelmente era visto como “do outro lado”. Essa seqüência de acontecimentos -, tipo Piston de Gafieira de Billy Blanco (“Quem está fora não entra, quem está dentro não sai” ) -, me fazia pensar muito na questão do direito à informação, entendido não apenas no sentido de um direito que garanta à sociedade e aos cidadãos o direito de ser informado corretamente, mas também o direito de produzir informação e ter a possibilidade de divulgá-la adequadamente, para que seja objeto da atenção da sociedade e tenha chance de ser tratada devidamente – inclusive para propiciar soluções, quando for o caso.

3- De um ano pra cá, tenho observado mudanças significativas. Primeiro, inexistência de qualquer tipo de pressão de auxiliares do governo do PT sobre a pauta de meu trabalho. Ao contrário, já fui contemplado dezenas de vezes com e-mails e telefonemas de secretários agradecendo determinados tópicos publicados no Diário do Pará ou neste blog , com a garantia de apuração dos desvios apontados.
Foi assim nas denúncias que fiz sobre a situação das delegacias de policia abandonadas em cidades do sudeste, no descaso da saúde na área do Lago de Tucuruí, no destempero de brigas políticas de dirigentes de órgãos do Estado no interior, na indicação de que se fazia necessária auditagem de contas de unidades de educação, só para citar alguns casos.

Cláudio Puty, Charles Alcântara, Suely Oliveira, Carlos Guedes (quando ainda era auxiliar de Ana), Ademir Martins, Vera Tavares, assessores da Setran. Quase sempre recebo manifestação desse pessoal registrando a altivez de determinar apuração de supostos desvios apontados neste blog ou na coluna do Diário.
Puty e Alcântara, com mais frequência, estão sempre a monitorar o que ocorre nas entranhas das secretarias, enviando e-mails na solicitação de subsídios sobre temas abordados na coluna ou neste blog. Ou seja, os dois interagem, pensando no conjunto do governo e no direito à informação. Um fato novo, sim.

4- Quanto às críticas de uma minoria de leitores que entenderam as notas divulgadas sexta-feira como tentativa deste colunista em “queimar” Valdir Ganzer, secretário da Setrans, não procede. Basta fazer pesquisa nos arquivos de post e nas edições do jornal para constatar o volume de notas positivas assinadas por mim, divulgando a atuação da Setran na recuperação de algumas rodovias estaduais.

O direito da sociedade à informação, na minha simples visão de profissional interiorano, é sagrado. Se há indícios de que a Setrans montou edital com nítido objetivo de beneficiar uma construtora, engabelando dezenas de outras concorrentes, a população precisa saber disso. Se por acaso, as minhas notas publicadas no Diário do Pará contenham inverdades, o governo do Estado pode perfeitamente desmentí-las ou me acionar juridicamente. Esse é o risco que correm, profissionais trabalhando nos limites restritos de suas consciências.

5- Finalizando, gostaria de relembrar historinha bem conhecida em nosso meio.
Acostumado a conviver de forma promíscua com alguns setores da imprensa, o ex-senador Antonio Carlos Magalhães disseminou expressão segundo a qual há três tipos de jornalistas: os que só querem a notícia; os que só querem dinheiro; os que só querem um emprego.

O jornalista pernambucano Ivanildo Sampaio, em resposta ao velho cacique baiano, não mediu a altura. Segundo ele, “o segredo é não dar emprego para quem quer dinheiro, não dar dinheiro para quem quer notícia, e nem dar notícia para quem quer emprego”.