Sobre todas as coisas, a maioria dos brasileiros ama passionalmente o futebol. Tipo vírus de resistência duplicada invadindo o organismo humano, percorrendo corrente sanguínea até escafeder-se no coração. Paixão aloucada que começa a se construir em pequenas doses e se agiganta empolgada com as campanhas brilhantes do clube escolhido.

As grandes torcidas começaram a ser formadas no rastro de grandes campanhas ao longo dos anos. O Santos, a partir da Era Pelé, é o maior exemplo.

Historicamente, é o clube que mais arregimentou torcedores no menor espaço de tempo contado, multiplicando-se até os dias de hoje como algum agente patogênico contagiando cada vez mais corações.

Aqui, perto de nós, Remo e Paissandu, em mais de um século de futebol, também construíram suas nações de apaixonados para as quais não há isenção em nada que se faça defendendo suas cores.

Entre emoção e razão, o desequilíbrio é totalmente favorável ao primeiro.

A paixão por Remo e Paissandu, sobretudo, realça sentimento de exaltação à brasilidade, por serem times de massa, aqueles que expressam alma brasileira.

O futebol, sem pátria e nem divisão de classe, ao longo dos tempos, destruiu preconceitos, unindo a plebe ignara e o aristocrático.

Para ilustração, tomemos dois exemplos.

No Rio, a massa torcedora atual do Fluminense formou-se em torno do luxo e da arrecadação de seus fidalgos pioneiros no bairro chique das Laranjeiras.

No Pará, poderíamos citar a Tuna, de origem portuguesa, engrandecida em torno de sua majestosa estrutura social que permitia acesso apenas a associados endinheirados responsáveis, muitos anos, pela manutenção segura do time.Verdade que a torcida cruzmaltina não é tão pequena a ponto de caber numa Kombi, como gosta de brincar o cronista tunante, gente fina, Elias Pinto, mas também não procriou a nível de formar uma grande massa.

Paralelamente aos originários da elite, surgiram os clubes da plebe rude, do torcedor desmedido, quase louco, entre eles, o Flamengo -, maior de sempre.

A paixão pelo futebol envolve todos, inclusive, e, principalmente, “homens cultos”. Centenas deles se jogaram de corpo e alma ao trabalho de compor hinos e cânticos gerais, além de crônicas e poesias: Lamartine Babo, Marcos Valle, Wilson Batista, José Lins do Rego, João Saldanha, Ari Barroso, Henfil, Chico Buarque e Nelson Rodrigues -, entre muitos. E isso num tempo em que o futebol era visto com profundo preconceito pela maioria dos intelectuais do país.

Quem preferiu valorizar o futebol, sem subestimá-lo, entre os “cultos”, entendia não ser possível fazer pouco da felicidade do povo. Aqueles que davam de ombro para o esporte, imaginavam essa mesma felicidade inibindo o povo de se educar e de estar de olhos abertos à sua realidade.

Todas essas considerações vêm a propósito do sentimento de querença emoldurando o Águia, em Marabá e parte do Sul do Estado. A cada vitória na Série C do Campeonato Brasileiro, as pessoas das cidades acordam mais alegres, formam grupos de conversa para comentar a última vitória.

De repente, quem sabe, caso o time termine com boa avaliação ou, no melhor dos cenários, classificado para a Série B, esse grupo de jogadores, sob o comando de João Galvão, começa a construir a história de um novo clube de massa, surgindo no longínquo Norte do país.

Do jeito que está indo, é possível, sim.

Como fantasia, esse futebol do Águia misturou-se com a realidade.

E a realidade precisa de fantasia.