Estranhamente, a Justiça Federal, em qualquer de suas instâncias, se recusa a aceitar denúncias formuladas pelo Ministério Público.

Faz um longo tempo que a sociedade não toma conhecimento de condenações da jurisdição federal contra atos praticados pela Vale contra as populações que orbitam os grandes projetos da mineradora.

Nos últimos dias, mais uma prova desse ambiente  meio obscuro entre setores da Justiça e a Vale.

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou recurso contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que suspendeu compensação financeira pela mineradora Vale S/A aos povos indígenas Xikrin e Kayapó, localizados no Pará.

O agravo regimental, assinado pelo subprocurador-geral da República Nicolao Dino, foi encaminhado ao presidente daquela Corte, que havia determinado o bloqueio em conta judicial dos valores arbitrados, enquanto permanecer decisão suspensiva.

Este ano, a única decisão positiva veio do  Tribunal Regional Federal da 1ª Região ao ordenar que a empresa e sua subsidiária Onça Puma Ltda paralisassem atividades de empreendimento naquele município até a implementação de plano de gestão econômico e de medidas preventivas, bem como ao depósito de R$ 1 milhão por mês para cada uma das sete aldeias afetadas, a partir de 10 de agosto, até que sejam cumpridas as obrigações pactuadas.

Origem – Os danos ao meio ambiente e à subsistência física das comunidades foram inicialmente contestados em ação civil pública movida pela procuradora da República no Pará contra a Vale, o Estado do Pará e a Fundação Nacional do Índio (Funai). Juiz federal da Subseção de Redenção/PA antecipou a tutela, obrigando que a Vale realizasse depósitos mensais para os indígenas.

À ação, seguiu-se agravo de instrumento interposto pelo MPF no Tribunal Regional Federal da 1ª Região para suspender as atividades de mineração, o qual foi deferido pelo relator naquela instância. Inconformada, a Vale impetrou mandado de segurança contra ato do relator e obteve liminar favorável.

O caso então chegou ao Superior Tribunal de Justiça por meio de pedido de suspensão de segurança protocolado pelo MPF, sendo o instrumento processual acolhido pela Corte. A Vale e o Estado do Pará apresentaram, na sequência, agravos regimentais contra a decisão. O STJ reformou o entendimento anterior e determinou o bloqueio em conta judicial dos valores arbitrados, sob o argumento de irreversibilidade do pagamento.

Entenda o caso
– Em agosto de 2004, a mineradora Onça Puma conseguiu licença prévia para exploração de ferro e níquel na Serra da Onça e na Serra do Puma, na zona rural dos municípios de Parauapebas, São Félix do Xingu e Ourilândia do Norte, além de áreas sobrepostas à Terra Indígena Xikrin e próximas à Terra Indígena Kayapó, que ficam na região da sub-bacia do rio Caeté.

Em contrapartida, a mineradora se comprometeu a apresentar e executar programas preventivos, mitigadores e compensatórios às comunidades indígenas atingidas. A partir de 2005, a Onça Puma alcançou as licenças de instalação do empreendimento, de operação das atividades de lavra, de beneficiamento de minério e a renovação das atividades de lavra sem, contudo, implementar medidas acordadas para amenizar os impactos etno-ambientais na região.

No recurso, Nicolao Dino sublinhou as graves lesões à saúde humana e ao meio ambiente decorrentes das atividades de mineração. “A poluição dos recursos hídricos é um dado evidenciado em laudos periciais e compõe o quadro fático que embasou a instância regional a determinar paralisação imediata das atividades e alternativa de garantia de subsistência dos membros das aldeias afetadas”, sustentou.

Nicolao Dino também lembrou relatório da Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre a qualidade da água no rio Caeté. O estudo aponta concentração de metais fora dos limites estabelecidos e destaca que, em 2014, houve aumento anormal de casos de malformação de recém-nascidos entre as mulheres do povo Xikrin do Cateté.

“Numa justa e adequada ponderação de valores, o bem vida sobrepõe-se à alegada irreversibilidade da compensação econômica judicialmente determinada, já que em situações tais, estando em jogo a subsistência física, a questão não poderá ser resolvida em perdas e danos. Os danos são irreparáveis, na perspectiva das vidas humanas ameaçadas”, justificou o subprocurador-geral da República.