O tiro de cartucheira disparado contra Luís Gonzaga dentro de seu barco Tchê, em Tucuruí, não só causou um choque nas pessoas parecido com aqueles recebidos pelo telefone, por parentes distantes, que sentem a perda de um ente querido, mas deixou uma sensação de que perdemos mais do que uma pessoa, perdemos um pouco de nossa história. As histórias dos barrancos de Serra Pelada e as falcatruas dos bastidores das empreiteiras que ali fizeram fortuna. Luizão foi morto em seu barco e o noticiário local informou de forma lacônica, em rápidas pinceladas, o perfil de um homem como outro qualquer, que montou um cabaré em Serra Pelada e vivia rodeado por mulheres e garimpeiros. Não. Luís tinha algo que beirava a genialidade e tivemos o privilégio de conhecer essa criatura que aqui quis morar e por obra da porca-miséria, morrer.
Luizão era espirituoso e brincava sempre com a morte, porém dava um tom tão jovial a ela, que sua metáfora pairava no ar e ficávamos pensando: é câncer mesmo, ou é brincadeira? É cirrose mesmo, ou é conversa fiada? Era tudo brincadeira e ele esbaldava saúde do alto de seus 60 anos, apesar do whisky (ele insistia que estava com cirrose hepática, num auto-flagelo de cinema).
Luis teve uma trajetória meio acidentada depois que deixou o Rio Grande do Norte, sua terra que era Natal, e veio bater em Serra Pelada de onde me revelou coisas do arco-do-triunfo-da-velha e que guardei com preciosidade. Uma delas foi sua grande rixa com o major Curió, comandante dos garimpeiros por mais de uma década, de quem revelou-me animosidade mortal. Luis possuía um hotel em Serra e vivia lotado de garimpeiros e afins. Certa feita, o major Curió, trouxe de Brasília um séquito de pessoas da mais alta pompa e obrigou que o dono do hotel desalojasse quem estivesse lá para dar lugar a seus convivas. O caldo entornou. Luis foi o único cabra em Serra Pelada que disse não ao Curió.
Luis, depois que saiu da Serra, fundou o Balneário das Pirâmides, que nós pobres mortais temos a obrigação de agradecer pela coragem empreendedora dentro de um deserto de retraídos. Sua visão de mundo era mística. Amava os cristais, o cabala, a numerologia, a relaxterapia. As pirâmides de Luis representavam sua capacidade mística, mas ao mesmo tempo telúrica de perceber o acontecer das coisas do mundo e interpretá-las como um grande deboche à pequeneza humana; tanto que construiu no terreiro maior da propriedade uma grande pirâmide com latas de cerveja e refrigerante, que em nossa incapacidade de reciclá-las jogávamos pela janela do carro.
Mataram Luis com um tiro de cartucheira e jogaram por terra um pedaço da história de Serra Pelada e de nossa região. Sua idéia em fazer das Pirâmides um local para o refúgio dos casais apaixonados, ou carentes de sexo, que quisessem se esconder dos olhares da cidade, era acrescentada à vontade de trazer a essas plagas outras atividades como a ioga, a caminhada, a sauna e a meditação. Foi, junto a um grupo de amigos, o idealizador da 1ª praia de nudismo do sudeste do Pará. Mas antes de oficializarem o negócio lembrou: “nosso senso moralístico está muito aquém para aceitar tal modernage; os hipócritas vão proibir as filhas de frequentar, mas durante a semana vão estar aqui com suas amantes”, fuzilava. Esse Luis…
No balneário, além da sauna e do aproveitamento da área de babaçu para o camping e pic-nics (na prática, uma mostra do que era desenvolvimento sustentável defendido nas teses e nos simpósios), Luiz teve a feliz idéia de construir uma casa na árvore que nos remetia ( ou nos elevava? ) aos tempos de infância e aquela longínqua necessidade de liberdade. Quem de nós quando criança, com alma pura de passarinho não pensou algum dia em ter uma casa na árvore? Obrigado Luis, por ter construído a casa na árvore.
A sina que tinha por diamantes também era sua característica. Falava em cristais e pedras preciosas como se fosse um caixeiro viajante vindo da Pérsia e sua vontade era arrumar um sócio para dragarem a boca do Tauri, as profundezas da ilha da Bagagem, os cafundós dos Judas. Não arrumou. No garimpo das incertezas encontrou várias pepitas de chumbo que lhe atravessaram o peito.
Morreu Luizão, o nosso amigo das Pirâmides, deixando uma riqueza às múmias da posteridade. (Paulo Atzingen)

Paulinho é irmão do Noé Atzingen, nosso Biólogo Maior construtor da Fundaçao Casa da Cultura. Como Noé, sensível e sempre antenado com os valores regionais, Paulo lembra a morte de importante personagem da tribo.
O poster conheceu Luís. Confabulou com ele em demoradas e proveitosas horas de bate papo.
Como registra Paulo em seu artigo publicado na página de Ademir Braz no Correio do Tocantins, o diferente Luís, “no garimpo das incertezas encontrou várias pepitas de chumbo que lhe atravessaram o peito”.
Mas fez muitos amigos, que hoje sentem sua falta.