Papa Argentino

Após o quinto escrutínio, o mundo conheceu o sucessor de Bento XIV.

Trata-se do argentino  jesuíta Jorge Mario Bergoglio, 76.

Ao ser anunciado, a denominação papal ganhou o nome  de Francisco.

Para  os católicos que sonhavam com a indicação de um Chefe da Igreja Romana antenada com os novos tempos, disposto a encarar a transformação secular da  instituição mais arraigada do mundo, a escolha pode ser frustante.

Francisco  sempre foi um padre ortodoxo conservador.

Ele é contra o aborto, faz restrições à sexualidade, não aprova o uso de anticonceptivos, critica o o casamento entre pessoas do mesmo sexo e  não se tem notícia de que defenda a convocação de um novo Concílio – que vem a ser a discussão de  questões pastorais, doutrinárias, fé e costumes – tão exigido nas últimas décadas para que a Igreja Católica se modernize.

Francisco,  nome adotado pelo novo papa, refere-se a um adorado santo italiano identificado com a paz, a pobreza e um estilo de vida simples.

O cardeal Jorge Bergoglio é o primeiro pontífice da América Latina  e o primeiro a adotar o nome de Francisco, o jovem rico de Assis que renunciou à sua vida de luxo e fundou a Ordem Franciscana dos Frades em 1290.

Apesar de demonstrar profunda convicção conservadora,  Bergoglio  até então foi um jesuíta intelectual que modernizou a conservadora Igreja Católica argentina.

Conhecido até esta quarta-feira como Jorge Bergoglio, de 76 anos, Francisco é citado como um homem humilde que negou a si mesmo os luxos que foram antes desfrutados por outros cardeais em Buenos Aires. Há informações de que no último conclave, em 2005, ele ficou em segundo lugar em várias rodadas de votação antes de desistir de concorrer na disputa que elegeu  Bento 16.

Bergoglio frequentemente pegou o ônibus para ir ao trabalho, cozinhou suas próprias refeições e visitou regularmente as favelas que cercam a capital argentina, Buenos Aires. Ele considera que o alcance social, em vez de batalhas doutrinais, é a questão essencial da Igreja.

Ele acusou colegas da Igreja de hipocrisia e de esquecer que Jesus Cristo banhou leprosos e alimentou-se juntamente com prostitutas. “Jesus nos ensina de outra forma: Saiam. Saiam e compartilhem seu testemunho, saiam e interajam com seus irmãos, saiam e peçam: Tornem-se o mundo em corpo assim como em espírito”, ele disse a padres argentinos no ano passado.

O legado de Bergoglio como cardeal inclui seus esforços para reparar a reputação de uma Igreja que perdeu milhares de fiéis ao fracassar em desafiar abertamente a sangrenta ditadura da Argentina (1976-83).

Ele também trabalhou para recuperar a influência política tradicional da Igreja na sociedade, mas suas claras críticas à presidente Cristina Kirchner não a impediram de impor medidas socialmente liberais que são um anátema para a Igreja, do casamento gay e adoção por homossexuais ao contraceptivos gratuitos para todos.

“Em nossa região eclesiática, há padres que não batizam as crianças de mães solteiras porque não foram concebidas na santidade do casamento”, disse aos padres. “Essas são as hipocrisias de nosso tempo. Aqueles que clericalizam a Igreja. Aqueles que separam as pessoas de Deus da salvação.”

O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, agora papa Francisco, passa por vários questionamentos em seu país por frases polêmicas em relação a temas políticos e é acusado de envolvimento com a última ditadura militar (1976-1983).

Quando era arcebispo de Buenos Aires, em 2002, o novo pontífice disse que os argentinos deveriam parar de “rezar” para o FMI(Fundo Monetário Internacional) porque isso não ajuda o país a se recuperar de sua maior crise da história.

Na época, ele considerou que o pedido de ajuda não resolveria os problemas do país, que tentava um acordo com o fundo, nunca alcançado. “Não vamos a lugar nenhum [com a ajuda externa], simplesmente nos endividaríamos ainda mais”, disse.

Dias antes, na cerimônia da Revolução de Maio, Bergoglio disse que a Argentina estava “à beira da dissolução nacional”. Na ocasião, ele não se importou com a presença do então presidente Eduardo Duhalde e afirmou que a classe política deveria ser um pouco menos “egoísta”.

Ditadura

Em 2005, o jornalista Horacio Verbitsky acusou o então arcebispo de ter contribuído para a detenção, em 1976, pelas Forças Armadas, de dois sacerdotes que trabalhavam sob seu comando na Companhia de Jesus, Francisco Jalics e Orlando Yorio. A história foi registrada no livro “El Silencio”.

A acusação não é inédita. Rumores sobre uma suposta colaboração de Bergoglio com a ditadura já haviam sido ventilados na Argentina por críticos do perfil conservador do cardeal. É a primeira vez, no entanto, que se publicava um registro oficial da atuação de Bergoglio no episódio.

Verbitsky obteve nos arquivos do Ministério das Relações Exteriores e Culto da Argentina um documento de 1979 em que o então diretor de Culto Católico do órgão, Anselmo Orcoyen, afirma ter sido informado por Bergoglio das “suspeitas de contato com guerrilheiros” e dos “conflitos de obediência” envolvendo o sacerdote de origem húngara Jalics.

Bergoglio teria feito esses comentários oralmente ao entregar por escrito um pedido para renovação do passaporte argentino de Jalics, que, assim como Yorio, foi libertado em 1976. O pedido de renovação do passaporte foi negado com base nos antecedentes do religioso informados verbalmente. Verbitsky narrou esses fatos num capítulo do livro chamado de “As Duas Faces do Cardeal”. Bergoglio aceitou falar com o escritor durante a preparação do livro. O cardeal negou que tenha colaborado com a ditadura e disse que, ao contrário, agira para tentar salvar os sacerdotes enquanto estavam presos na Esma, a Escola de Mecânica da Armada, local de extermínio do regime militar.