Matéria publicada no portal DOL:

—————

O Remo e a hipótese Galvão

É curioso que sempre que o Remo se vê em apuros, no mato sem cachorro e buscando arrumar a balbúrdia interna, um nome é lembrado de imediato: João Galvão, técnico do Águia. Como a confirmar essa tese, os dirigentes azulinos voltam a analisar seriamente a possibilidade de convidar o treinador para comandar o Leão no Campeonato Paraense 2015, que volta a ser a competição prioritária na agenda do clube.

Ex-jogador aplicado, com discreta passagem pelo próprio Remo na década de 80, Galvão emergiu para o cenário do futebol regional como gerente e técnico do Águia, associando seu nome à evolução do time marabaense de emergente interiorano a representante paraense em competições nacionais.

Falta a Galvão um título para lustrar a bela carreira como construtor do time do Águia, mas ninguém lhe nega os méritos pelo trabalho desenvolvido em Marabá. Ainda mais depois que reassumiu o elenco em meio a uma queda livre na Série C deste ano e conseguiu salvar a temporada.

Pertence a Galvão a performance mais vitoriosa na reta final da fase classificatória. Invicto nas últimas seis rodadas, amealhou 12 pontos, exatamente a quantidade necessária para safar o Águia de um rebaixamento que parecia inevitável.

Não foi pouca coisa. Dos times que estavam na parte descendente da tábua de classificação, o Águia parecia o menos predestinado a escapar da queda, pois fazia uma campanha errática, com maus resultados tanto em casa quanto como visitante.

Foi Galvão retomar o bastão para que as coisas mudassem. Como num passe de mágica, ele bancou uma escalação que deu ao time consistência e objetividade. Melhor ainda: adicionou doses cavalares de motivação, dando ao elenco a autoconfiança que foi sufocada sob o comando de Dario Pereyra e Éverton Goiano.  

Jogadores que vinham tropeçando nas próprias pernas, como Aleílson e Danilo Galvão, de repente reencontraram o melhor futebol e tornaram-se decisivos para a recuperação do Águia. Diego Palhinha, até então peça quase nula, tornou-se o artífice das jogadas criativas, bem auxiliado por Luís Fernando e Esdras.

Com essas credenciais, Galvão deveria mesmo ser um técnico cobiçado no nosso futebol. Só que as coisas não funcionam assim. O normal é que treinadores regionais sejam vistos com desconfiança e pouco caso. Tem sido assim com Charles Guerreiro, Lecheva, Fran Costa, Sinomar Naves, para ficar apenas nos mais vitoriosos.

Não há dúvida que é interessante a hipótese de ver Galvão como técnico do Remo, mas a dura realidade indica que isso é quase inviável. O maior dos obstáculos está na própria capacidade de tolerância do torcedor azulino, um dos mais impacientes com treinadores nativos. Aceitou a retranca de Flávio Araújo e as invencionices de Roberto Fernandes, mas foi extremamente hostil com Sinomar e Charles, para ficar numa comparação recente.

O outro impasse é de natureza hierárquica e administrativa. Galvão desfruta no Águia de autonomia para contratar jogadores – reconhecidamente um de seus maiores talentos. Na condição de gerente de futebol, que acumula com o papel de técnico, não precisa ficar submetido aos caprichos da cartolagem.

No Remo, a conversa é diferente. A quantidade de cardeais, corneteiros e patrulheiros em geral desafia o bom senso e contribui para atravancar as coisas. De estilo franco e direto, Galvão dificilmente se enquadraria numa estrutura tão viciada e sujeita a turbulências políticas.