Reproduzido do Diário do Pará:

 

No início de 2008, quando começaram a se tornar perceptíveis no Brasil os primeiros sintomas da crise deflagrada meses antes nos Estados Unidos, a cidade de Marabá mantinha em operação, no seu parque industrial, nada menos que 11 plantas de ferro gusa. Além do efeito germinativo que essa atividade desempenhava na economia do município e em toda a região do entorno, Marabá convivia ainda com a perspectiva de receber outros dois empreendimentos de porte – uma grande indústria de aço a conclusão, afinal, das quase lendárias eclusas de Tucuruí, no rio Tocantins.

 

Naquele mesmo ano, com o aval do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi firmado um termo de compromisso em que se definiam responsabilidades por parte do Governo Federal, do Governo do Estado, da prefeitura municipal de Marabá e da mineradora Vale com vistas à implantação, em Marabá, da siderúrgica Alpa – Aços Laminados do Pará. A Alpa, que seria constituída pela Vale em parceria com investidores estrangeiros, mobilizaria em sua implantação investimentos da ordem de US$ 5 bilhões e deveria produzir, por ano, 2,5 milhões de toneladas de placas de aço.

 

Com a siderúrgica, estaria criada a condição necessária para o surgimento de um grande polo metal mecânico num eixo que, tendo como polo a cidade de Marabá, se estenderia por onze municípios do sul e sudeste do Pará. Essa possibilidade ganhou ares ainda mais risonhos poucos meses depois, quando a Vale acenou com intenção de implantar também em Marabá, em parceria com o grupo empresarial cearense que já opera naquela cidade a Sinobras, uma terceira siderúrgica – a Aline, que passaria a trabalhar na transformação do aço produzido pela Alpa para atendimento da demanda do mercado interno.

 

O cenário era, pois, animador para o município de Marabá a região. A frustração, porém, não demoraria. Dos quatro atores que firmaram o termo de compromisso, apenas a Vale e a prefeitura de Marabá se dispuseram a cumprir o prometido. O município investiu na consolidação do distrito industrial, onde deveriam ser instaladas as novas indústrias. A Vale chegou a concluir os serviços de terraplenagem da área, avançou na implantação da infraestrutura e iniciou a construção do porto, totalizando investimentos superiores a 300 milhões de dólares. Dinheiro quase jogado fora, como se sabe hoje.

 

O Governo do Estado praticamente não se mexeu. O pior papel, porém, coube mesmo ao Governo Federal, que havia assumido o compromisso de implantar a hidrovia do Tocantins de Marabá até o porto de Barcarena. As eclusas, depois de uma espera de quase três décadas, foi entregue pelo presidente Lula às vésperas de deixar o cargo, em 2010. Apesar do seu alto custo, porém – cerca de R$ 1,6 bilhão –, a obra permanece inútil, porque o governo não autorizou (e pelo que se vê não pretende autorizar) a execução de outro projeto que era (e é) igualmente indispensável: o derrocamento do Pedral do Lourenço, num trecho de 43 km entre Marabá e Tucuruí.

 

Essa combinação de fatores adversos, em ocorrências sequenciais e quase simultâneas, teve um efeito desastroso para as pretensões de Marabá. Sem o derrocamento do Pedral do Lourenço, frustrou-se primeiro o projeto da hidrovia. A implantação da Alpa, que só seria viável com a abertura do modal hidroviário, foi abortada em seguida – e com ela também o projeto da Aline. Desfez-se ali o sonho do polo metal mecânico.

 

Enquanto esses acontecimentos se encadeavam, conspirando contra os interesses de Marabá, outra tormenta se formava, como desdobramento da crise internacional, e se abatia sobre o município com efeito devastador. O desaquecimento da economia em escala planetária, a perda de clientes e o desabamento de preços no mercado internacional acabaram por levar à bancarrota o parque industrial de ferro gusa do município. Marabá se via, repentinamente, colhido numa teia de adversidades.

 

Crise acabou com cerca de oito mil empregos

 

O secretário municipal de Indústria, Comércio, Mineração, Ciência e Tecnologia (Sicom), Ítalo Ipojucan Araújo Costa, ex-presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae no Pará, lamenta pelos obstáculos que se têm anteposto ao município, mas está convencido de que o pior já passou. Para ele, a implantação de grandes siderúrgicas em Marabá e o nascimento de um polo metal mecânico naquela região é apenas uma questão de tempo. Ou seja, se não for possível implantá-los agora, tais empreendimentos inevitavelmente surgirão no futuro.

 

Ítalo Ipojucan, que já presidiu também a Associação Comercial e Industrial de Marabá, usa uma expressão forte ao falar sobre a derrocada do parque industrial de gusa. O que aconteceu em 2008, diz ele, chegou a ser agressivo para o município, que mantinha em operação plena no seu parque industrial 11 siderúrgicas. Essas empresas geravam cerca de 8 a 10 mil empregos diretos e em torno de 40 a 50 mil postos de trabalho na região do entorno pelo efeito multiplicador da cadeia, em insumos e serviços.

 

Quando a economia começou a reagir e entrou em processo de recuperação, no Brasil e no exterior, incluindo históricos parceiros comerciais do país e alguns importantes clientes do ferro gusa produzido no Pará, pensou-se que a atividade voltaria ao ritmo antigo. Mais uma vez a expectativa não se confirmou. Embora os demais segmentos da economia tenham de fato reagido, o mesmo não aconteceu com o mercado de gusa. O setor guseiro do Pará , concentrado no município de Marabá, perdeu abruptamente cerca de 70 a 80% de sua capacidade.

 

Só no setor industrial, sem contar os postos de trabalho gerados indiretamente pela cadeia, foram perdidos entre sete e oito mil empregos. Parte dessa mão de obra, precisamente os profissionais mais qualificados, foi atraída pelo parque industrial do Maranhão e outra parte migrou para o projeto da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu. Os demais tiveram que buscar alternativas, optando pelo trabalho informal e, em muitos casos, pelo comércio ambulante. Enquanto isso, o desemprego só fazia crescer, engrossado pelas levas de trabalhadores que haviam chegado a Marabá atraídos pelas oportunidades – afinal frustradas – de trabalho que seriam geradas pela Alpa e demais empreendimentos da cadeia siderúrgica.

 

Líderes apostam fichas na siderúrgica

 

Ítalo Ipojucan e o seu sucessor na Associação Comercial e Industrial de Marabá (Acim), Gilberto Leite, têm opiniões convergentes sobre o papel estratégico desempenhado pela Sinobras na mitigação da crise que devastou o mercado siderúrgico marabaense. E não só isso. Enquanto esperam por uma incerta retomada do projeto da grande siderúrgica, os dirigentes empresariais do município, as suas lideranças políticas e os formadores locais de opinião vão apostando suas fichas na “pequena” – mas nem tanto – indústria siderúrgica, que já é hoje uma referência na região.

 

E não é para menos. A Sinobras, que conservou inalterado o seu quadro de pessoal mesmo no pior momento da crise, mantém hoje cerca de 1.700 empregos diretos para uma produção anual de 360 mil toneladas de aço. Ao mesmo tempo, ela dá início a um arrojado plano de expansão. Com obras civis já iniciadas e na dependência apenas da solução de problemas na oferta de energia, deverá mais que duplicar a sua produção, passando das atuais 360 mil para 800 mil toneladas/ano de aço.

 

De acordo com Gilberto Leite, o parque guseiro de Marabá, que já chegou a empregar mais de 8 mil trabalhadores, está hoje limitado a 716 empregos, distribuídos entre a Sidepar (450 trabalhadores), a Ibérica (230) e a Fermar (36). Essas empresas, e mais a Sinobras na siderurgia, foram as que salvaram da devastação do mercado de trabalho da cadeia mineral em Marabá. O presidente da Acim se mostra confiante, porém, de que pelo menos outras quatro empresas poderão retomar suas atividades. Para isso, estão sendo mantidos entendimentos com a Vale objetivando o fornecimento de minério em condições tais que lhes assegurem competitividade.