Revista Exame publica extensa matéria sobre o volume de investimentos deslocados para a Região Norte do país, enfocando cidades do Sudeste do Pará – Marabá e Parauapebas, incluídas.

Mas em nenhum lugar do Norte a transformação provocada pelas grandes obras é tão evidente quanto no sudeste do Pará. Localizada a 700 quilômetros de distância da capital Belém, a região viveu um período de euforia com a exploração de ouro na mina de Serra Pelada, nos anos 80, época em que centenas de garimpeiros ficavam ricos da noite para o dia – e, depois, pobres do dia para a noite. Com a região, ocorreu algo parecido. Logo após o declínio de Serra Pelada, o sudeste paraense foi palco de constantes conflitos entre fazendeiros e trabalhadores sem terra, resultando em episódios como o massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996. A esperança de crescimento – e, quem sabe, futuro desenvolvimento – para a região está hoje depositada em grandes obras de infraestrutura. A cidade de Marabá, por exemplo, deve dobrar de tamanho até 2015, chegando a 500 000 habitantes. A 100 quilômetros de distância, Parauapebas, com 150 000 habitantes, projeta uma expansão parecida. Tudo graças aos investimentos maciços da Vale e de outras companhias na exploração de minérios e na construção de siderúrgicas e estradas de ferro. Em Parauapebas, nos grandes terrenos onde até pouco tempo atrás havia criação de gado, hoje surgem condomínios residenciais, concessionárias de veículos, e até um shopping center, projetado pelo grupo paulista Urbia. Previsto para ser inaugurado em março, o shopping vai ter as primeiras salas de cinemas do interior do Pará. Hoje, a única estrutura mais parecida a um cinema por ali é um auditório localizado dentro da unidade da Vale, no alto da serra de Carajás, distante 20 quilômetros do centro de Parauapebas.

O crescimento das cidades da Região Norte tem uma característica singular. Isoladas em meio à floresta, acossadas por chuvas torrenciais e castigadas por um calor infernal, elas sempre intimidaram os grandes grupos do país. Grandes redes de varejo, como o Pão de Açúcar, chegaram a tentar atuar na região, mas desistiram ao perceber que os custos envolvidos na logística do negócio não compensavam os investimentos. “Quem lidera a expansão do consumo no Norte são basicamente grupos locais, que conhecem os consumidores, e se adaptam melhor às adversidades”, diz Adriano Pitoli, sócio da consultoria Tendências. O maior varejista do Norte é o grupo paraense Yamada, fundado em Belém em 1957, um dos raros casos de empreendedorismo local que ganhou peso na região. Até hoje nas mãos da família – apesar de inúmeras propostas de fusão e aquisição -, o Yamada fatura 1,3 bilhão de reais ao ano com 33 lojas na região metropolitana de Belém, que vendem de frutas a motocicletas. Nos últimos dois anos, o grupo iniciou sua expansão para o interior do estado. A unidade aberta em 2009 no município de Castanhal, por exemplo, tem três salas de cinema. Todas as lojas oferecem ainda pratos locais, como açaí e maniçoba, uma espécie de feijoada paraense, feita com carnes defumadas e folhas de mandioca cozidas. “É a diversidade e o apego aos hábitos locais que fazem nossos consumidores fiéis defensores da rede”, diz Bernardo Yamada, diretor financeiro do grupo e bisneto do fundador, o imigrante japonês Yoshio Yamada.

Pioneiros

Assim como os Yamada, boa parte dos líderes de mercado na região não são empresários genuinamente locais, mas sim pioneiros, que decidiram desbravar a região quando o Norte não passava de uma imensa mancha verde no mapa do Brasil. A história do mato-grossense Erivelto Gasques, presidente do grupo City Lar, maior varejista de móveis e eletrônicos do Norte, é um exemplo. Fundada por seu pai em 1979 na cidade de Mirassol d’Oeste, no Mato Grosso, a City Lar abriu sua primeira loja na Região Norte em Manaus, em 1996, fugindo da concorrência das grandes redes nacionais, que começavam a se instalar em Mato Grosso e na vizinha Goiás. Hoje opera 96 unidades no Amazonas, em Rondônia, no Pará, no Acre e em Roraima. (Há cinco meses, a City Lar, dona de um total de 200 lojas, foi adquirida pela Máquina de Vendas, empresa resultante da fusão das redes Insinuante, da Bahia, e Ricardo Eletro, de Minas Gerais.) Para ganhar espaço na região, Gasques desenvolveu ao longo dos anos alguns macetes. Nada de TV de plasma na vitrine, por exemplo. “Afugenta a clientela”, diz. O que atrai os consumidores do Norte, segundo ele, são tanquinhos e televisores de tubo, vendidos em até 24 prestações.

Fazer negócios na Região Norte, porém, exige mais do que a adaptação da linguagem e do portfólio aos consumidores locais. Para não sucumbir à falta de infraestrutura é preciso contar com doses extras de planejamento e com uma estrutura de custos peculiar. A City Lar, por exemplo, está construindo novos centros de distribuição em Manaus, em Porto Velho e em Boa Vista. Além disso, trabalha com estoques de até 90 dias – o dobro da média nacional para seu setor. “Se não tomar esses cuidados, posso ficar sem produtos nas lojas”, diz Gasques. Além disso, as longas distâncias dos principais centros aumentam os custos com o frete. A Honda investiu 90 milhões de reais no último ano para fazer de sua unidade de Manaus a maior fábrica de motocicletas do grupo no mundo. Todos os dias, 7 000 motos deixam a unidade em direção aos principais mercados consumidores. Para chegar ao Sudeste, os produtos viajam cinco dias de barco até Belém e, depois, mais dez de caminhão em estradas esburacadas. Exportar para países vizinhos, como Peru e Colômbia, exige viagens de até 8 000 quilômetros, passando pelo canal do Panamá. “Gastamos 200 dólares para transportar cada motocicleta, duas vezes acima de nossa média global”, diz Issao Mizoguchi, vice-presidente da Honda para a América Latina.

As chuvas diluvianas que caem na região obrigatoriamente têm de ser contempladas nos planos de negócios. Entre novembro e março chove tanto que fica impossível fazer qualquer trabalho ao ar livre. A construtora Direcional, por exemplo, inclui um atraso de pelo menos três meses no cronograma de cada empreendimento – o que encarece a obra em 20%. Em 2009, a francesa Alstom e a paulista Bardella quase desistiram de construir uma fábrica de comportas e pontes rolantes para abastecer usinas hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia, por causa das chuvas que inundaram completamente o canteiro de obras. As empresas precisaram improvisar uma gigantesca lona para cobrir uma estrutura de 33 000 metros quadrados – e passaram a trabalhar sob essa cobertura. “Nunca vi tanta água”, diz o paulista Gustavo Almeida, diretor da IMMA, empresa formada pela Alstom e a Bardella a partir de um investimento de 100 milhões de reais e que fabrica 12 000 toneladas de equipamentos por ano.

Num estudo sobre o custo de fazer negócios na região da Amazônia Legal (que inclui os estados do Norte, além de Mato Grosso e Maranhão), obtido com exclusividade por EXAME, a consultoria paulista Macrologística calculou que, com investimento de 14 bilhões de reais em 71 projetos, o Norte resolveria seus principais gargalos de transporte pelos próximos dez anos. O problema é que algumas dessas obras, co mo a BR- 163, que liga Cuiabá a Santarém, começaram a ser feitas nos anos 70 – e nunca foram concluídas. “Sem finalizá-las, vai ficar mais difícil atrair novos negócios para a região”, diz Olivier Girard, sócio da Macrologística. É o tipo de obstáculo que, para garantir um crescimento sustentado, a região terá de deixar de uma vez por todas para trás.

 
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