Reproduzimos matéria de Vinicius Mansur, da Carta Maior, contando as relações promíscuas da revista Veja com o contraventor Carlinhos Cachoeira. Verdadeiros feitos de uma organização criminosa.

——————–

 

Os encontros entre Policarpo, da Veja, e os homens de Cachoeira

 

Levantamento feito a partir de documentos da Operação Monte Carlo indicam que o editor da revista Veja esteve, pelo menos, 10 vezes com o contraventor Cachoeira e membros de sua organização. Em geral, os temas dessas conversas acabaram se transformando em matérias da revista. Operação no Hotel Nahoum, que envolveu tentativa de invasão do quarto de José Dirceu, também foi tema dessas conversas. A reportagem é de Vinicius Mansur.

 

 

Brasília – Um levantamento do inquérito 3430, resultado da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal (PF), indica que o editor da revista Veja em Brasília, Policarpo Júnior, e integrantes da quadrilha do contraventor Carlinhos Cachoeira se encontraram presencialmente, pelo menos, 10 vezes. Só com Cachoeira foram 4 encontros.
O número pode ser maior, uma vez que a reportagem de Carta Maior teve acesso apenas ao apenso 1 do inquérito, com 7 volumes. Entretanto, existem mais dois apensos que, juntos, tem 8 volumes.

O primeiro destes encontros foi marcado para o dia 10 março de 2011. Em ligação telefônica no dia 9 daquele mês, às 22:59, Cachoeira diz ao senador Demóstenes Torres (então do DEM, hoje sem partido):

“É o seguinte: eu vou lá no Policarpo amanhã, que ele me ligou de novo, aí na hora que eu chegar eu te procuro.” 

No dia 27 de abril, Cachoeira anunciou outro encontro com o jornalista. Em uma ligação interceptada às 07:22, o inquérito da PF relata: “Carlinhos diz que vai almoçar com a prefeita de Valparaíso e com Policarpo da revista Veja”. Às 09:02, o contraventor avisa a Demóstenes de novo almoço com Policarpo, desta vez acompanhados da prefeita de Valparaíso (GO). “Eu vou almoçar com o Policarpo aí. Se terminar o almoço e você estiver lá no apartamento eu passo lá”, disse Cachoeira ao senador, que respondeu: “Ok… o Policarpo me ligou, tava procurando um trem aí. Queria que eu olhasse pra ele algumas coisas. Pediu até pra eu ligar para ele mais tarde, não quis falar pelo telefone”.

Nesta mesma conversa, Demóstenes pediu conselhos a Cachoeira sobre sua mudança de partido. Cachoeira afirmou que “esse DEM já naufragou” e disse “tem que ir pro PMDB, até pra virar do STF né?”

O terceiro encontro: o alvo é Zé Dirceu, não a Delta

A partir do dia 7 de maio de 2011, aparecem conversas da quadrilha de Cachoeira sobre a reportagem “O segredo do sucesso”, assinada por Hugo Marques e publicada pela revista Veja na edição 2216, daquele mesmo fim de semana. A matéria relaciona o crescimento da empresa Delta com os serviços de consultoria de José Dirceu.

Em ligação do dia 8 de maio, às 19:58, Cachoeira diz ao diretor da construtora Delta no Centro-Oeste, Cláudio Abreu, que Demóstenes vai trabalhar nos bastidores do Senado para abafar a reportagem.

No dia 9, às 23:07, Cláudio pergunta ao bicheiro se ele irá “no almoço com aquele Policarpo” no dia seguinte. Cachoeira responde: “Ah o Policarpo eu encontro com ele em vinte minutos lá no prédio, é rapidinho”.

No dia 10, às 14:43, Cachoeira relata a Cláudio a conversa que teve com Policarpo sobre a reportagem. A conversa, entretanto, não é detalhada pelo inquérito da PF ao qual a reportagem de Carta Maior teve acesso.

No dia 11, às 09:59, Idalberto Matias de Araujo, o Dadá, tido pela PF como braço de direito de Cachoeira, conta ao bicheiro que conversou com repórter da Veja, Hugo Marques, que lhe revelou que o alvo de sua reportagem era “Zé Dirceu e não a Delta”.

O quarto encontro foi com Cláudio Abreu. No dia 29 de junho de 2011, às 19:43, Cláudio disse a Cachoeira que esteve com Policarpo e passou informações sobre licitação da BR 280. As informações foram parar na reportagem “O mensalão do PR”, publicada na edição 2224 da revista Veja e que deu origem as demissões no Ministério dos Transportes.
No dia 7 de julho, às 09:12, Cláudio conta a Cachoeira que “o JR quer falar” com ele. Cláudio: “…to tomando um café aqui, eu, Heraldo e o Dadá, esperando ele.”

Cachoeira: “Que que é JR?”
Cláudio: “PJ, né amigo.”
Cachoeira: “PJ?”
Cláudio: “Pole.”
Cachoeira: “O que?”.
Cláudio: “Engraçado lá, Carlinhos. Policarpo, porra.”

No dia 26 de julho de 2011, Policarpo perguntou a Cachoeira, em telefonema às 19:07, como fazer para levantar umas ligações entre o deputado Jovair Arantes (PTB-GO) e “gente da Conab”. Seis dias antes, a Veja publicou a reportagem “Quiproquó no PMDB”, denunciando o então diretor da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Oscar Jucá Neto, por desvio de dinheiro público. Juca neto pediu demissão um dia depois.

No dia 28, às 17:19, uma ligação interceptada pela PF entre Jairo Martins, o araponga de Cachoeira, e uma pessoa identificada apenas como “Editora Abril” é sucintamente resumida pela palavra “encontro”.

No dia 29, às 20:56, Jairo adianta a um homem chamado Paulo Abreu que a edição de Veja do final de semana “baterá na Conab”, como aconteceu através da reportagem “Dinheiro por fora”. A reportagem traz informações sobre a relação da empresa favorecida pela Conab e o financiamento de campanha de Jovair e de outros políticos de Goiás.

Nos documentos apurados por Carta Maior ainda consta uma ligação telefônica entre Demóstenes e Cachoeira, no dia 18 de agosto de 2011, às 09:34, na qual o senador relata que um repórter da Veja chamado Gustavo está atrás de um “Evangivaldo” e pergunta: “Tem alguma coisa contra esse homem?”. Cachoeira responde: “vou ver aqui e já te falo”. O presidente da Conab na ocasião se chamava Evangevaldo Moreira dos Santos. Ele permaneceu no cargo até 17 de fevereiro deste ano. Em sua carta de demissão, encaminhada à presidente no dia 10, o ex-funcionário disse que “tem sido usado como instrumento de adversários políticos que vislumbram as eleições municipais” em Goiânia.

Invadindo o hotel Nahoum

No dia 2 de agosto de 2011, às 10:46, Jairo Martins, marca encontro por telefone “no Gibão do Parque da Cidade” com “Caneta”, identificado inicialmente pela PF como alguém da Editora Abril. Às 12:04, Jairo informa a Cachoeira que irá almoçar com “Caneta” às “15 pra uma” para tratar “daquela matéria lá (…) que tá pronta”.

Às 14:30, o araponga informa ao bicheiro que “Caneta” quer usar imagens do hotel “pra daqui a duas semanas, que naquele período que ele me pediu, o cara recebeu 25 pessoas lá, sendo que 5 pessoas assim importantíssimas”. Ele também se mostra preocupado e diz que o combinado era não usar as imagens. Cachoeira diz: “Põe ele pra pedir pra mim”.

Às 21:03, Cachoeira revela a identidade de “Caneta”. O contraventor conta a Demóstenes que “o Policarpo vai estourar aí, o Jairo arrumou uma fita pra ele lá do hotel lá, onde o Dirceu, Dirceu, é, recebia o pessoal na época do tombo do Palocci”. Segundo Cachoeira, Policarpo pediu para “por a fita na Veja online”.

No dia 4, às 17:18, Cachoeira fala com Policarpo ao telefone e pede para ele ir encontrar Cláudio Abreu, da Delta, que está esperando. Às 17:31, Cachoeira
diz para Claudio mandar Policarpo soltar nota de Carlos Costa.

Às 17:47, Cláudio pergunta onde a nota deve ser publicada. Cachoeira diz que no “on-line já ta bom”, mas “se for na revista melhor”. Às 18:37, o bicheiro informa ao diretor da Delta que Policarpo “está com um problema sério na revista”, pediu para desmarcar o encontro e receber a nota por email.

No dia 10 de agosto, às 19:11, Cláudio conta ao chefe da quadrilha que estará em Brasília no dia seguinte para falar com “PJ”. Às 19:22, Jairo e Policarpo combinam por telefone um “encontro no churrasquinho”. Às 20:41, Jairo e Cachoeira falam sobre liberação das imagens.

No dia 11, às 08:58, Carlinhos fala a Demóstenes que almoçará com Policarpo. O resumo de uma ligação às 14:09, entre Cachoeira e Cláudio, afirma que “Carlinhos está no Churchill, possivelmente com Policarpo Júnior”. Às 20:05, em conversa com Demóstenes, Cachoeira conta que encontro com Policarpo foi para ele “pedir permissão para o trem lá do Zé”.

No dia 15, às 10:12, Cachoeira orienta Jairo para “matar a conversa com Policarpo”: “nós temos que pedir aquele assunto para ele”, diz. A noite, Jairo e Policarpo marcam encontro. Às 19:04, Policarpo marca encontro com Jairo “em 10 minutos no espetinho”. O resumo de uma ligação entre os dois às 19:26 diz “encontro”.

O resumo de uma ligação às 12:45 do dia 16 descreve: “Carlinhos diz que liberou, que só falta ele liberar. Jairo diz que falta pouca coisa. Acha que hoje ele libera”.

No fim de semana de 27 e 28 de agosto de 2011, a revista Veja deu uma capa com o título “O Poderoso Chefão”, em alusão a influência que o ex-ministro José Dirceu ainda tinha sobre o PT e o governo de Dilma Rousseff. A reportagem trouxe imagens de vários políticos visitando Dirceu dentro do Hotel Naoum, onde ele se hospedava em Brasília, afirmando que Dirceu articulou a queda do então ministro da Casa Civil, Antônio Palloci.

O repórter da Veja, Gustavo Ribeiro, foi acusado de tentar invadir o apartamento de Dirceu. A polícia também investiga como as imagens do circuito interno do hotel foram capturadas. As gravações feitas pela Operação Monte Carlo desvendam parte desta trama.

(Vinicius Mansur – Carta Maior)