O blog reproduz, parte da reportagem levada ao ar pelo Fantástico, neste domingo, sobre as hidrovias brasileiras.

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“Navegar não somente é preciso, mas sobretudo é possível no Brasil, que tem 63 mil quilômetros de rios, lagoas, represas e canais que podem ser usados para a navegação. Só que nem um quarto desses percursos navegáveis é aproveitado.

O meio de transporte mais barato que existe e que permitiu a expansão das fronteiras do Brasil Colonial é hoje considerado um projeto naufragado em descasos e burocracias da república.

Apenas 7% de todas as cargas brasileiras são transportadas por hidrovias. Pelas contas da Confederação Nacional dos Transportes, pelo menos metade dos produtos made in Brazil poderia circular por rios. Mas isso, se tais caminhos estivessem, de fato, abertos.

O Fantástico viajou por 5.700 quilômetros de rios para mostrar o que faz o transporte fluvial brasileiro encalhar.

Norte do Mato Grosso

Norte de Mato Grosso. É onde ficam algumas das maiores e mais produtivas lavouras de soja e milho do planeta. Produzem anualmente 50 milhões de toneladas de grãos.

Riqueza que sai de lá em 1,7 milhão de viagens de caminhão por ano. Média de 4.700 carretas carregadas por dia.

São mais de dois mil quilômetros até os portos do Sudeste e do Sul pela BR-163, para embarcar rumo aos mercados da Europa, Estados Unidos e Ásia.

Rio Teles Pires

Se fosse via Teles Pires, um rio que corre bem no meio das lavouras, os produtos chegariam ao porto de Santarém, de lá para o Oceano Atlântico. Uma economia de mais de quatro mil quilômetros até os mercados externos.

Uma saca de milho na região vale, em média, R$ 9. Para transportar essa saca até o porto de Santos, pela rodovia, o custo do frete chega a R$ 18, o dobro do valor do produto. Se a hidrovia Teles Pires fosse navegável, o frete cairia para menos de R$ 1 por saca. Segundo a Associação dos Produtores da Região, só com combustível, o Brasil economizaria R$ 2 bilhões por ano.

“O transporte hidroviário tem essas características em termos de custo e eficiência energética, e também aspectos relacionados à questão de emissão, ele é imbatível”, explica Bruno Batista, diretor executivo da Confederação Nacional do Transporte.

Os reservatórios de cinco hidrelétricas de médio porte já em construção vão tornar o Teles Pires largo e profundo o suficiente para a navegação ao longo de 850 quilômetros até o Rio Tapajós. Só que faltou planejar a construção das eclusas. Sem elas, as represas se tornarão gigantescos paredões intransponíveis.

Uma falha dessas no projeto original não somente impede a navegação, mas principalmente encarece a obra quando se decide fazê-la depois.

Obra da hidrelétrica em Tucuruí, no Pará.

Foi o que aconteceu em Tucuruí, no Pará. A hidrelétrica ficou pronta na década de 80. Onde também não constava do projeto a construção de eclusas. Resultado: a obra acabou ficando dez vezes mais cara.

O sistema de eclusas da represa de Tucuruí é uma obra faraônica, feita para transpor um degrau de 71 metros de altura entre o nível do rio Tocantins e o do reservatório da usina. Essa obra custou R$ 1,6 bilhão, uma fortuna. E levou três décadas para ser concluída, mas até agora ainda não abriu caminho para o progresso. É que no meio do caminho há pedras.

É um labirinto de 43 quilômetros de rochas entre Marabá, onde começaria a hidrovia, e o lago de Tucuruí. O governo inaugurou as eclusas, mas deixou para trás outro projeto igualmente bilionário: a remoção do Pedral do Lourenço.

As previsões mais otimistas apontam um investimento estimado em R$ 900 milhões para retirar as pedras. As mais pessimistas chegam a R$ 2 bilhões. Enquanto o dinheiro não sai do cofre e os projetos não saem das gavetas, o rio Tocantins, na região do Pedral do Lourenço, só pode ser navegado, no período de seca, por pequenas embarcações como está.

Pelo calendário do Ministério dos Transportes, essas pedras já não deveriam estar mais no local, desde julho de 2011. Mas a obra nem começou. Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, o DNIT, o projeto estava muito caro.

“Você constrói a maior eclusa do mundo, que é Tucuruí, mas não consegue resolver o problema de um pedral que existe logo na sequência. Então, na prática, a eclusa não tem utilidade alguma”, declara explica Bruno Batista, diretor executivo da Confederação Nacional do Transporte.

O orçamento deste ano do Ministério dos Transportes destina apenas R$ 400 milhões para todas as hidrovias. Menos da metade do mínimo necessário só para retirar o pedral.

Mesmo assim, o ministro afirma que as obras estão nos planos do governo.

“É um elefante branco? Não. É um elefante e a gente quer montar depois nesse elefante e transformar depois a hidrovia em uma realidade”, declara César Borges, ministro dos Transportes.

Hidrovias também desafogariam as estradas no transporte de produtos agrícolas.

“Aqui tem capacidade de cada comboio levar em torno de mil caminhões. Então a substituição é muito grande desse transporte rodoviário para esse transporte hidroviário”, diz Rogério Rodrigues, produtor rural.

“O mundo inteiro faz questão de navegar as suas commodities de maneiras mais econômicas e mais viáveis, fazendo canais inclusive. E nós temos a dádiva divina de rios, pequenas obras de adequação, e não fazemos e estamos desperdiçando eficiência”, afirma Carlos Henrique Fávaro, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de MT.

Porto organizado de Porto Velho
Enquanto as pedras bloqueiam o Tocantins, os produtores buscam alternativas. Uma delas seria o rio Madeira. Para isso, bastaria levar as cargas até Porto Velho.

O problema é a situação do porto, que de organizado só tem mesmo o nome na placa.

Dos três guindastes instalados há 30 anos, dois são sucatas.

“Nós ainda transportamos mais de quatro milhões de toneladas só pelo porto de Porto Velho nas condições que vocês estão vendo. Se tivesse um porto à altura nós já estaríamos aí aproximadamente com oito milhões, sete milhões de toneladas”, explica Raimundo Holanda, presidente da Federação Nacional das Empresas de Navegação.

Outro problema para os navegadores do Madeira é o assoreamento. Bancos de areia surgem no caminho das balsas. O pior é quando a dragagem não evita os encalhes.

Erro na dragagem de trecho do rio Madeira

Cada metro cúbico de terra e areia que a draga retira do fundo do rio custa aos cofres públicos R$ 6,50. São mais de R$ 6 milhões gastos este ano. Em um trecho do Madeira, um trabalho inútil. Flagramos a draga operando a mais de 500 metros do canal usado pelas balsas.

“Hoje o canal mesmo definitivo está por aqui”, diz um prático do porto.

O gerente da obra explica que o plano de dragagem é feito em cima de cartas hidrográficas de três anos atrás, quando a obra foi licitada.

“De um ano para o outro o canal muda. O que acontece? A licitação demora já um tempo para sair e ela é baseada em estudos de anos anteriores”, explica Luciano Freitas, oceanógrafo.

“É mais R$ 6 milhões que vai Madeira abaixo”, diz um outro homem.

O diretor do DNIT, Jorge Fraxe, só ficou sabendo do erro na dragagem durante a entrevista em Brasília. Ele prometeu parar o trabalho até que um novo estudo hidrográfico seja feito no Madeira.

“A empresa que vai fazer um trabalho desses, ela tem a obrigação de se situar no terreno. De se situar, porque o rio é um organismo vivo. Se estiver errado de alguma coisa, a própria empresa vai fazer o retrabalho sem cobrar nada”, declara Jorge Fraxe, diretor do DNIT.

 

 

Orgulho dos paulistas: Tietê-Paraná

Orgulho dos paulistas, a Tietê-Paraná, projetada há 70 anos, é a mais antiga e ainda a melhor hidrovia do Brasil. Todas as eclusas já foram construídas junto com as barragens das hidrelétricas.

Graças às escadas, mensalmente cerca de 500 comboios de balsas podem descer e subir o rio Tietê. No total, transportam 1,5 milhão de toneladas de produtos. Fica mais fácil de a gente entender se botarmos os números em cima de rodas: são 1.650 caminhões que deixam de trafegar pelas rodovias paulistas todos os meses.

A soja e o milho produzidos em Goiás e Mato Grosso do Sul, além de outros produtos da região Centro-Oeste, são escoados por uma hidrovia e seguem de trem até o porto de Santos ou deParanaguá, no Paraná.

O problema é que depois de sete décadas, o gargalo ficou pequeno para tanta demanda.
Moderna, só a sala de controle. Estreitas demais para os dias de hoje, as eclusas exigem que a passagem de um degrau para o outro seja feita balsa por balsa. Um comboio de seis embarcações chega a levar quatro horas para transpor uma barragem. A viagem de ponta a ponta na hidrovia de 650 quilômetros, que poderia durar dois dias, chega a levar uma semana.

Isso quando as balsas, que precisam de pelo menos um metro e meio de profundidade, não param em um banco de areia.

Um documento da Marinha mostra que o Tietê chegou a ter dez centímetros em alguns trechos.

Ministro dos Transportes promete resolver

Problemas que o ministro promete resolver para aumentar o transporte de carga pelos rios. “Nós temos um plano estratégico de hidrovias para levar de 25 milhões de toneladas para 120 milhões em um prazo de 11 anos”, afirma César Borges.

Pelas contas do especialista em logística, Renato Casali Pavan, bastaria investir uma pequena parte do orçamento do Ministério dos Transportes nos rios do Brasil.

“Quem tem R$ 193 bilhões para fazer rodovia e ferrovia, gasta R$ 10 bilhões ou R$ 20 bilhões para fazer todas as hidrovias. É um número muito barato fazer hidrovia. Não se tem uma decisão política de fazer hidrovia”, declara Renato Casali Pavan, especialista em logística.

O investimento nas hidrovias ainda é baixo. Os projetos, geralmente têm falhas. Mas, apesar de todos os problemas, o Brasil já tem 17 mil quilômetros de hidrovias que provam a importância da navegação para a economia brasileira.