Escrevo quando a palavra me “captura “, então o texto vai se desenhando, tomando forma, como o embrião e o feto no útero. Escrever é conceber, gestar, e parir o pensamento, a ideia. Não tenho meta de escrita diária, acho isso um pouco mecânico, algumas metas têm efeito contrário, provocam disparos de ansiedade. Tento fugir dessas armadilhas.

 

Declaração é da artista plástico e poetisa Edileuza Coelho de Oliveira, em uma entrevista falando sobre seus hábitos de escrever.

Como anunciado previamente,  textos selecionados da artista serão publicados aqui no blog com o objetivo de deleitar nossos leitores  com a produção de qualidade assinada por Edileuza, uma matogrossense do sul  que atualmente reside em Belem.

Edileuza escreve sobre o dia a dia, ” falando de seu universo, sua contextualização histórica, não tem jeito. Eu escrevo muito sobre reminiscências da minha infância interiorana, os besouros estão “lá”, as flores, o cheiro do mato. Escrevo sobre experiências do cotidiano, como a falta de generosidade observada em uma fila de um caixa eletrônico a um deficiente”, diz.

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Hoje vi um centauro na fila do supermercado. Em seu carrinho só havia duas rosas de plástico.

Chamou-me a atenção ele não ter causado incredubilidade ou fascínio.

Na verdade, ele não despertou nada: o preço de tudo e em todas as prateleiras ofuscou-lhe a presença surreal?

Alguém passou usando uma camiseta do Zenaldo. Três homens coçaram o nariz por cima da máscara. Uma jovem negociou – dez prestações fixas – a compra de um IPhone (usado) com a amiga.

Fiquei observando aquele centauro magnífico por um longo tempo.

Seus olhos pareceram-me tristes.

Mais tristes que as rosas de plástico.

Então compreendi: não era um pico de heroína, LSD ou chá de cogumelo; tampouco era eu dentro de um sonho – é que o Brasil normalizou o surreal.

No Brasil de hoje a gente tem que convencer pobre que ele é pobre. ( Edileuza Coelho de Oliveira)