Paulo Roberto Ferreira (ao fundo, à direita) fala de seu livro no programa "Sem Censura", da TV Cultura, de Belém.
Paulo Roberto Ferreira (ao fundo, à direita) fala de seu livro no programa “Sem Censura”, da TV Cultura, de Belém.

O livro A censura no Pará  , a cada dia,  vai conquistando leitores, não apenas no Estado do Pará, mas em outras unidades da Federação, nem bem foi lançado em Belém.

Paulo Roberto Ferreira, autor da obra, decidiu lançá-la, também, em Marabá.

Solenidade de lançamento e autógrafos será nesta quarta-feira, 25, na Fundação Casa da Cultura de Marabá.

O livo aborda o período da ditadura militar no Estado.

Diversos registros de jornais antigos e depoimentos de jornalistas da época estão reunidos no trabalho, narrando a caminhada da imprensa paraense desde 1964 até a reconquista da democracia, 21 anos depois.

A obra é resultado de um levantamento em cinco jornais que circulavam no Pará antes e logo após o golpe militar. “Eu queria compreender como a mídia tratava a conjuntura que resultou na deposição do presidente João Goulart e desmistificar o discurso da neutralidade da imprensa paraense”. lembra o autor.

Com 40 anos de profissão, jornalista e professor universitário, Ferreira passou por diversos jornais de renome, trabalhou como apresentador e diretor de tevê, comentarista em rádio, funcionário público na Caixa Econômica Federal e até secretário do Estado de Comunicação.

Chegou a perder o emprego na Caixa Econômica por estar envolvido com o grupo de trabalhadores da empresa. Certa vez, ao ser intimado para depor na Polícia Federal, seu chefe recebeu ordens de não o liberar do expediente para isso. “O objetivo era criar um constrangimento para que eu não aparecesse para depor, pois assim a polícia iria me prender. E ao me prender minha ficha ficaria mais suja na empresa. Nunca consegui cargos de confiança dentro da Caixa, pois meu nome era tido como inimigo do regime”, contou.

O blogueiro entrevistou Paulo Roberto, “tirando” algumas coisititas a mais sobre a obra.

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Como surgiu a ideia do livro?

Durante a minha dissertação de mestrado, em 2011, o tema censura apareceu no decorrer da pesquisa. Mas, como não era o foco do estudo, conclui o meu trabalho e voltei aquele tema em 2012.

Quais as fontes utilizadas?

Entrevistas inéditas com mais de 40 pessoas que viveram o período da ditadura militar; pesquisa sobre os jornais da época, na Biblioteca Arthur Viana; depoimentos na Comissão da Verdade do Sindicato dos Jornalistas; e outras fontes bibliográficas.

A censura atingiu somente jornalistas e radialistas?

Não, atingiu as escolas, os produtores culturais ligados ao teatro, a música, o cinema e a literatura. Eu mesmo experimentei um ato de censura quando estudava o ensino médio, no Colégio Estadual Magalhães Barata, no bairro do Telégrafo, em Belém. Eu, o Nélio Palheta e mais outro colega fazíamos um jornal mural. E logo no primeiro número fomos chamados pelo diretor da escola que nos deu um ultimato: ou retirávamos um poema ou o jornal estava proibido de ser afixado no quadro de entrada da escola. O poema era de Chico Buarque de Holanda: “Apesar de você”. O ano, 1971.

Como os censores agiam aqui no Pará?

Geralmente eles enviavam listas de nomes de pessoas e temas que não poderiam ser noticiados. Dom Helder Câmara, o bispo de Olinda e Recife, era um nome maldito. O tema guerrilha do Araguaia foi vetado pelos censores da ditadura, mas muitos agentes também desconheciam o assunto. Um superintendente da Polícia Federal convocou o jornalista Lúcio Flávio Pinto, que integrava a equipe do jornal O Estado de São Paulo, e estava de passagem por Belém, para pedir informações sobre o que era a guerrilha.

A censura chegou a controlar informações na área da saúde?

Sim. Entre 1974 e 1975 houve um surto de meningite no país e o regime militar decidiu tratar a questão como de interesse da segurança nacional. Em Belém, as notícias sobre a doença eram fornecidas, a conta gota, pelo quartel do Exército. O jogador de futebol da Tuna Luso Brasileira, o Oliveira Pipoca, faleceu de meningite mas o instituto Médico Legal protelava o fornecimento do laudo médico à família, por conta do controle exercido pela área militar.

Além do controle sobre a escola, os agentes federais vigiavam as livrarias também?

Exatamente. A Livraria Jinkings é um exemplo disso. Volta e meia os policiais chegavam na loja do livreiro Antônio Jinkings e saiam catando livros nas prateleiras. Uma feira do livro, voltada ao público infanto-juvenil, organizada por três livrarias, foi empastelada por ordem do comandante do 1º Comando Aéreo Regional, em 1980. A feira contava com apoio do MEC mas os soldados da Aeronáutica assustaram pais e estudantes quando chegaram nos estandes, montados na Praça da República, e mandaram todos se retirar do espaço e encaixotar os livros.

É verdade que a ditadura se preocupou até com objetos voadores não identificáveis, os OVNIs?

É verdade. O fenômeno chupa-chupa, que ocorreu na primeira metade dos anos 1970, na região nordeste do Pará, levou a Aeronáutica a criar a “Operação Prato” para investigar  se a tal luz vermelha ou marcas vermelhas na pele de camponeses, tinha alguma coisa a ver com os russos. O final foi surpreendente, o comandante da operação ficou convencido de que era mesmo uma ação de extraterrestres. Mas isso só foi revelado anos depois do fim da ditadura. Na época, o tema foi proibido de ser tratado pela mídia.

Como é que agiam os representantes do regime militar quando não gostavam do tratamento ou da publicação de uma notícia?

Geralmente os jornalistas eram chamados para depoimento na Polícia Federal ou no quartel do Exército ou da Aeronáutica. O livro revela mais exemplos de pessoas que passaram horas dentro de uma unidade militar ou policial. Alguns chegaram a ser enquadrados na Lei de Segurança Nacional. O objetivo era sempre intimidar, impor o medo e, se possível, estimular a autocensura.

O uso de determinadas palavras ou frases incomodava os censores?

Com certeza. Temos o exemplo de um jornalista que publicou um poema inspirado em sua amada, que acabou sendo interpretado como uma suposta mensagem cifrada, destinada a algum grupo de guerrilha. Teve o caso do diretor de uma emissora que foi chamado por um delegado, incomodado com o uso frequente de palavras de “baixo calão”, num programa levado ao ar às 6 horas. Era o programa “Oração da Manhã”, conduzido por um padre norte-americano e a palavra que tanto incomodava era “ventre”, da oração Ave Maria: “do vosso ventre Jesus”.

Qual o objetivo do livro?

Tratar da censura no âmbito regional, já que existe muita publicação sobre o tema no sul e sudeste do país, mas pouca coisa no norte do Brasil. E também contribuir no debate democrático, no momento em que muitos jovens defendem a volta do regime militar, sem conhecer os prejuízos incalculáveis que a ditadura de 1964 produziu à nação brasileira.

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Serviço:

Local lançamento do livro: Casa da Cultura

Dia: 25 de novembro

Horário: a partir das 18 horas