Ghyslaine Cunha, no artigo a seguir, expõe de forma didaticamente simples o passo a passo para a escolha de um bom candidato a prefeito. O artigo da colaboradora elabora preocupações que o cidadão deve ter na hora de escolher o seu representante, driblando os encantos da propaganda bem elaborada, mas nem sempre sincera -, e valorizando a participação popular nos debates comunitários.

Ghyslaine convoca a sociedade a exercitar seu verdadeiro papel de “cidadãos conscientes, protagonistas de nossa história”.

 

 

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Vamos construir um projeto de cidade?

(*) Ghyslaine Cunha

 

 

A Democracia, como valor universal, é mais do que a participação eleitoral em um sistema representativo no qual escolhemos, através do voto direto, nossos governantes e parlamentares. Democracia, segundo o Dicionário Aurélio, é “Governo do povo. / Regime político que se funda na soberania popular, na liberdade eleitoral, na divisão de poderes e no controle da autoridade.”

A democracia, portanto, está diretamente determinada pela capacidade do povo de exercer esse poder, de direito e de fato. O conceito amplo de democracia está umbilicalmente irmanado ao conceito de cidadania, que é, segundo o Aurélio, uma qualidade de cidadão: “membro de um Estado, considerado do ponto de vista de seus deveres para com a pátria e de seus direitos políticos.”

No Brasil, nossa democracia representativa nos permite escolher os chefes do poder executivo nas três esferas: presidente, governadores e prefeitos; e os membros do poder legislativo também nas três esferas: senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores. Ainda não podemos escolher chefes e membros do poder judiciário. Temos uma democracia representativa de dois terços, portanto, considerando nosso sistema de poder constituído em um tripé.

Tomara o foco sobre o poder judiciário, agora remexido em suas entranhas pelo excelente trabalho do CNJ encabeçado pela corajosa Ministra Eliana Calmon, abra caminhos para uma reforma política em nosso país, na qual também possamos vir a exercer nosso direito de escolher os chefes desse poder ainda intocado pelo povo, poder absolutamente fundamental quando se trata de garantir e defender direitos individuais e coletivos em um país de contratos escritos, como é o nosso.

2012 é ano eleitoral. Logo mais estarão diante de nós os candidatos a prefeito e vereadores com suas campanhas mais ou menos ricas e elaboradas. Movimenta-se um mercado poderoso: o da propaganda, e todos atuam para nos convencer, os eleitores, das suas “melhores propostas”. No tabuleiro eleitoral, a eleição é tratada como uma vitrine onde os candidatos se transformam em produtos e o que melhor estiver à mostra vence. Nem sempre.

Desde Collor de Melo (quem pode esquecer aquele arco-íris colorindo o mapa do Brasil, em uma campanha tão linda que mais parecia um filme da Disney?) seguimos aprendendo uma lição valiosa: propaganda pode ser muito bonita, encantadora, sedutora, mas, nem sempre, vende a verdade. É boa pra iludir, mas nos custa muito caro quando escolhemos mentiras. E a propaganda sempre mente? Nem sempre. Então, como saber quando um candidato é um produto falsificado, propaganda enganosa, ou quando é verdadeiro e coeso em suas propostas?

Os melhores conselhos, nesse aspecto, ainda são aqueles que nos dizem: verifiquem as histórias de vida dos candidatos, pesquisem suas vinculações políticas e partidárias, percebam se há coerência entre o que disseram e o que fizeram, entre o que dizem e o que fazem. O passado e o presente são selos de qualidade. E isso é correto, porém, quero propor mais que isso: quero que percebamos o poder que temos antes e durante as campanhas eleitorais, quando os candidatos mostram aquilo que querem nos mostrar, quando nos apresentam o que seus marqueteiros julgam ser mais conveniente para a obtenção do voto, e, normalmente, nós, a grande maioria dos eleitores, adotamos uma postura passiva, apenas consumindo a pauta colocada pela propaganda.

É como um namoro. Há o tempo do encantamento, onde os apaixonados se seduzem, envolvem, conquistam, mas se casarem aí, imediatamente, então os riscos de uma tragédia são grandes. É preciso conhecer, saber mais, aprofundar a convivência para, só então, decidir sobre compartilhar a vida. Agora, atenção: a conquista, a sedução, o encantamento, esses devem ser permanentes, só porque tornam o namoro e a vida mais gostosos.

Os candidatos querem nos conquistar e, ao invés de nos deixarmos “iludir” em um processo que irá decidir os rumos de nossa cidade, pela importância que isso tem em nossas vidas, podemos mudar de posição. Podemos virar esse jogo agora, já nos primeiros meses do ano eleitoral, quando os candidatos que estão “no páreo”, como se diz, começam a ser apontados. Podemos dar visibilidade e força à cidade real, onde queremos viver melhor. Podemos nos aproximar, cada vez mais, de uma democracia direta, ainda que nos limites da nossa democracia representativa.

Em primeiro lugar, podemos pautar as campanhas. Podemos dizer aos candidatos quais temas queremos ver tratados e, de preferência, devemos apontar e cobrar as soluções ou, ao menos, os caminhos para elas.

Em toda cidade há grupos que se organizam por causas mais ou menos específicas: associações de bairros, sindicatos de categorias estaduais ou municipais, grupos culturais ou religiosos, grupos comunitários que reclamam a falta do asfalto, o aumento da violência, do preço da passagem de ônibus, a falta de água potável, de ciclovias, de calçadas, de praças, hospitais, escolas, entre tantas outras demandas legítimas. Essa sociedade organizada pode começar e se reunir para, conjuntamente, pensar desde a rua, o bairro, até a cidade como um todo. Pode começar a propor quais os principais problemas a serem resolvidos pelos futuros prefeitos e vereadores, como ocorreram em diversos municípios que adotaram os chamados “Orçamentos Participativos”, convocados por prefeitos progressistas. Na maioria dos casos, com a mudança de prefeitos, a participação popular foi esvaziada.

E além dos problemas, das demandas, das faltas do passado, a sociedade organizada pode chamar o povo a construir um projeto de cidade com propostas para o futuro, que contenham as marcas e as obras da cidade que se quer, como ocorreu em Belém, no lindo e pedagógico processo denominado “Congresso da Cidade”, quando a prefeitura, na gestão do então prefeito Edmilson Rodrigues, assumiu essa tarefa. Com a mudança de prefeito, o “Congresso da Cidade” foi extinto. Por isso, a convocatória e a decisão de manter a participação popular deve ser do povo; convocada e assumida pelo povo, através das organizações populares.

Em segundo lugar, podemos antecipar as campanhas, não do ponto de vista do calendário oficial, mas do poder político de mobilização da cidade. Podemos começar, desde agora, a criar fóruns participativos por categorias, bairros, setores, onde os futuros prováveis candidatos tenham a oportunidade de escutar e propor, interagindo com a população e percebendo, bem de perto, a realidade da cidade. Nestes fóruns, não os candidatos, como nas campanhas de TV e rádio, mas sim o povo seria o “ator principal”.

Em terceiro e último lugar, podemos dizer o que não queremos nas campanhas: acusações sem provas, ataques mentirosos, baixarias, ilegalidades, passados escondidos. Podemos dizer aos candidatos que, se fizerem isso, perderão pontos na corrida eleitoral.

Os blogs e os perfis e páginas das redes sociais podem ser, naturalmente, grandes instrumentos de mobilização e repercussão desse movimento vivo e permanente que recoloca nossa participação social no centro do processo eleitoral, sobretudo antes e durante as campanhas, sem um objetivo final como, por exemplo, a confecção de uma carta-compromisso que os candidatos apenas assinam e todos nos damos por satisfeitos. Não. Isso pode ser importante, mas ainda é pouco. A carta-compromisso pode estar no meio da estratégia, mas não é o objetivo central do movimento. Vamos assumir uma posição ativa de cidadãos conscientes, protagonistas da nossa história. Isso é o poder do povo, permanente, autônomo e independente dos poderes constituídos e dos partidos políticos. Esse poder crescente fortalece as organizações sociais, inclusive porque as oxigena, reforça as boas lideranças e amplia a possibilidade de surgimento de novas lideranças seladas pela força da participação e decisão popular.

Podemos fazer das campanhas eleitorais mais do que mentiras bem embaladas. Podemos fazer da nossa democracia mais do que um evento no calendário eleitoral. Podemos fazer da nossa participação popular, mais do que uma espera nas filas para um mero aperto de teclas a cada quatro anos. Podemos ser, de fato, cidadãos, soberanos para controlar o poder político e melhorar nossas vidas em nossas cidades. E isso está em nossas mãos juntas. Nas minhas, nas suas, nas mãos de todos juntos, os que desejamos aprender a construir uma cidade mais justa, solidária, digna e feliz para todos. Vamos lá! Agendas nas mãos, quem chama a primeira reunião?

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(*) – Ghyslaine Cunha (como ela mesmo se apresenta) é mãe de Cecília, eterna estudante das ciências sociais e políticas, vegetariana e esotérica, apaixonada por poesia, crônica e boa música, editora do blog http://amoresmeusvidaminha.zip.net . Também presta assessoria política e em planejamento e gestão a associações e sindicatos de trabalhadores, pequenas empresas, mandatos e outras organizações populares.