Escrito a quatro mãos, o artigo abaixo é um alerta de professores da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará à flexibilização das medidas de segurança sanitária definidas pelo Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus, instituído pela prefeitura de Marabá, cujos efeitos negativos à saúde pública foram sentidos uma semana após a recusa do Município ser incluído na lista de lockdown decretado pelo governo do Estado.

 

Doutor em Antropologia,  o professor Jerônimo da Silva e Silva; e a Doutora em Saúde Coletiva, Ana Cristina Viana Campos, ambos da Unifesspa, conscientes de suas responsabilidades como membros do corpo docente da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – não se omitem diante da epidemia de proporções jamais imaginadas, e enviam ao blog o artigo “O Valor da Vida em Tempos de Covid-19” fazendo profundas considerações técnicas, sem mensurar juízo de valor às decisões políticas tomadas a favor da abertura do comércio geral.

 

Na íntegra, publicamos o texto:

 

 

 O VALOR DA VIDA EM TEMPOS DE COVID-19

 

A ameaça da expansão da COVID-19 no sul e sudeste do Pará não apenas gerou insegurança sobre os diversos projetos políticos e econômicos historicamente situados na região, como nos despertou para os impactos da proliferação do vírus em área caracterizada por intenso deslocamento humano em aldeias, comunidades, cidades, acampamentos e assentamentos.

Sinalizamos nesse escrito algumas possibilidades de antecipação ao entabulamento de interesses econômicos em meio à crescente contaminação em Marabá, a defesa de um amplo diálogo com os diversos sujeitos sociais da região e o posicionamento do poder público ante a pressão da COVID-19, que em termos antropológicos se desenha perigosamente como pânico social etiquetado de ressentimento e polarização política.

Diante de uma pandemia de tamanha proporção não podemos vendar nossos olhos à necessidade do estabelecimento de frentes de diálogo entre o Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus e sociedade civil organizada.

A necessária presença do setor empresarial neste Comitê deveria ser compartilhada com representantes dessa ampla sociedade, pois ainda que a composição deste seja de autonomia do poder municipal, existe uma flagrante ausência de voz da diversidade social.

Um exemplo desse imbróglio é a relação entre as medidas do Comitê e o aumento de casos a partir dos acontecimentos escalonados nas últimas semanas: no dia 18 de maio, quando tínhamos em Marabá 326 casos, a Procuradoria-Geral do Estado comunicou que a prefeitura de Marabá solicitara a retirada da lista de cidades que deveriam instaurar o lockdown, o fato ocorreu no mesmo dia em que alguns funcionários e comerciantes, em manifestação, solicitaram ao gestor municipal a “reabertura do comércio”.

Na sequência, dia 25 de maio, quando o Boletim Epidemiológico sinalizou para 664 casos, as autoridades municipais decidiram flexibilizar as atividades comerciais, olvidando o estarrecedor aumento de 100% no número de contaminados em apenas 07 dias!

No dia 9 de junho de 2020, amanhecemos assombrados com a contaminação de 2.091 cidadãos, o que significa o triplo de do número de casos desde a não adesão de Marabá ao lockdown, sem falar na estratosférica subnotificação.

Analisando o número de casos e óbitos em relação às medidas de isolamento, os gráficos abaixo expressam que em Marabá o aumento de contaminados é diretamente proporcional ao enfraquecimento das políticas de isolamento social.

O aumento de ambas as curvas nos gráficos é assustadora e confirma o grau de importância do isolamento social como medida eficaz de enfrentamento da COVID-19 e que expõe a fragilidade das políticas públicas municipais até o momento.

 

Gráfico 1. Acumulado de casos em relação ao índice de isolamento social por COVID-19 em Marabá, PA.

 

Gráfico 2. Acumulado de óbitos em relação ao índice de isolamento social por COVID-19 em Marabá, PA.

 

Ao contrário de que se pensa, longe de propagar o pânico, pensamos que é nosso dever sinalizar que medidas restritivas que se alternam entre o lockdown e o respeito à capacidade de manutenção econômica pode ser a oportunidade para nos desviarmos desse prognóstico.

Para esse fim, sublinhamos que medidas autocráticas ou tomadas isoladamente apenas fragilizam a legitimidade política e dificultam o entendimento sobre a alarmante necessidade do isolamento social, em suas distintas variações.

É fundamental esclarecer que embora muitos não tenham outra escolha que não se expor à COVID-19, há ainda uma grande parcela que está mais interessada no que vai deixar de lucrar do que necessariamente no valor da vida, é importante então definir que não se trata da “vida” como algo genérico, a vida na impessoalidade, e sim a reivindicação de uma ética que seja capaz de colocar a pergunta “quanto vale a Minha vida?” em simetria com o seu complemento: “quanto vale a vida do Outro?”

Almejamos que as decisões de nossos representantes políticos estejam pautadas, não na mórbida expectativa contábil do colapso no sistema de saúde, e sim na assertiva ética de que cada leito vazio significa o infinito valor de nossas vidas.

 

Jerônimo da Silva e Silva – Doutor em Antropologia. Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. E-mail:  jeronimosilva@unifesspa.edu.br

 

 Ana Cristina Viana Campos – Doutora em Saúde Coletiva. Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. E-mail: anacampos@unifesspa.edu.br