Júlio é um conhecido motorista de taxi estacionado no ponto da Doca, com a Tiradentes, próximo à sede da Secretaria Estadual de Planejamento. Ele trabalha apenas à noite, de 19 as seis da matina. Conhece como poucos, os noturnos passos do lado oposto do dia, seus segredos, suas gentes, suas curvas perigosas em cada bairro da linda Belém.

Júlio, gente boa, papo bom, conhece, também como poucos, Walter Bandeira.

No taxi de Júlio, o cantor mais completo que o Pará já produziu – é minha, a avaliação –amava percorrer a noite, atrás de um canto cheio de cantos, buscando, às vezes aflito e desorientado, namorados que lhe viravam as costas. Walter fazia seu tour sem dar  “bandeira”, silencioso, distante do  alarde característico da porralouquice. “Nunca vi o Walter beijando alguém, brigando com alguém, fazia tudo na dele”, relembrava Júlio, tempos desses ao levar o poster de casa, na Rui Barbosa, até o aeroporto. Sempre a ele recorria, quando optava pelo uso de taxi.

Não havia corrida feita pelo nosso taxista preferido,  sem que eu não fizesse a pergunta infalível:

 

     – E o Walter?

Julio dava informações, preocupado com o estado de saúde do amigo, a aflição dos parentes, impotentes para  segurá-lo em casa, o cigarro progressivamente mais intenso na boca, os sintomas de que algo não ia bem com o organismo do artista.

Júlio tem respeito imenso por Walter, cliente-amigo há mais de vinte anos dele, sempre à noite, parando aqui e ali, escarafunchando  nos bares

Quando falava dele, denunciava admiração. E orgulho por tê-lo como amigo, há tanto tempo nas madrugadas. Mas, também, escapava sempre desalentador prognóstico o que estava por vir.

 

          Pior, o Walter não se cuida, não pensa nele…

Júlio às vezes descrevia Walter em sonos profundos e serenos, revoltado em pesadelos. Mas, também, desejando, sonhando, idealizando, sentindo. Provavelmente,  Bandeira tinha na figura do taxista, o porto seguro, a amizade sincera e pronta pro  que der e vier.

Longos caminhos, às vezes estranhos e conhecidos, os ligavam nas andanças noturnas.

 

         – Ih, muitas noites, fico esperando ele dentro do taxi, sem pressa, porque sei da demora que ele precisa pra cantar ou escutar seus cantos, revelou certa vez Júlio.


Por volta de 17 horas desta terça-feira, daqui de Marabá o poster ligou para o celular de Júlio, precisava ouvi-lo antes de escrever qualquer coisa, medir a dor que ele sente. O celular está fora da área.

Mas sempre que se tenta falar de dia com  Júlio, o aparelho está desligado. É o tempo tirado para descanso. O aparelho volta a ser reativado  depois das 19 horas. Pelo menos foi sempre assim.

Ou será, hoje, ele não atendeu por se encontrar, neste momento,  levando seu último abraço ao amigo?