Considerado  um dos maiores estudiosos do câncer no mundo, David Servan-Schreiber, neurologista francês,  é destaque da revista Época da semana, defendendo formas de se proteger da doença através da alimentação.  Nas revelações que faz das recentes pesquisas sobre a enfermidade ainda não domada pela ciência,   recomenda o consumo de alho, cúrcuma e chá verde como instrumentos de prevenção.   Dado o alto nível dos estudos de Servan-Schreiber, o blog reproduz, integralmente, a entrevista que pode ser lida também na edição digital da revista.

 

ÉPOCA – O que podemos fazer para prevenir o câncer? 

David Servan-Schreiber – O peso da alimentação é de 4 em 10 na prevenção do câncer. O do tabaco, 3 em 10 e o dos exercícios, 1,5 ou 2. E esses fatores são cumulativos. Se você seguir todos eles, vai reduzir em 60 a 70% suas chances de ter câncer. Um estudo recente que postei em meu blog (www.anticancerbook.com) mostrou que comer a quantidade suficiente de vegetais reduz em 73% a chance de uma mulher que tem o gene de propensão ao câncer de mama desenvolver a doença. A alimentação também parece ajudar homens que têm um gene que aumenta drasticamente a chance de desenvolver um tipo agressivo de câncer de próstata. Se eles comerem peixe duas vezes por semana, vão ter o mesmo risco que os outros homens. 

ÉPOCA – Qual a melhor dieta para ter esse efeito protetor? 
Servan-Schreiber – Em geral, as dietas tradicionais dos povos, como a mediterrânea e a japonesa. O prato tradicional brasileiro, com arroz, feijão, carne, legume e salada também tem um equilíbrio ideal. A mistura do feijão com o arroz cria o mesmo tipo de proteína da carne. Os vegetais trazem os fitoquímicos que protegem contra o câncer. A proporção de 75 a 80% de vegetais, arroz e feijão para 20 a 25% de carne – especialmente se for branca – é perfeita e é a base da maioria das dietas tradicionais. 

ÉPOCA – Qual a pior dieta? 
Servan-Schreiber – A dieta americana é um perigo porque 65% das calorias vêm de três fontes: açúcar refinado, farinha refinada e óleos vegetais com ômega 6. Nenhuma dessas fontes tem nutrientes ou vitaminas vitais, ômega 3 ou fibras ou fitoterápicos que podem ajudar a prevenir o câncer. E não só isso. Segundo estudos de laboratório e epidemiológicos, são responsáveis por estimular o crescimento do câncer. O outro problema com a dieta ocidental é o alto consumo de carne vermelha que, segundo estudos, é o alimento que, sozinho, tem mais impacto no desenvolvimento da doença. A carne vermelha não tem nenhum elemento anti-câncer e, além disso, tem muito ômega 6 por causa do jeito como alimentamos os animais – hoje eles não comem grama, mas milho e soja. Quando você frita a carne ou grelha, cria compostos chamados de nitrosaminas, substâncias sabidamente cancerígenas. Uma maneira de reduzir a produção dessas substâncias é marinar a carne no processo tradicional, com limão.  

ÉPOCA – Um estudo recente da Universidade Harvard afirmou que não é possível recomendar estes ou aqueles alimentos para prevenir doenças. O senhor concorda? 
Servan-Schreiber – Entendo a razão para esse estudo dizer que não é possível prescrever a melhor dieta, mas não concordo com ele. Ele diz isso porque faltam estudos controlados ou epidemiológicos sobre um tipo específico de alimento, como, por exemplo, os brócolis ou o tomate. E nem teremos. Porque ninguém come uma coisa só. Com a carne é um pouco mais fácil, porque tem gente que a consome duas vezes por dia. Mas não concordo com a conclusão do estudo porque, no laboratório, por exemplo, se você colocar gotas de alho em cima de células de câncer, elas param de crescer. E nós conseguimos testar esse efeito em animais. E também vimos que pessoas que seguem uma dieta mediterrânea rica nesse ingrediente também têm uma chance até 60% menor de desenvolver câncer em um período de 10, 20 anos. Temos que ir com o que sabemos. E sabemos o suficiente. Nós sabemos as substâncias de cada alimento. Sabemos do alho, dos brócolis, do alecrim. Sabemos de seus efeitos em animais e sabemos que populações que consomem mais desses alimentos têm menos câncer. Para mim isso é suficiente para incluir mais disso na dieta. Não é como um estudo farmacêutico, por exemplo, em que você está preocupado em demonstrar que o efeito positivo de uma droga ultrapassa em grande medida o seu risco. Você não precisa disso para recomendar brócolis ou alho. Sinto-me muito seguro e confortável em dizer que o alho tem, sim, uma função. Decidi escrever meu livro porque eu estava cansado de ouvir que não havia base científica para dizer qualquer coisa sobre o assunto. Decidi dividir o meu conhecimento com as outras pessoas. 

ÉPOCA – Quais alimentos o senhor recomenda para prevenir o câncer? 
Servan-Schreiber – Para mim, os três melhores alimentos anticâncer são: cúrcuma, cebola ou alho ou alho-poró e chá verde. Porque as evidências científicas sobre o benefício deles são massivas e porque são facilmente adicionados a qualquer tipo de dieta que você siga. Mas uma dica: a catequina, substância benéfica do chá verde, desaparece depois de uma hora do preparo. Por isso, não adianta tomar a versão industrializada. O ideal é tomar três copos por dia. No caso do alho e da cebola, a regra é seguir a lógica mediterrânea: adicione a tudo o que cozinhar, menos à sobremesa. Para a cúrcuma, a quantidade ideal é de uma colher de chá por dia. 

ÉPOCA – O senhor segue uma dieta rígida? 
Servan-Schreiber – O senso para medir que quantidade devemos comer de cada ingrediente deveria ser baseado no nosso gosto. A dieta mediterrânea, por exemplo, evoluiu durante séculos. E a proporção correta é aquela que é prazerosa, que dá sabor à comida. Não acho que devamos começar a pensar na comida apenas por seus benefícios para a saúde. Se você pensa em termos de sabor, vai perceber que, necessariamente, vai ser melhor para a sua saúde. 

ÉPOCA – É possível ser saudável comendo doce? 
Servan-Schreiber – Se você comer chocolate que é feito 70% de cacau, não há problema. Três quadradinhos por dia não vão fazer mal e podem até fazer algum bem. O problema são o açúcar e a farinha refinados. A minha sugestão é reduzir esses ingredientes a não mais do que duas porções por semana. 

ÉPOCA – Por que o açúcar deve ser evitado? 
Servan-Schreiber – Porque as células do câncer se alimentam dele. Como são defeituosas, elas não têm outra fonte de alimento e só podem ter energia a partir do açúcar. Quando você coloca açúcar no seu corpo, está ajudando as células cancerosas a sobreviver. 

ÉPOCA – Vários estudos mostraram haver uma relação entre obesidade e incidência de câncer. Por quê? 
Servan-Schreiber – Toda vez que você come açúcar, o seu corpo secreta hormônios que estimulam o crescimento das células no corpo. Isso é bom se você é uma criança, que precisa ficar mais alta. Mas, se você é um adulto, as únicas coisas que podem crescer em você são gordura e câncer. Isso é uma das razões pelas quais um dos fatores de risco para o câncer é a obesidade. 

ÉPOCA – O senhor recomenda a adoção do vegetarianismo? 
Servan-Schreiber – Não há dúvidas de que o vegetarianismo é melhor para a saúde. Mas, se você tiver uma dieta bem balanceada, não precisa aderir a ele. Você pode usar a dieta mediterrânea, que tem carne branca e peixe e, ocasionalmente, carne vermelha. Você também não precisa de proteínas animais em todas as refeições. Pode substituí-las por lentilhas, feijão.