Fazia muito tempo o poster não via uma carta, essa nostálgica e poética mídia escrita ainda sobrevivendo em plena Era Digital. No final da tarde de segunda-feira, 19, o homem lia uma com muita dificuldade, auxiliado pelo colega sentado ao lado, debaixo de uma árvore.

Aguardando a chegada de um amigo no alpendre de sua residência rural, enquanto o mesmo vinha de São Domingos do Araguaia, ali perto, o blogger contemplava a cena. Dava pra ver que o destinatário é semi-analfabeto. Rosto cheio de rusgas e uma grossa barba branca por fazer, soletrando as palavras, ele terminou entregando as duas folhas de papel ao colega mais jovem, que se aventurou a decifrar as mal traçadas linhas, também com dificuldades.

Os olhos fundos do senhor fitavam um ponto qualquer, enquanto ouvia, puxando longas tragadas do pau-ronca feito minutos antes.

– … Porque desde quando tu foi embora, só Deus e eu sabe o que nós passa.

Pigarreou, meio sem jeito, antes de dizer:

Só agora ela diz isso, depois do que fez…

Os olhos do rapaz mais novo se fixaram por um instante na face barbada do destinatário da carta, e depois tornaram vagos, para a extensão da rodovia Transamazônica, na tarde que partia, devagar. Um suspiro profundo do colega provocou comoção constrangida ao senhor, depois de ouvir a observação:

– Acho que ela só quer que tu vá lá ver ela e os filhos.

Pegando a carta, o homem de barbas brancas voltou sobre seus passos e se foi, lento e curvado, quase abstrato, em direção ao curral, enquanto, numa árvore na lateral direita da casa, um passarinho emitia um canto cinzento. Sonora solidão.