Ao comentar, um dia, sobre o que lhe representara escrever o livro “Outono do Patriarca”, Gabriel Garcia Marquez foi sucinto: – “O que foi difícil não foi escrevê-lo, mas tirá-lo de cima de mim”.

Garcia pode ter encontrado, sim, essa dificuldade.

Afinal, no seu papel de jornalista e, ao mesmo tempo, escritor, assistiu ao julgamento de um general do regime de Fulgêncio Batista, num estádio sobrelotado na Cuba recém-saída da revolução de Fidel, o que o levou então a perceber que se impunha escrever o mundo de um ditador latino-americano.

Na maravilhosa obra de Gabriel Garcia Marques, o general era filho de uma criadora de pássaros, Bendición Alvarado que, ao vê-lo pela primeira vez de uniforme de cerimônia com as medalhas de ouro e as luvas de cetim que continuou a usar durante o resto da sua vida, exclamou:

“Se eu soubesse que o meu filho vinha a ser Presidente da República tinha-o mandado à escola”.

 

O tirano dizia ter sido concebido pela graça divina , fez-se Messias, aclamado pelo povo e atacado pelo “vício solitário do poder, até o seu próprio compadre serviu ao jantar, o corpo recheado de pinhões e ervas aromáticas. Foi, hipoteticamente, pai de cinco filhos, todos nascidos de sete meses, dono de umas mãos sem mácula de linhas nas palmas, de uns enormes pés chatos e de um descomunal testículo que lhe encheu de dor toda a sua longa vida. E a sua morte, que ocorreu numa idade incerta entre os 107 e os 232 anos foi aplaudida com música, foguetes e sinos anunciando ao mundo “a boa nova de que o tempo incontável da eternidade tinha finalmente acabado“.

Isolado no seu palácio e transformado, com o passar do tempo, num velho e decadente ditador latino-americano, o general torna-se numa síntese da história de um continente submetido durante décadas aos regimes totalitários.

É esse livro que decidi reler, neste final de semana, depois de vê-lo entre tantas centenas de obras da minha biblioteca, silenciosamente resignado num canto da estante de mogno que já completou 26 anos de coexistência pacífica, em nossa casa.

As frases de Garcia magnetizam, expõem a crueldade dos ditadores e de seus ancestrais, numa construção maravilhosa de texto dificilmente equiparada na literatura mundial.

Sugiro aos jovens conhecerem os livros de Gabriel.

Conhecerem um pouco a história dos países latino-americanos vitimados de golpes de Estado, contida em cada página de obras como “Cem anos de Solidão”, “Ninguém escreve ao coronel” e “Outono do Patriarca”.

A leitura é rápida, gostosa, e leve.

Melhor do que perder horas a fio navegando na Internet.