A deputada estadual Maria Victoria (PP) é jovem. Pouco tempo atrás, era uma desconhecida no Paraná, até porque viveu boa parte do tempo fora do país, estudando na Europa. Ninguém pode criticá-la por isso: se a sua família teve condições, dar a ela as melhores oportunidades é quase uma obrigação. Investir em sua educação, idem. Criticá-la por isso seria criticá-la pelos motivos errados.

De volta ao Brasil, Maria Victoria entrou para o PP e se elegeu deputada estadual aos 22 anos. De novo: tudo dentro das regras. Fez campanha, conseguiu votos, entrou para a Assembleia Legislativa. Está em seu direito, que deve ser respeitado. No entanto, é preciso atentar para um detalhe: ela não se elegeu simplesmente por ser quem é, e sim por ser filha de que é.

A deputada é filha de Ricardo Barros, ex-prefeito de Maringá, e de Cida Borghetti, atual vice-governadora do estado. Isso não invalida sua eleição – o sistema político brasileiro permite. Mas mostra como existe na sociedade brasileira (e em quase todas as outras) uma perpetuação da posição social das famílias. Um dado a mais: o avô dela já foi prefeito de Maringá; Como dizia a musiquinha: o de cima sobe e o de baixo desce.

Vem daí o mal-estar causado pela declaração da deputada contra o Bolsa Família. Nesta semana, depois de seu pai, relator-geral do orçamento de 2016 no Congresso, ter optado por cortar R$ 10 bilhões do principal programa de assistência social do governo, a deputada saiu em defesa do pai. Apesar de o governo dizer que isso jogará oito milhões de pessoas na miséria, a deputada apelou para um velho chavão: seria preciso ensinar a pescar ao invés de dar o peixe.

O “peixe” que o governo federal dá são R$ 77 mensais. Segundo a deputada, a maior parte dos beneficiários tem outra fonte de renda, o que mostra que ninguém ficaria na miséria caso ficasse sem o programa. Mas o Bolsa Família é exatamente isso: um programa que complementa a renda de pessoas que, tirado esse dinheiro, ficam abaixo da linha da miséria.

E essa linha é extremamente baixa. Para receber o benefício, é preciso ter renda per capita na família de R$ 77. Ou seja: uma família de cinco pessoas teria de ter renda máxima de R$ 385 para ter acesso ao benefício. É dessas pessoas que se quer cortar ao auxílio. São essas pessoas que a deputada diz que não vão ficar na miséria. Por definição, isso está errado.

Maria Victoria não tem culpa de ter nascido rica. Tem todo o direito de tirar proveito do que sua família tem – todo mundo tem, desde que o dinheiro seja obtido licitamente. Tem direito de representar seus eleitores, de ter sua ideologia. Mas a sociedade também tem todo o direito de ver na declaração dela um descolamento impressionante entre o que pensa a elite econômica (e política) do país e a realidade social.

Se há mau gasto, se há fraudes no Bolsa Família, elas devem ser combatidas. Mas isso precisa ser feito com provas. Precisa ser feito com o mesmo cuidado (ou muito mais!) do que teve Ricardo Barros ao votar contra o prosseguimento do processo contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética. Se para Cunha ser processado (nem estamos falando de condenado) é preciso ter provas, para o pobre perder seus R$ 77  não é necessário nem indícios?

Os R$ 77 do Bolsa Família são menos de 0,4% do salário de um deputado estadual. Maria Victoria tem todo o direito de receber o que recebe, mesmo que isso tenha a ver muito mais com o que a loteria da vida lhe destinou do que com uma ascensão social – ela nunca precisou “subir”, já nasceu no alto. Mas nada justifica a defesa de um corte que afeta quem mais precisa, de quem pela mesma loteria, nasceu no fundo do poço. (Rogério Galindo, na Gazeta do Povo)