LulismoO blog recomenda a leitura do  livro  Os sentidos do Lulismo: Reforma gradual e pacto conservador,  de André Singer,  editado pela  Companhia das Letras.

Certamente, deve ser o primeiro trabalho literário  a explicar na essência da sociologia o fenômeno do Lulismo.

A obra, na explicitação do autor,  decifra os significados do governo Lula do ponto de vista das relações de classes.

Para André Singer, “o lulismo constituiu a ruptura real da articulação anterior (massa rural e burguesia industrial), ao deslocar o subproletariado da burguesia, abrindo possibilidades inéditas a partir dessa novidade histórica”.

Sua visão da relação do governo Lula com a classe dominante privilegia os conflitos entre, de um lado, a “coalizão rentista” (capital “financeiro” nacional e internacional) e, de outro, a “coalizão produtivista” (capital industrial e classe trabalhadora). A descrição da política econômica do governo procura abarcar as linhas principais das disputas de frações no interior do bloco no poder.

O “lulismo” é aproximado ao fenômeno clássico do bonapartismo, sendo este último interpretado como a presença de uma liderança arbitral e personalista sobre as classes fundamentais a partir do Estado, com apoio de uma base de massa, e visto o primeiro como próximo do “populismo” no Brasil.

Para Singer, as coisas se passam, em parte, como se o “getulismo”, depois de derrotado pelos militares em 1964, ressurgisse não mais nos grandes centros urbano-industriais, mas agora nas áreas menos desenvolvidas.

O livro mostra como as condições para o programa de combate à pobreza viriam da neutralização do capital por meio de concessões, não do confronto. A manutenção da tríade juros altos, superávits primários, câmbio flutuante faria o papel de acalmar o capital. De outro lado, a simpatia passiva dos trabalhadores, para quem a ativação do mercado interno e a recuperação do mercado de trabalho representavam benefícios reais, garantiu a paz necessária para não haver radicalização. Após o “mensalão” e a emergência do lulismo, sobretudo no segundo mandato, com sustentação social própria formada pelos votos do subproletariado, Lula pôde implantar a fórmula “ordem e mudança” com maior liberdade e resultados melhores.

O projeto de combate à pobreza acabou por se firmar sobre quatro pilares: transferência de renda para os mais pobres, ampliação do crédito, valorização do salário mínimo, tudo isso resultando em aumento do emprego formal. Se discernirmos com isenção, perceberemos que são, de forma atenuada, as mesmas propostas do “reformismo forte”, porém em versão homeopática, diluídas em alta dose de excipiente, para não causar confronto.

O Bolsa Família nada mais é que o primeiro passo do Programa de Garantia de Renda Mínima. O texto de 1994 do PT previa que o programa da renda mínima “poderá ser introduzido gradualmente, de forma compatível com as finanças públicas, das regiões mais pobres para as mais ricas, iniciando-se pelos cidadãos que detêm pátrio poder sobre os menores em idade escolar”. As semelhanças com o Bolsa Família são óbvias.

A obra  deveria ser lida por quem odeia Lula e, claro, pelos seus defensores.

Vale a pena.