Ninguém há na cidade de Marabá, entre os mais antigos, que não conheça perfeitamente o Beco da Igreja, no bairro da Santa Rosa. Sobretudo, ele se fez notável pelas missas, que no inicio das noites eram celebradas, por suas belas festas de Nossa Senhora das Graças, sempre cheio de oferendas, seus fogos de artifícios, e enfim, pelos fervorosos freqüentadores.

Ligando a Marabazinho (atual orla da cidade) à rua Silvino Santis, a principal do bairro, o beco possuía no máximo oito casas, entre elas, uma que passou a ser muito freqüentada a certas horas da noite.

De tarde, quando já o sol não incomodava, e a sombra e o frescor convidavam as mocinhas a chegar à janela, viam-se passar primeira e segunda vez pelo beco, numerosos mancebos, que trajavam com elegância e gosto, e que por seus modos mostravam pertencer ao círculo feliz da cidade.

O trajeto do beco era feito de bicicleta, vespas, lambretas ou em raríssimos carros que haviam em Marabá – entre eles um jeep de meu pai, sempre dirigido, claro, pelo próprio.

Deu isso muito o que pensar aos sossegados habitantes da Silvino Santis, Marabazinho e do próprio beco, até que finalmente um comerciante libanês residente ali perto, chamado Ibrahim, apontando para a casa alvo de curiosidades pela frenética rotatividade de seus freqüentadores, passou a dar dicas, em tom confidencial, com seu sotaque confuso:

‘Causa’ dê safadeza, ‘causa’ dê safadeza.

Também Ibrahim era a pessoa mais capaz de descobrir qualquer mistério. Pelo sim, pelo não, diremos em poucas palavras quem era ele.

Fofoqueiros integrantes da imensa colônia libanesa residente no município, diziam que Ibrahim tinha sido espécie de escrivão na cidade de Tiro, no Mediterrâneo, e havendo perdido seu lugar por motivos que ele a ninguém dizia, mas que o fizeram viver na cadeia durante alguns meses, decidiu mudar-se com a mulher para o Brasil.

Ibrahim vivia de um pequeno comércio na rua Marabazinho, próximo a casa onde eu morava, bem mais abaixo do beco da Igreja, e sua mulher, para ajudá-lo na despesa se casa, fazia um pequeno negócio de bolos e comidas árabes.

Um homem baixo, um pouco gordo e calvo, com os cabelos que lhe restavam já meio grisalhos, com olhos pequenos e vivos, tendo sempre no semblante uma alegria fingida, tomando rapé, e trajando constantemente um fraque roxo, abotoado até em cima – era Ibrahim, figura surrealista que nunca saiu de minha cabeça.

O casal vivia na mais estreita união; e tendo pouco ou nada o que cuidar, além do morno movimento do comércio, gastava o tempo em descobrir mistérios.

Quando se aproximava das 17 horas, Ibrahim fechava a loja e subia a Marabazinho. No beco da Igreja, tinha o ponto ideal para observar a movimentação: sentado junto da janela de sua casa, onde se supunha convenientemente seguia a entrada e saída das pessoas daquele local densamente freqüentado. Dali ele observava, e adivinhava tudo: seu olhar vivo, penetrava no interior da casa alheia, e seu ouvido apurado, ouvia, apesar das paredes, o que se falava e se fazia na da frente.

Escondido atrás da cortina, devassava a rua.

A mulher ajudava excelentemente seu marido naquele “inocente” passatempo. Enquanto Ibrahim ‘cuidava’ do que ocorria na rua da frente, ela se postava na Silvino Santis, sentada numa calçada, ao lado de sua empregada, anotando quem entrava por uma viela que dava nos fundos da casa alegre.

Dia seguinte, o comentário do libanês era infalível:

‘Causa’ dê safadeza, ‘causa’ dê safadeza.

A intriga, a maledicência, e mesmo a calúnia alimentava o casal, que se tinha encontrado no mundo tão iguais, tão dignos um do outro.

O local era uma casa de belas garotas que chegavam de Imperatriz para atender a clientela na calada das noites. Por ali passaram os mais lustrados homens da cidade e jovens mancebos ávidos pelas primeiras experiências sexuais.

Para o casal de libaneses, era uma casa assombrada.