Temos duas bandas de música de qualidade, em Marabá: a da Fundação Casa da Cultura, idealizada há mais de 18 anos pelo Noé Von Atzingen; e a Banda Shalom, da Funcad – Fundação de Assistência aos Menores e Adolescente, criada e mantida sob monumental esforço pela Márcia Costa.

As duas bandas, encorpadas por metais, são orgulho da cidade.

Idealizadas a partir da necessidade de reduzir a presença de meninos em áreas de risco.

Ontem à noite, assisti ao VI Recital da Shalom, nas dependências do clube da Vila Militar, totalmente lotadas.

Emocionante sob todo aspecto, o recital nos mostrou a música clássica, erudita, popular, eletrônica, numa relação simbiótica de estilos que no final das contas (ou dos acordes?) não deixou diferenciar o que é erudito nem popular.

Villa-Lobos e Almir Sater, no frigir dos ovos, depois de executados pelos meninos da Marcinha, são apenas músicas de bom gosto – sem possibilidade de comparar o que é erudito nem canção de esquina.

Músicas de fazer um bem danado aos ouvidos. E à emoção.

Desde muito tempo, os meninos da Shalom são a alma da cidade.

Eles representam mais a cidade do que aquilo que se toca em rádios, TV ou no festival de alguma cidade.

Eles são os verdadeiros cronistas da cidade!

Porque são capazes de misturar, num só paneiro, Anne Macginty, Cristina Mel, Jota Quest, Bach, Tony Broxton, Chitãozinho e Xororó, Renan Mingorance, Martinho da Vila, Oswaldo Montenegro, entre tantos outros, fazendo crônicas de lugares através de personagens urbanos e rurais.

Ouvindo-os, no recital, cada rosto de origem humilde e pobre, deu pra confirmar aquilo que eu já desconfiava: a banda dos meninos tirados das ruas é formada por músicos de rua mesmo.

Eles são emboladores, sambistas, hip hop, sertanejos de raiz, clássicos sem serem eruditos – espécie de cultura das ruas reivindicando espaço e voz nas periferias, como se estivessem gafitando os muros da cidade com desenhos de partituras multicoloridas.

A combinação disso tudo resultou na beleza de emocionar corações de simples e fidalga origem, como estava representado o público emotivo da Vila Militar.

De uns trinta anos pra cá, principalmente nas grandes cidades, as pessoas só reconhecem como cultura o que a mídia diz ser cultura. E essa mesma visão de cultura passou a se expandir pelas cidades do interior, pois as culturas locais são consideradas de segunda classe pelos seus próprios habitantes.

O habitante urbano do interior quer repetir os gostos das grandes cidades, da grande mídia e isso acaba fazendo com que a atividade cultural se afunile numa direção que quem controla é basicamente a televisão.

No meio da Banda Shalom já há meninos compondo suas próprias obras que falam de seus lugares, de suas tribos e guetos esquecidos.

Mas também fala de amor.

Claro, a banda não é uma ideia de composição original. Mas é uma ideia de fazer falar (e tocar!), ao mesmo tempo, a diversidade musical em suas diversas expressões.

O professor Gilvandro Monteiro da Silva, orientador dos meninos da Funcad, deixa sempre seus alunos tocarem o que eles gostariam de tocar. A partir da colaboração de cada um, ele orquestra composições, uma sequência, não interessando a música dele.

Interessa, sim, a música da cidade e essa música é a soma do som de cada um.

Por isso, dá pra perceber claramente toda a meninada à vontade. Ninguém preocupado se está tocando uma coisa que não faz parte do mundo deles.

Cada músico tem uma particularidade muito especial.

Cada um representa um universo, uma cultura dentro da cultura urbana.

Que também pode ser rural, dependendo da origem de cada aluno.

O importante é a música expressando um pouco da cidade em que ela está sendo feita.

A Skalom, é isto mesmo: paz!