A violência nos morros cariocas, adormecida uns dias no lusco fusco, voltou às manchetes, na manhã desta segunda-feira, 24, quando um helicóptero da TV Globo foi atingido por disparos supostamente impetrados por traficantes, enquanto a equipe de reportagem cobria operação policial na região do Estácio, zona norte do Rio.
Pode parecer ilógico, paradoxal, mas não é.
A incerteza da guerra nos morros cariocas é esta. Nada é definido, nada é claro. Tudo se torna verdade somente quando acontece. Não há, nas dinâmicas do poder paralelo, nada que vá além dos fatos concretos. E, assim, fugir, ficar, escapar, denunciar tornam-se escolhas muito aleatórias.
Só mesmo um acontecimento concreto pode fazer alguém tomar uma decisão. Mas quando ela é tomada é porque já não há mais escolhas.
Transmitindo pelo twitter a ocupação do Complexo do Morro do Alemão pelas forças legais, o garoto René Silva, do jornal Voz da Comunidade, em determinado momento, relembrou o ambiente favelado quando traficantes saiam matando pessoas nos becos ocupados pela bandidagem – antes da ocupação do morro pela polícia:
– “Quando alguém morre na rua, provoca uma gritaria horrível ao seu redor”.
Só faltou o garoto completar: a violência é tanta que temos calos no coração e couro forrando o estômago.
Tempos atrás, antes da operação no Morro do Alemão, sempre que assistia pela TV as populações dos morros dominados pelo tráfico reagindo às invasões da polícias, mulheres saindo às ruas queimando pneus, lixeiras, jogando objetos contra os carros da polícia, o pôster não conseguia ver naqueles rostos, naquelas palavras de raiva, uma solidariedade criminosa.
Aquelas rápidas e violentas mobilizações das forças militares (Bope pelo meio) que chegavam de repente depois de dezenas de mortos, somente depois de corpos carbonizados, eram verdadeiras encenações.
As comunidades sentiam cheiro de tapeação.
As prisões, as movimentações não eram feitas para mudar o estado de coisas, mas para satisfazer quem precisava prender e derrubar paredes. Como se de repente alguém mudasse as categorias de interpretações até então existentes e concluísse que o modo de vida daquelas pessoas era um equívoco.
Sabiam muito bem que ali estava tudo errado.
Não era preciso chegar de helicópteros e carros blindados para que a população percebesse ou se lembrasse disso. Aquela forma de vida errada desde sempre era a sua forma de sobrevivência.
Além disso, ninguém, depois daquelas irrupções que complicavam e muito a vida deles, procuraria realmente mudá-la para melhor. E, então, aquelas mulheres queriam (mães de menores puxados à marginalidade pela força dos grandes traficantes), elas mesmas, dar conta daquele total esquecimento, daquele total isolamento, daquelas vidas erradas e expulsar quem de repente tinha se metido naquela escuridão.
Depois do controle pelo Estado do conjunto de favelas que circunda o Morro do Alemão, tudo mudou.
Pelo menos até agora, as mães faveladas sentiram cheiro de esperança no ar.
Guilherme Marssena
24 de janeiro de 2011 - 15:56Eu q que o PiG se exploda.Um carioca radicado no Pará desde 1980 e atualmente passando umas merecidas férias no Rio de janeiro(Vila Valqueire).