Foi grande a movimentação no segundo dia do primeiro Salão do Livro de Carajás, neste sábado, 28. A programação começou com apresentação cultural de escolas de 17 comunidades da zona rural de Marabá. Cerca de 360 estudantes do campo puderam mostrar projetos pedagógicos. Um deles foi a peça “A Formiguinha e a neve”, baseada num conto literário infantil.

Visitar o Centro de Convenções e poder participar do evento animou muito o pequeno Luciano Silva. “A gente treinou muito para apresentar a formiguinha e a neve, já fizemos duas apresentações. Eu gostei muito, aqui é muito bom”, disse o estudante.

A pedagoga das Escolas do Campo da Secretaria de Educação, Lucia Batista, afirmou que as apresentações são resultado do trabalho realizado no dia a dia dos estudantes. “É um momento ímpar porque muitos alunos nem haviam saído das suas comunidades para vir à cidade, e num lugar tão agradável como esse, não poderíamos deixar de trazer nossas escolas para apresentar os projetos que elas desenvolvem no dia a dia. Estou encantada porque é tudo muito simples, mas é o que eles conseguem produzir enquanto comunidade escolar”, reiterou.

A programação também contou com o espetáculo musical “A dança dos Livros”, do Centro Educacional Disneylândia, com oficinas de confecção de dedoches e fantoches, contação de histórias e duas rodas de conversa: uma sobre as artes visuais e outra sobre Negritude e Literatura.

O segundo tema foi discutido pela professora doutora em estudos literários da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), pedagoga especializada em política e promoção da igualdade racial e integrante do coletivo Consciência Negra e Movimento de Marabá, Vanda Melo, junto com o escritor, jornalista e advogado marabaense Ademir Braz. A mediação ficou por conta do escritor Airton Souza. (Foto abaixo)

Fotos: Ascom CRGSP
MARABÁ – PARÁ

O escritor Ademir Braz, baseado nas próprias experiências, evidenciou que o preconceito racial é algo disfarçado. “Quando eu era menino as pessoas me chamavam do negro da Donana, minha mãe, aquele moleque endiabrado, o que era puro preconceito, por que eu era um menino como qualquer outro. Quando eu fui estudar em Belém, morar no subúrbio, lá o preconceito não era delicado, era raivoso. Eu tive que brigar muito para estabelecer meu espaço, uma coisa com que eu lidei a vida inteira. O preconceito ficou mais sutil porque quando ele fica agressivo vira escândalo, mas continua existindo”.

A professora Liliane Batista explicou que na literatura o negro é tratado de forma diferenciada, já que alguns escritores trabalham o negro não como o sujeito, mas como objeto, visto com vários estereótipos, como por exemplo, a questão da mulher negra ser sexual (isso até hoje permanece no imaginário), algo amplamente trabalhado por Jorge Amado.

“Temos o exemplo de ‘Gabriela’, que além de ser infantilizada é sexual, o que é muito sério, porque em pleno século 20 ainda se via isso. Mas há um movimento muito forte de tomada de consciência, que começou lá pelos anos 1960, e um movimento de mulheres negras produzindo literatura como um espaço de luta. Na academia esse processo é muito lento, mas já temos alguns alunos desenvolvendo estudos a respeito. A indústria cultural reforça estereótipos nas novelas, nas reportagens, no carnaval, estereótipos que a mídia tenta conservar, já que há uma resistência de uma elite que não quer que o negro alcance lugar de destaque. Isso também acontece na literatura”.

Pesquisadora árdua da literatura angolana e moçambicana, a professora destaca que nesses países os escritores são mais engajados, mas vivenciam a dificuldade de serem lidos fora de lá. “Como lá houve guerra, entre 1961 e 1974, então a literatura é muito engajada. Uma das primeiras atitudes foi criar a União dos Escritores Angolanos, mas para serem lidos têm que serem publicados fora de lá, e para chegar ao Brasil, que foi um modelo tão forte para eles, são as universidades que estão nesse movimento de pesquisa, de levar essa literatura ao conhecimento dos alunos. Ali houve um imperialismo dominante, teve tomada de território, o problema é que hoje a gente vive um imperialismo ideológico e lutar contra ele é muito difícil”.

Já a pedagoga e arte-educadora Vanda Melo pontuou a existência da relação colonialidade versus modernidade. “Segundo os autores, acabou a administração das colônias, mas todo o processo cultural a partir da colonização foi centralizado principalmente na questão da racialização do mundo. Nessa perspectiva, a gente trabalha a compreensão de que existe a colonialidade instituída na nossa própria formação, enquanto sujeito, algo entranhado pelo eurocentrismo, valores que foram colocados como superior, e de certa forma embasaram todo o processo de formação dos sujeitos”.

Nesse sentido, Vanda Melo esclarece que os grupos de pesquisa inseriram recentemente o debate sobre a decolonidade e a necessidade da existência de novas epistemologias do conhecimento. “Como que nós, enquanto sujeitos, vamos retomar o nosso processo politicamente, retomar porque nós, enquanto negros, nunca abandonamos o processo de resistência e de produção contrária a toda violência que foi instituída contra o negro. Socializar as africanidades que estão presentes no Brasil para a constituição de outras formas de compreender a realidade, o mundo e o sujeito, e constituir nossas relações a partir dessas diversidades”, concluiu.

Após a roda de conversa, o público pôde conferir hinos instrumentais com a Banda Doxologia e o show com ritmos colombianos “Salsa com Jambu”, de Bruno Benitez e Banda Mundo Mambo.

Programação

Neste terceiro dia de feira, os visitantes do Salão do Livro de Carajás vão ter apresentação da Companhia de Dança de Tucuruí, oficina “Os Encantos do Cordel”, roda de conversa sobre Biblioterapia e palestra “Historicizando o sul e sudeste” com o historiador Airton Pereira.

Além disso, tem Sarau Performático “Filhos da Terra”, Show Musical Batidas com perfeição, com Bateristas da GAP e Musicando, contação de histórias, show musical de Clauber Martins e espetáculo de dança “Despertar da Dança do Ventre”.  (Por Kelia Santos)