JoséNa manhã de domingo, 30, morreu em Imperatriz o comerciante José Matos Vieira.

Gráfico por profissão, José Matos iniciou sua vida comercial em Imperatriz no início dos anos 60, onde implantou  uma tipografia e, tempos depois, fundou o jornal O Progresso, ao lado do jornalista Jurivê Macedo, também falecido.

Natural de Caxias, Vieira encontrava-se internado  no Hospital Municipal de Imperatriz, lutando para superar complicações de uma pneumonia.

Aos 91 anos, deixa  dez filhos que teve com Vicença Valadares Vieira, também falecida.

Amante da leitura e da informação, além de gráfico, nos últimos  anos José Matos dedicava-se à literatura, chegando a escrever o livro “Lutas, fracassos e vitórias”.

O poster teve o privilégio de conviver com José Matos Vieira, um negro de forte formação cristã e que falava  baixinho, em qualquer circunstância, mantendo sempre o tom suave das palavras, quando se dirigia ao  interlocutor.

Nos anos duros da ditadura, o poster, Vieira e Jurivê, trabalhamos juntos, quando fui contratado para atuar como repórter de O Progresso.

Tempos difíceis, haja vista havia sempre um general mal-humorado, de plantão, no 50 BIS (Batalhão de Infantaria de Selva), convocando a gente para dar explicações sobre determinadas matérias publicadas.

Vieira, educadíssimo, apelava sempre para o “bom senso”, ao nos pedir cautela ante a impetuosidade com que escrevíamos.

Jurivê, sarcástico e com texto ferino, mantinha na coluna “Comentando” o melhor produto do jornal.

Às vezes, sobrava para o poster a responsabilidade de substituí-lo (raramente), na ausência do saudoso companheiro, falecido dois anos atrás.

Na Tipografia Violeta, homenagem a uma das filhas do patrão, costumávamos reunir para discutir a pauta da semana.

Em sua sala de trabalho, quase sempre, Vieira exercitava a “catequese”, nos pedindo calma, serenidade, cuidados para que a ditadura não ferrasse a todos.

Uma vez, intimado a depor no gabinete de um oficial do Exército, no  50 BIS, antes de ser levado em um jeep ao quartel,  um gentil e preocupado Vieira nos deu forças:

– “Já falei com o Jurivê, vamos contratar um advogado para lhe acompanhar, mas tenha cuidado, não se exponha mais do que já está se expondo…”

No quartel, os ditadores queriam saber quem era “Mana Fuínha”, personagem de uma crônica que eu publicara dois dias antes.

Engasgados com o movimento da guerrilha do Araguaia, os oficiais no 50 BIS em tudo viam terroristas e mensagens cifradas.

A bela crônica nada mais exaltava do que meu amor pela namorada Sonia, minha eterna mulher amada, mãe de nossos três filhos.

“Mana Fuínha” era o gozo, o beijo, a doçura, os tempos de calmaria e, também, a volúpia da juventude querendo se libertar, nos braços da namorada.

Havia um pouco de “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”; mas havia, muito mais, na crônica, uma desesperada declaração de querença.

Os babacas queriam transformar minha crônica em versos de guerrilha.

Bem que era.

E quando, já solto das garras dos brutamontes, contei o caso a José Vieira, ele olhou para os céus e exclamou um “Ó, Gloria”.

Rimos bastante.

Hoje, sem os dois grandes amigos, sinto saudades, e, ao mesmo tempo, muito orgulho de manter acesa a inquietude de achar que as mãos nos teclados podem ajudar a mudar o mundo, ratificando  vaticínio do velho Vieira, ditado numa noite, quando conversávamos em sua tipografia:

 

– Você é daqueles que não tem rédea pra lhe segurar. Por isso fico pedindo paciência, serenidade.

 

É isso, querido Vieira: ninguém coloca canga no meu pescoço.

Vá em paz, belo negro maranhense.