Ministro Henrique Neves da Silva,  do Tribunal Superior Eleitoral, no corpo de seu voto para a concessão de medida liminar em mandado de segurança, suspendendo os efeitos de  ato do TRE do Pará de cassação do mandato do prefeito Municipal de Bagre, Cledson Farias Lobato Rodrigues, deixou claro que o tribunal não deveria ter afastado o político do cargo.

Cledson Farias Lobato Rodrigues, não demorou 48 horas fora da prefeitura: já está, de novo, na condição de prefeito, por força da decisão do TSE.

O caso de Cledson é análogo a situação do prefeito de Marabá, João Salame, que nesta quinta-feira, 17, será julgado pelo mesmo TRE que afastou o prefeito de Bagre.

Leiam o voto do ministro Henrique Neves:

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DECISÃO

Cledson Farias Lobato Rodrigues, prefeito municipal de Bagre/PA, impetra mandado de segurança, com pedido liminar, para sustar os efeitos de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Pará, pelo qual se julgou procedente a Representação nº 3227-53, proposta contra o autor e Edilberto Prudente Vulcão, Secretário de Assistência Municipal da referida localidade, bem como contra Cledson Farias Lobato Rodrigues, candidato ao cargo de deputado estadual nas Eleições 2010, pela conduta vedada no art. 73 da Lei nº 9.504/97.

O autor alega, em suma, que:

a) foi eleito prefeito nas eleições de 2008 e reeleito em 2012, com o registro de candidatura deferido e transitado em julgado, tendo sido diplomado sem questionamentos por meio de recurso contra expedição de diploma e ação de impugnação de mandato eletivo;

b) a autoridade coatora, de forma teratológica, anulou o diploma e cassou seu mandato eletivo, no âmbito de uma representação que versa sobre fatos relacionados às eleições de 2010, na época em que exercia seu primeiro mandato de prefeito em Bagre/PA;

c) foi acionado nesta representação eleitoral por supostamente ter beneficiado seu pai Cleber Edson dos Santos Rodrigues, então candidato a deputado estadual;

d) a ação foi julgada procedente para alcançar seu diploma obtido em pleito posterior, com determinação de cumprimento imediato do julgado;

e) seria cabível o mandado de segurança por inconstitucionalidade e ilegalidades que afrontam o direito líquido e certo do impetrante de não sofrer cassação de mandato eletivo obtido em 2012 – por procedência de ação de investigação judicial eleitoral relativa às eleições de 2010 -, razão pela qual deveria aguardar no cargo o julgamento de embargos de declaração opostos no referido processo;

f) a via do mandado de segurança seria admitida, porque o caso se reveste de absoluta anormalidade jurídica, porquanto destoa do objeto do processo e ultrapassa a legalidade e os próprios poderes do juiz;

g) a jurisprudência desta Corte Superior admite a impetração contra decisão que determina cumprimento imediato de acórdão antes da interposição, julgamento e publicação do acórdão alusivo ao julgamento dos declaratórios, invocando a decisão individual proferida pelo Ministro Admar Gonzaga no MS nº 669-93, bem como aquelas proferidas pela Ministra Luciana Lóssio e pelo Ministro Castro Meira;

h) “entendeu o TRE/PA pela viabilidade jurídica de desconstituição automática do diploma do Embargante referente às eleições de 2012 (eleição municipal) em razão de procedência de Representação das eleições de 2010 (deputado estadual) através de distorcida interpretação conferida ao art. 15 da LC 64/90” (fl. 7);

i) o órgão coator violou disposições legais e constitucionais, deturpando o sistema normativo eleitoral no que acabou por desvirtuar o objeto, a causa de pedir e o pedido no âmbito da representação, em manifesta ilegalidade e abuso de poder;

j) o mandato eletivo do impetrante deve ser protegido em razão da coisa julgada, já que sua candidatura foi deferida, em decisão irrecorrível, e não foi ajuizada nenhuma ação eleitoral contra ele, apta a atingir por inelegibilidade o registro, o diploma ou o mandato;

k) a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tampouco admite apuração de inelegibilidade de ofício ou por meio de outras ações, senão por aquelas expressamente previstas na legislação;

l) o órgão coator confundiu a causa da inelegibilidade (representação julgada procedente) com a consequência dessa procedência, que deve ser apurada tão somente no processo de registro ou no recurso contra expedição de diploma, em face de eventual inelegibilidade superveniente;

m) a ação julgada pela Corte de origem somente pode implicar eventual cassação de registro ou diploma dos candidatos que concorreram no pleito de 2010;

n) o direito líquido e certo ao devido processo legal não foi observado, na medida em que o impetrante não respondeu ação que teria repercussão em seu mandato eletivo de prefeito conquistado em 2012, até porque seria um pedido, na presente demanda, juridicamente impossível, já que a ação foi proposta em 2010 e o mandado se iniciou em 2013;

o) “o próprio art. 15 da LC 64/90, cujo sentido foi completamente desvirtuado pelo Regional, possui comando de que a decisão que declarar a inelegibilidade será comunicada ao MPE ou Juiz encarregado do registro ou da expedição de diploma, o que remete necessariamente a outro procedimento, inviabilizando a aplicação imediata de cancelamento de diploma” (fl. 13);

p) a autoridade coatora não tem competência para cassar originariamente mandato de prefeito municipal, em sede de representação ou AJIE, em face da regra expressa de competência do art. 24 da LC nº 64/90;

q) a determinação pela autoridade coatora de posse do vice-prefeito é a demonstração inequívoca da teratologia da decisão do Tribunal paraense, dada a indivisibilidade da chapa e o litisconsórcio passivo necessário nas ações que possam resultar desconstituição de diploma ou cassação do mandato eletivo.

Em face de tais argumentos, o impetrante pede a concessão de medida liminar “para suspender os efeitos do Acórdão na parte que anulou o diploma e cassou o mandato até julgamento final do Mandado de Segurança; alternativamente requer a concessão da liminar até o julgamento e publicação dos Embargos de Declaração ou até que se inaugure a jurisdição cautelar do Tribunal Superior Eleitoral” (fl. 20).

E, ao final, requer: “seja confirmada a liminar ora pleiteada e concedida a segurança para (i) anular o Acórdão Regional na parte que desconstituiu o diploma e decretou a cassação do mandato eletivo do Impetrante e (ii) anular a parte do acórdão que determinou a imediata execução do julgado antes do julgamento dos embargos de declaração” (fl. 21).

É o relatório.

Decido.

A Lei nº 12.016, de 2009, estabelece no art. 5º, inciso II, o não cabimento de mandado de segurança quando se tratar “de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo”.

Tal óbice, contudo, não se aplica ao presente caso, pois os recursos cabíveis, em tese, contra a decisão proferida pelo Tribunal Regional Eleitoral do Pará não possuem efeito suspensivo, por força do art. 257 do Código Eleitoral.

Por outro lado, este Tribunal já decidiu que “o mandado de segurança não é via adequada para que se alcance efeito suspensivo de acórdão do Tribunal Regional passível de recurso para o c. TSE. Precedentes: AgR-MS n° 3. 923/CE, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 26.9.2008; AMS nº 13.447/MG, rel. Min. José Gerardo Grossi, DJ de 9.5.2007” (AgR-MS n° 4.216, rel. Min. Felix Fischer, DJE de 10.9.2009).

Entretanto, em diversas oportunidades, este Tribunal já ressalvou a possibilidade da utilização do mandado de segurança ¿em hipótese excepcional, em que esteja evidenciada situação teratológica e possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação” (AgR-MS n. 3.845, rel. Min. Felix Fischer, DJ de 5.9.2008). No mesmo sentido: AgR-MS nº 4.210, rel. Min. Arnaldo Versiani, DJE de 18.6.2009; AgR-MS nº 1319-48, rel. Min. Arnaldo Versiani, DJE de 6.10.2010; AgR-MS 1695-97, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 16.12.2011; MS 72-61, rel. Min. Gilson Dipp, DJE de 18.6.2012; e, MS nº 178-86, rel. Min. Castro Meira, DJE de 22.8.2013).

Na mesma linha, já afirmei, como relator do AgR-AgR-MS

nº 187-48, DJE de 27.6.2013, que ¿o mandado de segurança impetrado nesta Corte não se presta, em regra, à análise dos pressupostos para a concessão de medida cautelar ajuizada perante a Corte Regional Eleitoral, pois o exame de tal matéria compete àquela instância. Tal entendimento pode ser excepcionado em situações peculiares, em que se evidencia, diante das circunstâncias do caso concreto, manifesta ilegalidade ou teratologia da decisão atacada”.

Assim, diante dos precedentes apontados, o próprio cabimento do mandado de segurança está atrelado à verificação de situação teratológica ou de patente ilegalidade.

Neste juízo preliminar e efêmero, contudo, não se mostra possível uma completa análise do extenso acórdão regional que, em suma, por unanimidade rejeitou as preliminares de cerceamento de defesa e julgou procedente a representação e, por maioria, determinou o cumprimento imediato do acórdão e o consequente afastamento do impetrante do cargo por ele exercido.

A partir de uma rápida leitura do acórdão regional, depreende-se que a acusação inicial de captação ilícita de sufrágio que teria ocorrido nas eleições de 2010 não foi reconhecida pela instância a qua.

Contudo, por aplicação da teoria da substanciação, a Corte Regional, também considerando os fatos ocorridos nas eleições de 2010, entendeu configurada a prática de conduta vedada prevista nos incisos I e II do art. 73 da Lei nº 9.504/97. Em razão disso, a representação foi julgada procedente, com a aplicação de multa aos representados condenados e a cassação do diploma de suplente de deputado do pai do impetrante, cargo este conquistado nas referidas eleições de 2010.

Em relação ao prefeito, eleito em 2008 e reeleito em 2012, o voto condutor do acórdão consignou a ¿PROCEDÊNCIA da Representação para condenar o Representado CLEDSON FARIAS LOBATO RODRIGUES com base no §§4° e 8° do artigo 73 da Lei nº 9504/97, com a aplicação de multa proporcional no valor igual de 80.000 (oitenta mil) UFIR, deixando de cassar o diploma por conduta vedada, em vista da impossibilidade nesta situação específica” (fl. 114).

Mas, em seguida, a relatora na origem disse (fls. 114-115):

[…] Com fulcro na alínea j, do inciso l do artigo 1° e no artigo 15 da LC nº 64/90, DECLARO A INELEGIBILIDADE do representado Cledson Farias Lobato Rodrigues e, em consequência, a NULIDADE do diploma expedido por ocasião do Registro de Candidatura de 2012 que, por sua vez possui como efeito lógico, a CASSAÇÃO DO MANDATO de Prefeito. Como a inelegibilidade possui caráter pessoal, a vaga deve ser preenchida pelo Vice-Prefeito. Em obediência ao parágrafo único do artigo 15, após a publicação deste Acórdão, COMUNIQUE-SE imediatamente ao Ministério Público Eleitoral e ao Juízo da 15ª ZE para que tomem as providências necessárias para o cumprimento deste decisório […].

[…]

Assim, em suma, restou consignado no acórdão regional que o mandato do prefeito não poderia ser cassado em razão da prática de conduta vedada nas eleições de 2010, pois ele fora eleito em 2008 e reeleito em 2012, mas, em ato contínuo, a sua inelegibilidade foi declarada e, como consequência lógica, determinada a cassação de seu mandato, “por efeito automático do mandamento do artigo 15 das LC n 64/90” (fl. 112).

Neste primeiro e superficial exame da impetração, considero que a situação apresentada possui excepcionalidade suficiente para permitir a tramitação do mandado de segurança, ao menos para que as informações possam ser colhidas e o Ministério Público Eleitoral possa se manifestar, como requerido pelo impetrante.

E, diante dessa excepcionalidade, examino o pedido de liminar pleiteado.

O perigo na demora da prestação jurisdicional é evidente, uma vez que determinado o imediato afastamento do impetrante do cargo de prefeito, a partir da publicação do acórdão regional que foi divulgada no Diário da Justiça Eletrônico de ontem, 10 de outubro (fls. 38 e 53).

No que tange à relevância dos fundamentos postos na inicial, há, realmente, que se salientar que os fatos considerados como suficientes para a caracterização da conduta vedada não se referiram, propriamente, às eleições municipais disputadas pelo Impetrante em 2008 e 2012, uma vez que dizem respeito à eleição de 2010, na qual o pai do autor foi eleito suplente de deputado estadual.

O órgão coator considerou que tal fato não impediria a cassação do diploma do recorrente, com base no art. 15 da Lei Complementar nº 64/90, uma vez que a condenação por conduta vedada, por decisão colegiada, atrairia a inelegibilidade do impetrante, a teor do disposto na alínea j do art. 1º, I, da referida norma.

No ponto, o impetrante alega que a interpretação do art. 15 da LC nº 64/90 teria sido desvirtuada pelo Tribunal Regional Eleitoral, porquanto tal disposição expressamente estabelece, em seu parágrafo único, que a decisão que declarar inelegibilidade será comunicada ao Ministério Público ou ao Juiz responsável pelo registro de candidatura ou diplomação, o que remeteria a outro procedimento para fins de cancelamento de diploma.

E, a esse respeito, a aplicação do art. 15 da LC nº 64/90, no caso, revela-se não como um efeito imediato da declaração de inelegibilidade.

Também é relevante no presente caso que o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Pará foi tomado em sede de ação originária que versa sobre a expedição de mandato de deputado estadual, razão pela qual ela pode ser desafiada por meio de recurso ordinário, na forma do art. 121, § 4º, III, da Constituição da República.

Igualmente, é relevante saber se os fatos contidos no acórdão regional, que poderão ser amplamente revistos por este Tribunal em sede ordinária, efetivamente caracterizam a prática de conduta vedada e se, a partir de um juízo de razoabilidade e proporcionalidade, a sanção de cassação de diploma realmente se impõe.

De outro modo, também é necessário ressaltar que, em tese, a inelegibilidade prevista na alínea j do art. 1º, I, da LC 64/90 somente fica configurada quando há a cassação do diploma ou do registro.

Todas essas questões serão mais bem examinadas no momento oportuno por esta Corte Superior.

Todavia, neste instante, repito – efêmero -, a conclusão adotada pela Corte Regional paraense aparenta ter certa discrepância com o próprio conceito de inelegibilidade, que, em síntese, significa a impossibilidade de alguém disputar uma eleição, sendo que a aferição da sua incidência, tal como a presença das condições de elegibilidade, se faz no momento do pedido de registro, como determina o art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/97, ou, ainda, em sede de recurso contra expedição de diploma, com base no art. 262, I, do Código Eleitoral, caso ela seja superveniente à formalização da candidatura.

Por outro lado, há aparente verossimilhança nas alegações do impetrante de que o mandato eletivo é protegido pela Constituição Federal.

Diante do exposto e até que sejam prestadas as informações e facultada a manifestação do Ministério Público Eleitoral, de modo a permitir um melhor exame da matéria e da própria viabilidade da via eleita, entendo ser recomendável suspender a execução do ato atacado, na parte que determina o afastamento do impetrante do cargo de prefeito, como meio de resguardar o alegado direito líquido e certo.

Por essas razões, defiro a liminar pleiteada para suspender os efeitos do ato atacado apenas no que se refere ao afastamento do impetrante do cargo de prefeito Municipal de Bagre/PA, devendo ser providenciado o seu imediato retorno, se já consumada a determinação contida no Acórdão nº 26.249 do Tribunal Regional Eleitoral do Pará.

Esclareço que a liminar ora deferida é limitada a suspensão do efeito decorrente do ato coator atacado neste writ, razão pela qual não alcança outras decisões que tenham sido tomadas em outros, se existentes.