“Perdi o juízo, murmurou ela com voz abafada, por favor, me ajude.”

A mulher foi procurar o homem que andava de cabeça baixa, não por tristeza, mas porque procurava por tudo que os outros perdiam. À porta do homem iam bater pessoas que haviam perdido algo: uma chave, um documento, um anel, uma fivela de sapato.

Naquele dia a mulher que havia perdido o juízo foi procurá-lo, por ser algo que não conhecia o formato, o homem levou a mulher junto. Ele de cabeça baixa, ela com a cabeça para o alto, a ver pássaros, estrelas, lua, árvores…

Quando, um dia, o homem parou, levantou a cabeça e olhou para a mulher, soube que havia perdido o juízo também.

Este trecho faz parte do maravilhoso conto “De muito procurar” da, não menos maravilhosa, Marina Colasanti.

Achei curioso o momento em que o homem percebeu que havia perdido o juízo. Ao olhar para a mulher!

Olhar…

Sim, o olhar denúncia tudo. Quando não olhamos, não sentimos, ou evitamos sentir. Ao olhar, nos entregamos, deixamos de ser o que queremos ser e passamos a ser o que realmente somos. Por isso, é necessário nos afastar, não olhar, daquilo, ou de alguém, que queremos esquecer.

Quando descubro que perdi o juízo (coisa não tão rara quanto gostaria que fosse), vou procurar encontrá-lo (o juízo) olhando…

Olhando o meu lugar favorito da minha amada Marabá: o Rio Tocantins. Me recolho para qualquer trecho que forneça uma visão geral, panorâmica do Tocantins que serpenteia nossa cidade.

Pode ser na orla, em uma chácara, dentro do carro parado às margens do rio. Necessário é olhar, visualizar as águas escuras, ver o verde do outro lado, afundar a vista nos mistérios das águas. Me aquietar no colo das águas.

Claro, que na maioria das vezes me sinto ridícula, ali parada, sentadinha, só olhando. Sempre trato logo de me confortar com o seguinte pensamento: “Estou no meu lugar, na minha cidade, no meu rio, posso fazer o que quiser.” Nesses momentos sinto-me totalmente marabaense, cúmplice com meu rio, segredando meus mistérios, saboreando o silêncio, confiante que tudo estará bem guardado.

Marabá, quase centenária, é muito mais Marabá à beira do rio. Lugar onde tudo começou, passeio fundamental dos visitantes, local para encontros apaixonados.

Mas se o caso é um desencontro, e você está sofrendo de mal de amor, as águas do Tocantins possuem um excelente elixir, banhar no rio, se lambuzar de água, faz um bem danado pro coração.

Talvez porque das águas emanam vida, força. Já esteve deprimido (a) e depois de um dia de molho no rio, saiu com uma leveza encantadora? Algo impenetrável à razão humana. Após um banho quente no Tocantins, nos sentimos mais sensuais, mais vivos, quase imbatíveis.

Não sinto o meu rio tão meu no alto verão marabaense. O silencioso rio transforma-se em atração turística barulhenta, jets skis, lanchas, barcos a motor, ziguezagueiam pelo meu rio ferindo-o com fúria. Comporto-me como uma mulher traída pelo amado, trocada por outras mais interessantes (louras, ruivas…). O ciúme me faz perder o juízo.

Nesses momentos chego a manchar o rio com minha saudade, definida em outro conto de Marina Colasanti, “ Do seu coração partido”:

“(…) Sensível demais, essa rosa – acrescentou (o besouro), não sem um toque de censura. – Um mancebo acabou de passar lá embaixo, nem olhou para ela. E bastou esse nada, essa quase presença, para ela sofrer de amor.”

Quando o vejo recheado de lixo, sendo usado por pessoas egoístas, que se aproveitam de sua bondade para explorá-lo, volto a amá-lo, sinto que ele precisa do meu amor, mesmo que esteja cercado de outros seres, outras beldades. Devoto a ele o meu carinho silencioso, defendo-o com unhas e dentes, faço campanhas contra os que não sabem aproveitar as delícias do meu rio.

Em mais um aniversário de Marabá, quero presenteá-la com as belezas do olhar de um artista.

 

Uendas, com desenho exclusivo para o blog, nos mostra o seu olhar detalhista do rio, nos hipnotiza com seus traços do Rio Tocantins. Viaja no tempo, relembrando o rio dos tempos antigos, um rio puro, quase virgem, respeitado pelos que o viam como fonte de sobrevivência. Essencialmente Rio Tocantins!

 

Evilângela Lima Alcântara, Educadora, Diretora da Escola de Ensino Fundamental São José.