Matéria publicada no jornal O Globo, em sua seção de Economia, edição de domingo, faz um raio X da situação econômica do município de Marabá, depois que  a Vale  inviabilizou o pr0jeto Alpa, levando à reboque o fechamento de diversas empresas, inclusive uma guseira da própria mineradora, a Carajás.

 

Reportagem é assinada  pela repórter Cleide Carvalho.

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Crise em Carajás: com minério, sem riqueza.

MARABÁ (PA) — Com 233 mil habitantes, Marabá vive uma crise inusitada. Colada à maior mina de ferro a céu aberto do mundo, a da Serra dos Carajás, a cidade vê o minério escoar rumo à China enquanto seu parque industrial está quase parado. Das dez empresas de ferro gusa criadas para usar a principal matéria-prima da região, sete sucumbiram nos últimos quatro anos. A última a suspender a produção, a Cosipar, parou em outubro passado, demitindo 400 pessoas. Pelo menos seis mil vagas foram eliminadas, espalhando desemprego pela cadeia de prestadores de serviços.

— Estamos do lado da mina, mas pagamos pelo minério o mesmo preço dos compradores internacionais — diz Zeferino Abreu Neto, diretor do Sindicato das Siderúrgicas Produtoras de Ferro Gusa de Marabá (Sindiferpa).

A produção do gusa ficou inviável porque o preço de exportação do minério se tornou superior ao do gusa, cuja oscilação leva em conta também o valor da sucata. Além disso, as empresas amargaram a crise de seu principal comprador, os EUA. No auge da produção, em 2008, o polo chegou a exportar US$ 898 milhões. Em 2012, não passou de US$ 360 milhões. Outro golpe foi o cerco ao desmatamento ilegal na Amazônia, que obrigou as guseiras a garantir a legalidade de outro insumo, o carvão. Muitas carvoarias foram fechadas, por usar madeira tirada de áreas protegidas e até trabalho escravo.

Vale não comenta fechamento de empresas

Para viabilizar a produção, boa parte das guseiras investiram em reflorestamento. A área de floresta plantada já alcança 58 mil hectares, ainda insuficiente para sustentar a produção à plena capacidade do polo guseiro, que precisa em média de 530 quilos de carvão vegetal para cada tonelada de gusa.

Os demitidos do polo, que ganhavam salários acima de R$ 1.200, têm agora de recorrer a empregos no comércio e na construção civil. Em média, não pagam mais do que um salário mínimo.

— Até 2008 a gente trabalhava com produção em três turnos. Depois, começaram parar alguns fornos até que fechou. Com o salário da siderúrgica, eu conseguia pagar o aluguel. Agora, nem isso — lamenta Elias Marques Barbosa, 41 anos, pai de dois filhos e um dos demitidos da Cosipar.

O Grupo Leonar e Abreu Neto são sócios na Maragusa. Segundo o empresário, o investimento foi de R$ 70 milhões, R$ 20 milhões em reflorestamento, mas a empresa funcionou por apenas um ano e meio. Hoje, na fábrica novinha em folha, ficam apenas seguranças e um casal de zeladores, que tenta impedir que o mato tome conta.

— Quando o polo foi criado, há 20 anos, a Vale incentivou, porque não tinha para quem vender. Agora, o minério sai daqui e vai criar milhares de empregos na China.

Em 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou do lançamento de um megaempreendimento da Vale para usar na cidade o minério de Carajás: a Aços Laminados do Pará (Alpa). Em operação, a siderúrgica geraria 5.300 empregos diretos e 16 mil indiretos na aciaria e laminação.

Uma grande área à beira da Transamazônica foi aberta para dar lugar à Alpa, mas o projeto parou na terraplanagem. A Vale suspendeu o investimento à espera de um outro megaprojeto, o da hidrovia Araguaia-Tocantins, cuja navegabilidade no trecho depende da derrocada de cerca de 43 quilômetros de rocha do leito do rio, obra avaliada em pelo menos R$ 530 milhões.

Para o prefeito de Marabá, João Salame, um projeto de desenvolvimento da região passa pelo uso do minério de ferro.

— A Vale é quase um estado dentro do estado. A produção de minério de ferro no Pará vai superar a de Minas Gerais em pouco tempo. A Vale precisa entender que a população é sócia dela. A empresa precisa atuar ativamente e participar do desenvolvimento na região — diz Salame.

Procurada, a Vale não se pronunciou.

Sem infraestrutura, Marabá incha com migração

Marabá Pioneira, Cidade Nova, Nova Marabá. No nome de seus distritos, o quarto maior município do Pará parece tentar sempre se reinventar. Alvo de intensa migração pela presença da mina da Vale, Marabá sofre de um mal alimentado sonho de gigantismo. Uma espécie de ressaca causada pela acomodação, pelo fim ou, simplesmente, pela inexistência ou inviabilidade de megaprojetos. A cidade, que ambiciona o posto de capital de um novo estado, o de Carajás, não abriga sequer a mina de ferro, cuja sede é em Parauapebas.

De 2007 a 2010, sua população aumentou em 37 mil pessoas, alta de 20%. Ao mesmo tempo, foi anunciada e suspensa a megassiderúrgica da Vale, a Aços Laminados do Pará (Alpa), investimento de R$ 5,2 bilhões. O problema é que, a Alpa dependia de outro superempreendimento, o da Hidrovia Araguaia-Tocantins, para escoar os produtos. A hidrovia esbarrou em 43 km de pedras no leito do Rio Tocantins. Para que seja navegável no trecho, o rio precisa ver detonadas as rochas que formam o Pedral do Lourenço. Orçada em mais de R$ 500 milhões, a obra chegou a ser incluída no PAC, mas foi retirada após suspeitas na licitação.

— A Vale diz que não faz a Alpa porque não tem a hidrovia e não sai a hidrovia porque não tem a Alpa — reclamou o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) no Senado.

O diretor geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), o general Jorge Fraxe, disse que “com ou sem Vale” o projeto será licitado na primeira quinzena de maio.

 

Marabá tem escola instalada em curral, onde estudam 860 alunos FOTO: Michel Filho / Agência O Globo
Marabá tem escola instalada em curral, onde estudam 860 alunos FOTO: Michel Filho / Agência O Globo

 

Sem luz, sem saneamento e sem ruas asfaltadas

O gigantismo dos projetos da Vale contrasta com a pobreza da população de Marabá. São 30.754 vivendo em extrema pobreza, das quais 13% vivem sem luz ou fornecimento adequado de água. Cerca de 13 mil pessoas não têm sequer banheiro em suas moradias. Pelo menos 21 mil trabalhadores não contam com carteira assinada.

A maioria das ruas é de terra, e o esgoto corre a céu aberto. Cerca de 30% da cidade são formados por ocupação ilegal, sem infraestrutura básica. Nada menos que 84% dos domicílios têm saneamento inadequado ou “semi-adequado”. Com uma média de um assassinato a cada 36 horas, Marabá está entre os 10 municípios com maiores taxas de homicídio do Brasil e, no Pará, ocupa o segundo lugar.

O ícone do bolsão de pobreza marabaense é uma escola no bairro Coca Cola: os professores lecionam num curral. Para os cerca de 800 alunos, melhor estudar no curral com teto de zinco quente do que enfrentar o perigo da travessia da Transamazônica ou da ferrovia da Vale, que cortam a cidade e são inevitáveis para os alunos dali para alcançar outras escolas.

— Até 2010 o bairro tinha 180 crianças de 5 a 7 anos fora da escola. Mas logo no primeiro ano apareceram 450 e vimos que eram mais do que sabíamos. Em 2012, matriculamos 750 e este ano já são 860. Aqui é difícil — diz Manoel Araújo Cardoso, diretor da unidade.

Amar ou odiar

Segundo o diretor, uma nova escola está sendo erguida, mas antes mesmo da inauguração já se sabe que será insuficiente para abrigar todos os alunos. Segundo a Prefeitura, o número de alunos superou este ano em 5.600 o número de vagas.

A Fundação Vale informou que, entre 2009 a 2012, aplicou R$ 24 milhões em ações educacionais no município. Por conta de um novo projeto de mineração, o Salobo, de extração de cobre e ouro, foram mais R$ 14,8 milhões para educação, saúde e infraestrutura em Marabá e Parauapebas. A Alpa, que ainda não aconteceu, já investiu R$ 23 milhões para fazer o Plano Diretor de Marabá e a implantação de um Disque Denúncia, entre outros projetos.

— Marabá é a cidade que mais sente os efeitos da migração. Para duplicar a rodovia, a Vale disse que investiria R$ 26 milhões, mas boa parte do dinheiro era para tirar as pessoas da área que ela pretende ocupar. Isso não é investimento social, é remoção obrigatória. Não vamos aceitar mais isso. Ou a Vale vai nos amar ou vai nos odiar — diz o prefeito João Salame, que assumiu o cargo em janeiro passado.