Hiran Bichara nos concede entrevista.
Hiran Bichara nos concede entrevista.

Morre Hiran Bichara, um dos mais ativos protagonistas da História de Marabá.

Aos 87 anos, ele não resistiu a complicações agudas em órgãos vitais, vindo a falecer nos primeiros minutos desta terça-feira, 13, em Belém, onde se encontrava internado numa clínica desde a última sexta-feira, 9.

Pai de quatro filhos (Jorge Bichara, atual candidato a prefeito de Marabá, da Coligação “Certeza de um Novo Tempo” -, Georgina, Evaldo e Hiran Junior) que teve com sua mulher Nazaré – falecida -, Hiran acompanhou de perto o surgimento da cidade.

Eu tive a oportunidade de conhecê-lo, em 2012, por ocasião da entrevista que fiz com ele, ao lado do parceiro Ramon Cabral, da Casa da Cultura de Marabá, para integrar o livro “Marabá, Ontem e Hoje”, alusivo aos 100 anos do município, uma publicação da Vale, produzido pela Temple Comunicação.

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A obra, como todos sabem, é rica em depoimentos de pessoas antigas da cidade, verdadeiro patrimônio da memória viva de diversas gerações.

A entrevista de Hiran nos foi concedida na própria Casa da Cultura, para onde o entrevistado se deslocou, atendendo gentilmente nosso convite, e impressiona pela contundência emocional com que ele relembra fatos, transportando-nos a visitar tempos de um lugar desbravado por homens e mulheres corajosos, que tinham na determinação vocação para construir novos mundos.

Ouvindo “seu” Hiran, desnudamos um pouco nosso passado.

Sabe-se das  ruas da cidade iluminadas por lampiões em postes de madeira, acesos, toda noite, por algum funcionário da prefeitura – muito antes  do então prefeito Augusto Dias implantar  energia à caldeira.

Recordo-me do entrevistado emocionar-se, ao falar do pai Jorge Bichara Gantus – um sírio-libanês que aportou  em Marabá no início do século XX, para ajudar a construir o pequeno torrão, pouco tempo depois de Francisco Coelho desembarcar na foz do Itacaiúnas.

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E aquele tempo era  mesmo para os fortes.

“Não existia avião, não  existia barco, era um dia atravessando o rio a nado, outro dia era no mato fazendo picada pra poder chegar em Marabá”, contou “seu” Hiran, com os olhos e voz embargada denunciando tempos saudosos – difíceis, mas saudosos.

Quem não tem saudade de sua História?

O que mais no empolgou, ouvindo seu Hiran falar, foi a paixão dele pelo cinema.

Era amor demais pela sétima Arte!

Em 1937, “seu’  Bichara pediu ao pai Jorge a compra de uma máquina de exibição de fitas cinematográficas.

Surgia, ali, o primeiro e único cinema da cidade, por várias décadas, improvisado na casa onde moravam.

Tempos depois, o pai construiu o Cine Marrocos, até hoje existente na rua Lauro Sodré, agora transformado, pela prefeitura, em cine teatro.

Bom lembrar que, no Brasil,  o  primeiro cinema foi inaugurado em 1909,  Cine Soberano,  no Rio de Janeiro.

E não foi fácil, naquele tempo, quando a cidade tinha pouco mais de 3 mil habitantes, sobreviver à custa de bilheterias.

“Eu começava a trabalhar (exibindo filmes) e de repente acabava o crédito, tinha de parar e procurar dinheiro em outra coisa para poder voltar a funcionar (o cinema), porque  em cinema ninguém podia ficar devendo,  o pagamento (dos filmes) era adiantado. Eu fechava o cinema, passava seis meses trabalhando, reunia dinheiro, pagava as empresas (distribuidoras de filmes) e começava  de novo. Fui fechando e abrindo (o cinema), até que depois de onze anos consegui me firmar. Marabá cresceu um pouco e já começou a sustentar o cinema”, contou.

“Seu” Hiran espalhou salas de  cinemas por várias cidades: Tucuruí, Imperatriz, Conceição do Araguaia, Carajás, Curionópolis, Jacundá, e duas salas em Marabá.

Ele construiu seu patrimônio levando diversão e cultura para comunidades da região – através do cinema.

Também foi político.

Por quatro legislaturas, ocupou cadeiras na Câmara Municipal de Marabá.

E também presidiu a Casa.

Isso num tempo em que vereador não era remunerado.

E a eleição para presidente da Câmara era feita através de sorteio.

Não apenas político e fomentador da diversão e da cultura.

Hiran Bichara era amante do samba.

O carnaval, com ele à frente dos blocos e de animados encontros em sua casa, ganhava formas de intensa alegria.

O amor pelo samba extrapolava limites.

“Até hoje tenho uns mil discos (vinil)  de samba”, gabou, durante depoimento para o livro.

Trasladado  para Marabá, o  corpo de Hiran Bichara está sendo velado na Igreja Nossa Senhora da Conceição, no bairro Novo Horizonte.

O enterro ocorrerá amanhã, às 9 horas, no cemitério da Velha Marabá. (ELIANE GOMES)

Na cabine de projeção do Cine Marrocos, Hiran Bichara, ao centro, recuperando películas para exibição.
Na cabine de projeção do Cine Marrocos, Hiran Bichara, ao centro, recuperando películas para exibição.

 

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Atualização às 14:17

 

O horário do enterro do corpo de Hiran Bichara é hoje, às 17 horas, no cemitério da Velha Marabá.