Como o blog anunciou, aqui serão publicados artigos refletindo posições contrárias e a favor da divisão territorial.

Hoje, reproduzimos manifestação de um técnico.

Em entrevista ao Brasilianas.org, o diretor do Departamento de Geografia da UFPA, João Marcio Palheta, deu a seguinte resposta ao repórter Bruno de Pierro, quando perguntado se a criação de novos Estados resolveria o problema territorial do Pará:

 

Resolveria o problema dos conflitos políticos, daqueles que não se sentem tão bem beneficiados pela política paraense. Mas da população em si nem um pouco. A população tanto do Tapajós quanto do Carajás, aqueles que realmente precisam de educação, saúde e emprego, continuariam na situação em que estão. A disputa pela criação de novos Estados é política e tem um discurso de uma elite política econômica, que não é o mesmo da sociedade. Para se ter uma idéia, se você fizer essa pergunta, até mesmo para os políticos que pleiteiam os novos Estados, eles não saberão dizer.

O conceito de identidade territorial dessas populações, principalmente Carajás, não existe. Talvez Tapajós tenha um pouco, por conta da questão do rio, das tradições, mas mesmo assim essa identidade toda do Tapajós, que é muito mais antigo, essas mudanças econômicas que ocorreram nos últimos 30 anos – tanto em um, quanto no outro – alteraram pouco a configuração da política local. Distanciaram-se um pouco do regionalismo paraense, mas ao mesmo tempo não criaram seus próprios regionalismos. É um discurso muito frágil, que não resolve o problema da população, que precisa de saneamento, educação, hospitais.

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A seguir, a entrevista, em sua integridade:

 

Do ponto de vista técnico, como se implantaria uma mudanças dessas? Como deveria ser feita a demarcação territorial, levando em conta a geografia, os aspectos ambientais?
Essa formação é muito mais relacionada a arranjos políticos, que são muito mais consolidados do que aqueles velhos recortes regionais, em que o limite era um rio ou um acidente geográfico. E é um arranjo político condicionado mais pelo aspecto econômico, do que necessariamente pelas condições da sociedade. Se você olhar as hidrelétricas, os grandes projetos que estão dentro dessas regiões [de Tapajós e Carajás], como Belo Monte, que está na região de Tapajós, e Tucuruí, em Carajás, verá que o recorte é econômico, geoeconômico. E a disputa política é pelo uso dos recursos hídricos pelos royalties da água e, principalmente, da mineração.

Quando que de fato começou essa discussão da divisão do Estado do Pará?
A do Tapajós é muito mais antiga, mais de 100 anos. Carajás é muito mais recente, no sentido dessa questão homogênea, que pega mais de 30 municípios. A discussão do Tapajós é uma questão histórica, dos levantes contra o poder em Belém, a questão das elites e do abandono; nesse sentido, o povo de lá tem muito mais identidade, essa migração não foi tão intensa, os grandes projetos não foram tão intensos no processo histórico. Carajás é muito mais recente, pela miscigenação que teve de projetos e pessoas migrando de outros Estados a partir de 1990, o que não é ruim. Mas isso ajudou na desconstrução da identidade [em Carajás], diferente de Tapajós, onde esse processo foi menos intenso, essa mobilidade populacional de fora. Santarém, por exemplo, foi alvo de gaúchos.

Qual o peso da questão indígena nisso?
A questão indígena, por incrível que pareça, nessa disputa territorial de desfragmentação e criação de novos Estados, foram passadas por cima pelos interesses de outros. É a briga política de quem vai administrar os recursos dessa nova dinâmica que construiu as novas territorialidades.

E é a dinâmica dos novos projetos que vieram e trouxeram consigo um conjunto de populações de outros Estados. Esses projetos que atraíram essas populações criaram novas territorialidades. No passado, tínhamos colonos, hoje temos Movimento dos Sem-Terra (MST), Sindicato dos Metalúrgicos, profissionais liberais, como médicos, advogados. Essa dinâmica forjou uma pseudo-identidade em Carajás, e reforçou um pouco a identidade de Tapajós. Hoje, a soja está entrando em Santarém, o que leva a uma briga dos grandes proprietários com os pequenos.

Dois grandes temas relacionam-se diretamente com o Pará, que é a construção da usina em Belo Monte e o novo Código Florestal. Os dois tocam em questões de território e impactos sociais: Belo Monte, envolvendo discussões sobre os impactos que a obra pode causar nas comunidades indígenas e ribeirinhas; e o Código Florestal, cuja proposta em trâmite no Senado tenta diminuir as áreas de preservação permanente, o que ajudaria o pequeno agricultor. A criação de novos Estados ajudaria ou atrapalharia os pequenos agricultores e a agricultura familiar? Como ficaria a questão dos módulos de terras cultiváveis?
O Pará ficaria reduzido basicamente ao nordeste paraense e à questão da Ilha do Marajó. O problema é que temos no Pará a seguinte questão: nós temos um Estado grande, ou nós temos uma política pequena? Parece que a resposta está muito mais próxima da segunda opção. Mesmo o Pará não conseguiu dar conta de favorecer uma agricultura de, principalmente, uma população que veio em busca de terra. E nem os novos Estados darão, porque também reforçam o discurso do latifúndio, assim como reforçam o discurso das hidrelétricas. Belo Monte é importante para o Brasil, mas por que não se torna importante para os paraenses e as pessoas de Tapajós e Carajás?

Por exemplo, durante muito tempo a hidrelétrica de Tucuruí passou por cima de municípios. É necessário que você crie outra lógica de Estado, que pense nas suas populações tradicionais (indígenas, ribeirinhos e quilombolas), mas também contemple essa dinâmica que veio devido a esses grandes projetos. O Estado do Pará não tem uma política agrícola e agrária, que contemple essas diferenças, tanto o grande quanto o pequeno produtor. E não seria a fragmentação que daria isso.

Nós temos um Código Florestal (o “antigo”), que tinha certa regulação territorial. Já o novo código é permissivo demais, fará com que tenhamos muito mais desmatamentos. E o Estado do Pará desmata muito, mas não é o pequeno agricultor, mas sim o grande proprietário, que desmata para a pecuária, a soja. A anistia [àqueles que desmataram antes de 2008] é maléfica à estrutura da democracia brasileira. Não é possível você perdoar, porque não se colocou em risco apenas o ecossistema, mas também uma cultura de um povo que vive na região amazônica.
O plebiscito deve ocorrer nos próximos seis meses. A sociedade está preparada para decidir isso?
Plebiscito é uma consulta, isso não quer dizer que o Estado brasileiro vá aceitar essa consulta. Nós não temos um estudo de viabilidade econômica e social que colocou os diferentes atores e a representação dos atores sociais do Pará num debate sobre quê Estado nós queremos e se essa fragmentação traz benefícios à sociedade. Isso não existe. Se pegarmos o estudo de viabilidade econômica feito, é no mínimo risível.

Não se colocou, na mesma mesa, os grandes atores, ou seja, a Vale, os agricultores, os grandes proprietários, as organizações científicas da Amazônia.

E o que acontece é que há uma manipulação de muitos políticos que se aproveitam da situação de miséria do povo paraense, e utiliza esse discurso como se, para essas pessoas que vivem na miséria, houvesse uma mudança na qualidade de vida. O discurso não é da sociedade, mas de políticos oportunistas, que hoje fatiaram o Estado do Pará em três partes.

Mas as três partes teriam alguma autonomia com relação aos demais Estados?
Belém já conseguiu certa autonomia, com o porto de Vila do Conde e a dinâmica do Marajó. Teremos o nordeste paraense com outra dinâmica, e que entra a questão de olhar a costa que fica em Salinas (o município de Salinópolis) e a questão do Pré-Sal com a exploração da Petrobras. O Pará sobrevive, apesar da diminuição dos recursos.

Mas o discurso não deve ser pautado somente por questionamento sobre se serão viáveis economicamente. O discurso tem que ser: o que, de fato, as sociedades que existem nesses territórios terão com relação a ganhos na qualidade de vida? Se o Estado do Pará é centralizado em Belém, e se tem as regiões de Tapajós e Carajás atrasadas, é responsabilidade dos políticos que hoje fazem o discurso da fragmentação. Eles é que são responsáveis pelas gestões municipais.

Temos minas, mas só recentemente tivemos [a criação de] cursos de engenharia de minas. Temos uma costa significativa, mas não temos cursos de engenharia naval; temos uma floresta exuberante, e só a Universidade Federal do Amazonas tem curso de engenharia florestal (a Universidade Federal do Pará não tem). Precisamos definir o que queremos e o que falta, para que a população local tenha ganhos. Além disso, precisamos discutir a agricultura familiar, a reforma agrária, a corrupção. Isso os políticos não discutem; querem, sim, discutir o “sim e o “não”, se fragmenta ou não. Só assim, a sociedade se sentirá legitimada a dizer se quer, ou não, um novo Estado.