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O ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, propôs ao Congresso Nacional quatro mudanças à chamada MP da Amazônia (458) que coincidem com os interesses dos negócios do banqueiro Daniel Dantas na região. Mangabeira prestou consultoria jurídica para a Brasil Telecom quando a empresa era comandada pelo Grupo Opportunity, de Dantas, entre 2002 e 2005, nos Estados Unidos.
Os parlamentares acolheram parcialmente três dos quatro itens propostos pelo ministro, incorporados à proposta pelo relator da MP na Câmara, Asdrúbal Bentes (PMDB-PA). As recomendações, às quais oCongresso em Foco teve acesso (leia mais), foram apresentadas por Mangabeira ao relator durante a tramitação da medida provisória na Casa.

Há três semanas, o ministro voltou a apresentar o documento durante reunião interministerial que tratou do assunto antes de a MP ser aprovada pelo Senado, no último dia 3. A medida provisória, que legaliza cerca de 67 milhões de hectares de terras na Amazônia Legal, ainda causa polêmica e divide o governo mesmo após sua aprovação no Congresso.

O relator da MP da Amazônia na Câmara teve papel decisivo na redação do texto que está nas no Palácio do Planalto para ser apreciado pelo presidente Lula. Apesar dos protestos da senadora Marina Silva (PT-AC), ex-ministra do Meio Ambiente, o Senado aprovou a versão encaminhada pelos deputados e apoiada pela bancada ruralista, com a alegação de que não haveia tempo hábil para eventuais alterações, o que implicaria o retorno da matéria à Câmara.
Lula tem até o dia 25 de junho para sancionar a lei de regularização de terras na Amazônia. Os ruralistas pressionam para manter o texto aprovado pelo Congresso. Os ambientalistas tentam convencer Lula a vetar as alterações que beneficiam pessoas jurídicas. As mudanças feitas pelos congressistas coincidem com interesses de grandes grupos do agronegócio instalados na região, como a Agropecuária Santa Bárbara, de propriedade de Daniel Dantas.
Terra fora da Amazônia

Asdrúbal Bentes acolheu a quase totalidade das sugestões de Mangabeira e aproveitou uma quinta sugestão do ministro – que não se enquadrava nos limites do grupo do banqueiro – para eliminar uma restrição que impediria a Santa Bárbara de legalizar as terras que mantém na região.
O ministro pedia que proprietários de terras com até um módulo fiscal (que varia de tamanho de estado para estado) fora da Amazônia pudessem ser beneficiados pela MP. Ele sugeria aos parlamentares que alterassem a redação do inciso II do art. 5° da medida provisória.
O inciso não foi alterado. Mas o relator na Câmara acrescentou outro dispositivo na MP para autorizar a participação, mediante processo licitatório, de pessoa jurídica que tenha propriedade rural de qualquer tamanho fora da Amazônia.
A medida abriu caminho para a Santa Bárbara, que possui 510 mil hectares de terra, distribuídos em 28 fazendas, a maioria delas localizada no Pará. Caso a mudança não tivesse sido acolhida, o grupo de Daniel Dantas ficaria proibido de participar do processo porque é dono da Estância Santa Bárbara, situada em Uberaba (MG).
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Secretaria de Assuntos Estratégicos rechaçou qualquer relação entre as propostas do ministro e os negócios do banqueiro na Amazônia. “Nada no processo de elaboração da MP 458, de sua tramitação no Congresso, ou de sua implementação pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, tem a mais remota ligação com qualquer empresário”, diz a nota enviada pela assessoria do ministro. (leia a íntegra da Nota do Ministro)

Desmatamento
No documento apresentado aos parlamentares, Mangabeira pediu ao Congresso que excluísse da MP da Amazônia o artigo que previa a devolução à União das terras do proprietário que descumprisse as normas ambientais. Na justificativa, ele alegou que “não há razão para punição tão absurdamente desproporcional à infração”.
O Congresso manteve o artigo, mas flexibilizou o texto, atendendo parcialmente à reivindicação do ministro. No lugar da punição por descumprimento à legislação ambiental, o texto aprovado restringiu a perda da terra ao proprietário condenado por “desmatamento que vier a ser considerado irregular em áreas de preservação permanente ou de reserva legal”.
A mudança no artigo coincide com outro interesse do grupo agropecuário de Dantas. No último dia 1°, o Ministério Público Federal (MPF) no Pará e o Ibama divulgaram rastreamento de empresas pecuárias que contribuem para a devastação na Amazônia. O MPF iniciou 21 processos judiciais contra fazendas e frigoríficos, incluindo o grupo de Daniel Dantas. “Entre as fazendas irregulares, nove pertencem à agropecuária Santa Bárbara, dos empresários Verônica Dantas e Carlos Rodenburg”, diz o texto divulgado pelo MPF.
Duas ações judiciais do Instituto de Terras do Pará (Iterpa) questionam a posse das fazendas Espírito Santo e Castanhal Carajás, ambas pertencentes ao grupo Santa Bárbara. Segundo a denúncia, apesar de terem autorização para produzir castanha-do-pará, as terras estavam sendo usadas para a produção de gado, o que contraria a legislação ambiental.
No caso da fazenda Castanhal Carajás, o Iterpa pede a retomada da área para a União. A Justiça acolheu ainda uma medida cautelar pedindo o bloqueio da matrícula dos registros imobiliários da fazenda.
Venda de terras
Mangabeira também propôs retirar a exigência de que os beneficiados pela MP fiquem proibidos de vender a terra por um período. O texto original da MP estabelecia o prazo de dez anos para a transferência do título da terra. O ministro foi atendido parcialmente. Na proposta aprovada pelo Congresso, os deputados reduziram para três anos o prazo de venda de propriedades entre 400 hectares 1,5 mil hectares. Mas mantiveram o prazo de dez anos para terras menores de 400 hectares.
Na prática, a mudança poderia tornar os beneficiários da MP mais suscetíveis ao assédio do grupo de Daniel Dantas. Entre 2005 e 2008, a Santa Bárbara expandiu suas terras na região mesmo não tendo segurança sobre a regularidade dos títulos dos imóveis.
Para Mangabeira, os beneficiários da medida provisória deveriam ter o direito de negociar as terras assim que as regularizassem. O ministro classificou a proibição como “insensata” e “absurda”.
As filiais da Agropecuária Santa Bárbara estão concentradas no sul do Pará, nos municípios de Cumaru do Norte, Santana do Araguaia, Santa Maria das Barreiras, Xinguara e São Felix do Xingu. Em grande parte desses municípios estão áreas públicas federais que serão regularizadas pela MP 458.
Dados do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais, produzido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), indicam a existência de 5.168 posses a serem regularizadas, em uma área de 676 mil hectares na Amazônia. Ao todo, 5.051 estão em áreas de até 15 módulos fiscais e 4.677 em área de até quatro módulos fiscais. São áreas muito menores do que as fazendas do grupo, mas que poderão ser compradas assim que forem beneficiadas pela MP, o que geraria concentração de terra.
Em seu pedido, o ministro também foi atendido na retirada do dispositivo que estabelecia a quitação integral da dívida como condição para a emissão de título de propriedade. O ministro justificava que as terras poderiam ser pagas em até 20 anos e, mesmo após o prazo de dez anos das cláusulas resolutivas, o proprietário ficaria impossibilitado de vender a terra por até 20 anos.
O parágrafo 1° do art. 15 da MP, conforme sugerido por Mangabeira, foi excluído. Essa proposta não atende diretamente o grupo de Dantas, mas permite que a Santa Bárbara compre em menor tempo áreas no entorno de suas fazendas.

Prazos

Mangabeira não conseguiu, no entanto, estender o prazo limite de ocupação de terras a serem regularizadas. No documento, o ministro havia solicitado que a data limite de ocupação fosse alterada de 1º de dezembro de 2004 para 1° de fevereiro de 2009. Caso a mudança fosse aprovada, o grupo de Dantas entraria nos parâmetros da MP, pois foi criado no dia 2 de setembro de 2005, com sede no estado de São Paulo.
O ministro da SAE afirma que, se fosse mantido o prazo em 2004, no mínimo, 20 mil ocupações seriam excluídas desse processo de regularização simplificada.
No parecer inicial apresentado pelo relator da MP na Câmara, o prazo chegou a ser estendido para dezembro de 2008. Asdrúbal, no entanto, foi pressionado por parlamentares governistas a manter o prazo conforme veio do Executivo. O relator afirma que, antes mesmo das pressões, ele já havia decidido pelo retorno ao prazo de 2004.
“Ficaria muito difícil de distinguir e comprovar a ocupação se colocasse aquela data [2008] e isso [estender o prazo] poderia ocasionar uma séria de novas invasões. Antes mesmo das reuniões, eu já tinha decidido manter a data de dezembro de 2004”, explica o relator.
Em resposta ao site, a SAE não expôs justificativas claras para o pedido de adiamento do prazo. Por meio de sua assessoria, a secretaria afirma que “ignora esta ou qualquer situação individual, beneficiada ou não por qualquer dispositivo legal existente ou proposto”.
A MP da Amazônia tem a assinatura dos ministros do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, do Planejamento, Paulo Bernardo, das Cidades, Márcio Fortes, e de Mangabeira, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, responsável pelo Programa Amazônia Sustentável (PAS).
Legalização da grilagem
Nos bastidores da elaboração da MP, ainda em outubro de 2008, a SAE apresentou propostas que poderiam legalizar a grilagem na região. Essas sugestões estão no documento “Propostas de Simplificação Normativa e Procedimental para a Regularização Fundiária da Amazônia”. Parte dessas idéias de Mangabeira foi rejeitada pelos demais integrantes do governo que participaram do grupo de trabalho encarregado de criar a MP.
Ao sugerir alterações na Lei 6383/76, que regulamenta a regularização de terra devolutas (terras públicas que mesmo sendo usadas por particulares ainda pertencem ao Estado), a SAE abria a possibilidade para regularização de áreas na Amazônia mesmo com pendências judiciais ou “cujo título seja passível de questionamento”. A norma valeria para áreas de até 15 módulos fiscais (1,5 mil hectares).
Pela regra proposta por Mangabeira, posseiros com áreas acima desse limite também poderiam participar do processo, desde que devolvessem à União as terras “excedentes a 15 módulos”. Ou seja, grandes proprietários mesmo que tivessem obtido imóveis rurais por meio de grilagem poderiam ter parte de suas terras legalizadas.
As posições do ministro em relação à Amazônia, sobretudo, têm rendido a ele uma série de críticas da parte de colegas. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, por exemplo, queixou-se dele em audiência com o presidente Lula há duas semanas. Anteontem (17), a Secretaria de Assuntos Estratégicos divulgou nota à imprensa negando os rumores que davam conta da saída de Mangabeira do governo. “Não há qualquer problema político ou programático na relação do ministro Mangabeira com o presidente e com o governo”, sustentou a assessoria.