Passei por uma fase de negação (talvez uma crise existencial) então proclamei aos quatro cantos do mundo ser uma pessoa frustrada por não ter tido infância, adolescência etc., etc., etc…

Falava isso com tanta convicção que realmente não conseguia me lembrar de nenhum momento bom da infância. Às vezes, lembrava os ruins, aí me sentava perto de algum ouvido paciente e choramingava minhas mazelas. Coitados dos ouvidos… certamente ficaram com pena, de verdade, de mim. EU estava com pena de mim.

Como preciso lidar diariamente com crianças de 3 a 70 anos ( porque nossos alunos adultos voltam à infância quando estão na escola), passei a ler sobre o desenvolvimento infantil, teorias de aprendizagem, comportamento da criança. Para completar a busca, me inscrevi no Curso de Especialização em Educação Infantil na UFPA.

Tudo em prol do meu melhor desempenho profissional.

Desde as primeiras matérias que estudamos fomos instigados a remoer lembranças de nossas infâncias. Comecei uma busca por minha própria identidade.

Como terapia para salvar lembranças, passei a sentar com meus filhos e a contar sobre momentos que vivi na infância: as brincadeiras na lama da rua nos dias de chuva (episódio que me arrependi de ter revelado, pois usam isso agora para justificarem suas atitudes estranhas), os jogos que fiquei de fora por ser um desastre nas brincadeiras com bola, as comidinhas de mentirinha com minhas amigas, minhas aulas de Jazz no Sesi, minha primeira leitura do livro de Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho)…

Descobri-me uma mulher com infância, não sei em que momento da minha história resolvi apagar tais lembranças. Por que cargas d’água fiz isso mesmo? Não sei, e sinceramente não estou disposta a lembrar. Quero degustar esse momento bom de redescoberta dos tempos de criança quando estudei no Sesi e sonhava em ser jornalista.

O conhecimento de fato liberta, pois enquanto procurava me aperfeiçoar como educadora me encontrei como criança. Nossos professores da Especialização em Educação Infantil podem se dar por realizados, pois nossa turma tem passado por bons momentos de reconhecimento da própria identidade como educadores da e para a infância. Aprendemos a valorizar o brincar, o imaginar, a escutar a voz infantil.

Talvez não saiamos do curso com todos os conteúdos na ponta da língua, mas sairemos melhores como pessoas, melhores como professores. “Saberemos nos abaixar até nos elevarmos ao nível de uma criança”, frase esta extraída de um dos textos apresentados em sala, do escritor Francesco Tonucci, pedagogo italiano que reproduz através de desenhos seu conceito de infância.

Para brindar minhas realizações quando criança, estou escrevendo um livro infantil, valorizando o brincar como atividade essencial da infância, momento em que o faz de conta deve ser estimulado para que nossos meninos e meninas cheguem à idade adulta bem ajustados, criativos e plenos.

Nosso amigo Hiroshi irá ser o anfitrião do primeiro livro escrito por mim e ilustrado pelo Uendas, claro.

Agora é só aguardar pelo lançamento do livro que deve ser, obrigatoriamente, lido com todas as crianças que conseguir juntar ao seu redor.

 

Evilângela Lima, Educadora, diretora da Escola de Ensino Fundamental São José