Citando estrofes da canção “Beatriz”, de Chico e Edu Lobo, escrita para a peça de teatro “O Grande Circo Místico”, o juiz de Direito titular da 3ª Vara Penal de Parauapebas e vice-presidente de Prerrogativas da Amepa (Associação dos Magistrados do Estado do Pará, Líbio Araújo Moura, faz um comparativo dos versos com a vida dos magistrados: – “Quando a sociedade passar a compreender melhor a atividade dos juízes e quem são esses milhares de homens e mulheres, perceberão que choramos muito mais em quartos de hotéis, do que vivemos em paredes feitas de giz”.
É ele quem abre a série de entrevistas pautadas, aqui no blog, para a semana na qual (próxima sexta-feira, 25) a Amepa realiza o 1º Ciclo de Palestras Jurídicas do Sul e Sudeste do Pará, no auditório da Faculdade Metropolitana, de Marabá.
Líbio será um dos participantes do evento.
A seguir, a entrevista.
Para muitos, a Amepa (Associação dos Magistrados do Estado do Pará) é uma entidade que tem como objetivo fortalecer a fraternidade entre seus membros e a luta em defesa das prerrogativas dos magistrados paraenses. Claro que não é isso, a própria realização do 1º Ciclo de Palestras Jurídicas do Sul e Sudeste do Pará é uma prova, mas gostaríamos que o senhor, como vice-presidente de Prerrogativas da entidade nos desse enfoque mais amplo sobre a missão da Amepa?
Na verdade, como associação de classe a Amepa não poderia deixar de fazer a defesa de seu associado, quando entende que há alguma ofensa aos direitos da magistratura. Contudo, como o exercício da judicância é de ínsito caráter público, a Amepa assim o fazendo defende o direito de a sociedade ter um juiz livre de pressões de quaisquer grupos, sentindo-se seguro para o dever de julgar. Além disso, atualmente, a intenção da associação é aproximar o magistrado da população, forma de desfazer determinadas visões míopes da atividade do juiz, mostrando à sociedade que o trabalho do julgador não difere das demais profissões no que concerne às agruras e dificuldades, bem assim que nossa missão é apresentar soluções para atingir o ideal de uma sociedade pacificada. Esse ciclo visa dar mais um passo nesse sentido de aproximação, o que já vem sendo feito com entrevistas em rádio e TV e com a mudança de postura nos fóruns, sempre de portas abertas, conforme se percebe, por exemplo, na Comarca de Marabá.
A Amepa procura sempre qualificar seus magistrados e a excelência no exercício da profissão, promovendo debates e cursos de especialização e buscando esclarecer a sociedade acerca das atribuições dos profissionais do Judiciário?
Essa é uma necessidade que estamos passando a suprir, especialmente no que diz respeito à interiorização da Amepa, o que é prioridade na gestão do presidente Heyder Tavares. Chegou o momento de mostrarmos os nossos desafios de forma mais clara a todos os rincões desse estado continental. A transparência nesse sentido facilita nosso trabalho, pois, como disse acima, desmistifica a imagem de inacessível que o magistrado ainda tem por alguns.
Há troca de intercâmbios com escolas de magistraturas nos estados e outras instituições de ensino, investindo, assim, na excelência no exercício da profissão, bem como na consolidação da cidadania brasileira?
Esta pergunta tem caráter mais institucional, do próprio TJE, mas o que vemos é um investimento do tribunal na melhoria da Escola da Magistratura, atualmente sob a direção do ex-presidente do TJ, Des. Rômulo Nunes, inclusive oferecendo especializações e palestras, em parceria com instituições de renome na educação jurídica.
Como o senhor analisa as recentes aparições na imprensa de denúncias contra juízes e desembargadores, inclusive com a pronta intervenção da ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça, declarando que no Judiciário existem “bandidos de toga”?
Creio, na realidade, que um maior número de destaque na imprensa sobre apurações contra juízes derive de uma democratização crescente no Poder Judiciário, não havendo atualmente espaço para um corporativismo contrário ao interesse público. Quanto mais transparência, maior será o número de apurações de condutas eventualmente desvirtuadas. No entanto, não podemos olvidar que juízes também devem ter resguardada a apuração pelos princípios constitucionais de defesa e presunção de inocência, razão pela qual não concordamos com alguns espetáculos midiáticos em casos pontuais, em que a intenção é o mero achincalhe pessoal, sem responsabilidade alguma dos grupos que a patrocinam. Não podemos, nós que somos responsáveis pela garantia do devido processo legal, sermos julgados sem que essas mesmas garantias não nos valham. É uma contradição que em algumas situações pontuais ocorrem.
O senhor, particularmente, concorda com as afirmativas da corregedora?
A afirmação da Corregedora Nacional estava em um contexto, justamente em que ela mencionava a transparência nas apurações contra juízes. Não se tratou de uma agressão. Por óbvio, todas as profissões abrigam pessoas que cometem equívocos e na magistratura esses erros sobressaem. Não podemos tolerar magistrados corruptos e eles devem ser expurgados da carreira. Mas, diga-se sempre, é preciso que a identificação desses casos seja feita com cautela, para que a imensa maioria dos juízes probos não tenha a imagem jogada na vala comum por um percentual inferior a 0,1%. Somos mais de 15000 (quinze mil) juízes no Brasil e raros são os eventos equivocados. Ademais, volto a afirmar que certos grupos, especialmente ligados ao crime organizado, têm interesse em melindrar a magistratura e declarações como a da Corregedora do CNJ são distorcidas para que a população tenha uma impressão errônea e sejam feitos espetáculos pirotécnicos contra os juízes.
E quanto a afirmativa a mesma ministra de que o maior problema da Justiça está nos tribunais e não na primeira instância, qual a sua avaliação dessa declaração?
Há a necessidade atual de uma reformulação do sistema legal brasileiro na direção de facilitar (desburocratizar) a aferição das causas, dispensando rigores que não passam de formalismo, por exemplo, o relatório das sentenças. Isso engloba todas as instâncias. Por outro lado, a legislação precisa blindar os tribunais contra recursos protelatórios, resguardando-os, especialmente, o STF, para as causas de conotação geral. Por exemplo, cada um dos 11 ministros do STF recebe por ano cerca de 10.000 (dez mil) novas ações, enquanto a Suprema Corte Americana julga 100 casos ao ano. A missão é impossível de ser vencida. Os tribunais têm causas originárias, ainda, ou seja, aquelas que são de sua competência exclusiva apreciar. É uma demanda invencível.
Particularmente, o senhor concorda com a aplicação da aposentadoria compulsória como forma de punição a juízes no Brasil?
A discussão não pode ser posta em forma de múltipla escolha. A aposentadoria compulsória é a pena máxima administrativa. Mas um mesmo fato gera responsabilidade penal e civil, ainda. Assim, de forma administrativa, um magistrado será aposentado como pena máxima. Se na esfera criminal for condenado à pena superior a 4 (quatro) anos perderá o cargo sem nenhum vencimento, nos termos do art. 92, II, b do Código Penal. Na esfera cível, se desviou recursos públicos, deverá devolvê-los. Assim, errônea a divulgação que a pena máxima a um magistrado seja a aposentadoria. Ela o é na esfera administrativa. E, em verdade, o juiz recebe o que, corretamente, contribuiu para a previdência, como o recebe um preso condenado por delito hediondo, por exemplo.
Na sua avaliação, como conhecedor dos problemas do judiciário da região sudeste do Estado, titular da 3ª Vara Penal de Parauapebas, qual a contribuição que um ciclo de palestras como esse a se realizar em Marabá pode contribuir para a melhoria da performance da Justiça regional?
O ciclo terá a função de reciclagem aos colegas que ficam distante dos grandes centros de difusão do conhecimento jurídico. Ainda que a internet hoje possibilite a atualização dos juízes, o contato e a troca de experiências presenciais ainda são instrumentos eficazes. Além disso, o ciclo permitirá a formação de público para que discussões jurídicas não fiquem apenas restritas à capital e, por fim, permitirá que façamos a divulgação de um novo perfil da magistratura. Para obra de teatro “O Grande Circo Místico”, Chico Buarque e Edu Lobo compuseram a canção “Beatriz”, que fala sobre o final do espetáculo em que público fica questionando sobre a vida da atriz: “Será que ela mora num arranha-céu, se as paredes são feitas de giz ou se ela chora num quarto de hotel, ah se eu pudesse entrar na sua vida”. Quando a sociedade passar a compreender melhor a atividade dos juízes e quem são esses milhares de homens e mulheres, perceberão que choramos muito mais em quartos de hotéis, do que vivemos em paredes feitas de giz.