Transcrevemos, na íntegra, o longo despacho da decisão do  Juiz  Federal  Antonio Correa, Titular da 9.ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, suspendendo a reunião de domingo da OAB Federal para apreciar o caso do terreno de Altamira, concedida liminarmente, hoje.

Como o “Caso Altamira” ganhou dimensão de escândalo nacional e a decisão da JF,  certamente,  vai alterar ânimos e humores de muitos advogados envolvidos na questão, ou suscitará caloroso interesse da distinta plateia do mundo jurídicio paraense, consideramos de interesse coletivo a publicação  integral do despacho:

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D E C I S Ã O

Ocorreu um fato no mundo fenomênico, que foi a autorização concedida para a alienação de um terreno situado na cidade de Altamira, Estado do Pará, pela detentora do domínio, no caso a Seção do Estado do Pará da Ordem dos Advogados para que com o produto fosse adquirido outro e construída a sede da Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil na mesma cidade.

A autorização foi concedida pelo Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil da Seção do Estado do Pará e determinada a outorga de mandato. Foi encarregada de obter as assinaturas e todos a subscreveram, exceção do Advogado que ocupa o cargo de Vice-Presidente, de nome Edvaldo Pinto, a qual foi objeto de contrafação pela empregada Cynthia Portilho, que cumpria ordens do superior hierárquico.

Constatada a contrafação da assinatura, o interessado na compra do bem, que é o impetrante, resolveu desistir da aquisição e postulou a restituição do valor pago, fazendo a devolução dos documentos que lhe haviam sido entregues para preencher os requisitos junto ao Cartório para obter a translação da propriedade.

Tomando conhecimento da autorização para a realização do negócio jurídico de compra e venda, que não chegou a ser concluído, os Diretores da Subseção de Altamira formularam representação junto ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, alegando que se consumada a venda do bem para um advogado permitiria a ele obter vantagem em face da localização e também porque o domínio era detido pela Subseção e não pela Seção Estadual e mais, porque o comprador era Conselheiro do Conselho da Seção Estadual, o que poderia implicar em fraude.

A representação imputava ao Presidente da Seção do Estado do Pará, Jarbas Vasconcelos e ao Vice-Presidente, Alberto Campos, e ao impetrante, Robério Abdon de Oliveira, a prática de ilícito. Nessa representação foi formulado pedido de intervenção na Seção do Estado do Pará, em sede de liminar, e afastamento da Diretoria e do impetrante dos respectivos cargos e a abertura de processo ético-disciplinar e de instauração de inquérito policial para apurar as condutas típicas dos envolvidos.

O Vice-Presidente do Conselho Federal Alberto de Paula Machado, de posse do requerimento, criou Comissão de Sindicância com determinação para apurar os fatos e apresentar relatório para ser submetido à apreciação da Diretoria do Conselho Federal.

Na execução da diligência, foram convidados os integrantes do Conselho Estadual para serem ouvidos em depoimentos na qualidade de “convidados” e no “relatório” consta que não foram encontrados elementos para ser decretada a intervenção. Quanto ao protesto levantado pelo Presidente da Seção Estadual, afirmou que estava apenas coletando elementos e que, na fase posterior, se instaurado procedimento, lhe seria direito à ampla defesa e ao contraditório.

Vem a Juízo pedir proteção o Advogado e integrante do Conselho da Seção da Ordem dos Advogados do Estado do Pará, de nome Robério Abdon D´Oliveira,

Sustenta que o relatório da sindicância que apurou fatos elaborados por advogada designada pelo Corregedor, que teria praticado infração por estar adequada à conduta descrita no artigo 34, inciso XXV do Estatuto, e permitia ser instaurado, ex ofício, processo disciplinar, devendo ser formulada representada criminal pela conduta.

Diz na inicial que endereçou petição para o Presidente da Comissão de Sindicância, apontada como autoridade coatora, afirmando ser parte legítima para figurar no processo e que teria sido informado pelo Presidente da Seção Estadual que o Conselho Federal, pela sua Diretoria Executiva, teria acolhido o relatório e opinado pela intervenção na Seção do Pará.

O requerimento não foi acolhido pela autoridade coatora, a qual deliberou com os demais membros, a notificação do Conselho para apresentar defesa com base no artigo 81 do Regulamento.

A petição foi indeferida sob fundamento de que não se trata de processo de intervenção liminar e identificação de eventuais imputados, mas mera colheita de provas dos fatos.

Também rejeitou a intervenção dos Conselheiros da Seção do Pará como interessados na solução da lide administrativa.

Conclui pedindo proteção em sede liminar, para suspender o andamento do processo de sindicância, que irá ser submetido à apreciação da Diretoria e poderá levar à decisão de “intervenção na Seção do Estado do Pará” e também busca aplicar sanção e perda do cargo de Conselheiro na Seção estadual.

Mais que, quando da sentença de mérito, seja confirmada a liminar e sejam anulados ou declarados nulos todos os atos processuais e procedimentos realizados pela comissão de sindicância, a partir do ato que ratificou o procedimento, por não terem sido cumpridos preceitos legais.

E mais ainda, concedida a segurança seja determinado o cumprimento de obrigação de fazer, que é de autorizar o seu ingresso na relação processual e de participar como litisconsorte passivo ou interessado no procedimento administrativo de sindicância.

A petição não é muito clara na narrativa, falhando na identificação do impetrante. Este, contudo, aparece como membro do Conselho da Seção do Estado do Pará da Ordem dos Advogados do Brasil.

A referida Seção, dizendo-se titular do domínio de imóvel na cidade de Altamira deliberou alienar o bem, tendo sido chamados interessados pela imprensa, e se apresentado o impetrante, que formulou lanço e iria adquirir o bem mediante pagamento do preço. Foi designada a Advogada Luciana Figueiredo Akel Fares para em nome do detentor do domínio praticar os atos para concluir
a venda do bem.

O instrumento de mandato para outorgar o domínio para o comprador deveria receber assinaturas de todos os integrantes da Seção Estadual ou, pelo menos, da Diretoria. O vicepresidente, Evaldo Pinto, se recusou a assinar e dizem a sindicância e a petição inicial que teve a assinatura contrafeita por uma servidora, que foi apontada como possível imputada por conduta típica penal, embora haja referência de que cumpria ordem do superior hierárquico sem desvendar o seu nome.

Reclama o impetrante da representação formulada pelos advogados que integram a Subseção de Altamira, na qual requerem a apuração dos fatos e a intervenção na Seção do Estado do Pará pelo Conselho Federal com designação de interventores de sua confiança.

A sindicância foi acolhida e, ao que parece, transformada em procedimento de intervenção, tanto que foram notificados os integrantes da Diretoria da Subseção ou seus Conselheiros para
apresentarem defesa.

O interesse jurídico do impetrante se configura dada a sua condição de Conselheiro da Seção Estadual e também por ter sido o interessado na compra do imóvel, oferecendo lanço para sua aquisição.

Em sendo admitido que sindicância, sem respeito às garantias processuais constitucionais, e o relatório final elaborado pelo designado que colheu os elementos de convicção aceitos como verdadeiros pelos demais integrantes da Comissão presidida pela autoridade coatora Alberto de Paula Machado, e elevada ao Conselho Federal, e for permitido que seja acolhida e decretada à
intervenção, estará configurado ato administrativo praticado com abuso de poder.

A Ordem dos Advogados do Brasil, disciplinada pela Lei n.º 8.906, de 1994, criou um sistema federativo de administração, competências e patrimônio.

Diz o artigo 45, parágrafo 2.º que “os Conselhos Seccionais, dotados de personalidade jurídica própria, têm jurisdição sobre os respectivos territórios dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Territórios”.

A competência do Conselho Federal está disciplinada no artigo 54, e entre elas consta que detém a de (VI) “adotar medidas para assegurar o regular funcionamento dos Conselhos Seccionais” e (VII) “intervir no Conselho Seccional, onde e quando constatar grave violação desta Lei ou do Regulamento Geral”.

Os comandos referidos são normas caracterizadas pelo princípio de “conceito aberto”.

Estas normas devem ser preenchidas pelo interprete e aplicador da lei, com motivação das razões da prática do ato, amparadas em prova em que esteja demonstrada a praesuntio hominis.

No processo civil e no administrativo, diferente do Direito Penal, não se exige prova plena para aplicar sanção. As provas nas duas esferas, que recebem denominação de extrapenal, conforme ensinamentos da doutrina1.

Neste tipo de processo, a prova deve ser convincente. Convincente, neste campo instrumental, deve ser considerada a supremacia daquelas trazidas por uma das partes em conflito. Como então se chegar à supremacia se não foi permitido o exercício de defesa?.

Como não foi autorizado o contraditório, garantia constitucional do cidadão, não se pode permitir a intervenção no Conselho da Seção do Estado do Pará, afastando todos os Conselheiros sem permissão para se defenderem.

Não se pode olvidar que consta do relatório, segundo consta da inicial, afirma que o “Conselheiro Robério faltou com a ética ao adquirir imóvel da OAB mediante informação privilegiada em processo do qual teve ativa participação, inclusive cobrando das funcionárias a elaboração de procuração pública a favor de sua colega com poderes para firmar a escritura de compra e venda do terreno situado em Altamira, antes do Conselho se posicionar sobre a única oferta e por valor inferior ao preço que sabia constar. Mais, faltou com a ética ao não se ater ou não justificar a sua proposta perante o Conselho, caracterizando comportamento não condizente com aqueles que exercem serviços públicos relevantes. E, disse mais, que os documentos e fatos caracterizam, no entender da signatária da sindicância, que toda a Diretoria da Seção Estado e do Presidente da Subseção de Altamira estão envolvidos no episódio da venda do terreno, cujas condutas foram individualizadas e teriam sido violados os artigos 48, incisos XVII e XXV do artigo 34, ambos do Estatuto combinado com os artigos 48 e 53 do Regulamento, por inobservância dos princípios básicos de probidade administrativa na direção da entidade, inobservância dos princípios éticos e responsabilidade para com o patrimônio da instituição e os da moralidade, publicidade, igualdade e transparência, prática de atos incompatíveis com a advocacia e a prestação de concurso a terceiros para realização de atos contrários a lei ou destinado a fraudá-la.

As afirmações do relatório da comissão de sindicância condenam o impetrante, afirmando que teria praticado ato que vulnera dispositivo do Estatuto.

Exercendo mandato de Conselheiro do órgão estadual, poderá vir a ser afastado por forca das afirmações da relatora encampadas pela autoridade, em duas situações, quer pela sua intenção de vir a adquirir o imóvel quer pela intervenção no Conselho Regional do Pará.

Os conceitos abertos em normas jurídicas não podem ser interpretados para ampliar as situações. Ao contrario, a recomendação orienta no sentido de que as normas abertas devem ser preenchidas por quem a aplica. Essa orientação não permite que se eleve ao subjetivismo do interprete e aplicador dos comandos abstratos e abertos

O acolhimento da peça unilateral, que destoa do que vem sendo aplicado na prática quotidiana de que conter narrativa de fatos documentados e quem a preside, se singular, ou colegiado, se mais de um agente, deve simplesmente oferecer opinião e não imputação baseada no que apurou.

Há clara imputação ao impetrante de prática de condutas ilícitas. A lei, contudo, não proíbe a aquisição do bem imóvel pelos integrantes do Conselho, consoante o comando do artigo 487 do Código Civil.

De outra parte, o ato jurídico não foi aperfeiçoado em virtude da inexistência de uma assinatura, que se diz foi contrafeita, e que impediria a consumação.

Os fatos trazidos com a inicial, em princípio, não autorizam a retirada do mandato do Conselheiro sem que se cumpra o devido processo legal e a intervenção no órgão, que tem independência em suas atribuições e quanto à destinação do seu patrimônio, art. 45, parágrafo 2.º da Lei n. 8.906, de 1994, com base numa suposta infração ética, que é conceito aberto se mostra
viciado pelo abuso de poder.

Aspecto relevante o de que todo o Estatuto está voltado para o exercício da advocacia judicial e extrajudicial e, no caso, a questão é intestina, ou seja, problemas relativos à política e busca de se alçar ao poder, não alcançado em eleições mediante sufrágio da maioria dos integrantes do corpo, agora, segundo consta da inicial, se busca obter a designação de direção sob nomeação direta de terceiros, sob suposta prática de conduta que configura ilícito, considerado este a materialização de situação que possa afetar a administração do ente.

Sendo os mandatos temporários e a apuração demorada, se for permitido ao órgão central intervir no órgão e retirar os eleitos, quando vier à solução já não mais terá efeito, porque alcançado o lapso temporal de duração.

Estou convencido de que a transformação da sindicância em procedimento administrativo de intervenção no órgão, retirando do impetrante o exercício dos mandato que exerce no colegiado, e submetendo-o a investigação para apurar fato decorrente de ato jurídico que não foi consumado, sem que haja previsão de execução falha ou tentativa frustrada, ou mesmo, como na espécie de
desistência de materialização, poderá causar-lhe dano de incerta reparação e será protegido.

Aplico o comando do artigo 7.º, inciso III da Lei n. 12.016, de 2009, e concedo liminar. Consiste de ordem mandamental, endereçada para a autoridade coatora, que preside a comissão de sindicância, determinando-lhe que cumpra obrigação de não fazer, ou seja, de paralisar imediatamente a apuração dos fatos, até o julgamento do presente writ of mandamus.

Transmita-se o teor da presente decisão para a autoridade, a fim de que a cumpra.

Requisite-se informação.

 

Intime-se

 

ANTONIO CORRÊA
JUIZ FEDERAL, Titular da 9.ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal

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Atualização às 09:45

Decisão  do vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Amílcar Machado, cassando duas liminares que suspendiam  a sessão do Conselho Federal da OAB , marcada para as 14 horas deste domingo, 23, garante a reunião que debaterá a  investigação de coduta de advogados  ligados à diretoria da Seccional do Pará.