Usando o mesmo bordão manjado que popularizou o âncora da BAND,  o poster reagiu, na madrugada de hoje, ao assistir o Boris Casoy criticar a presença do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc,  na  manifestação realizada no Rio de Janeiro, pela legalização  da maconha. 

Frase de Boris:

            Não fica bem uma autoridade do governo federal apoiar movimento pela legalização das drogas. Bem que o presidente Lula deveria dar um puxão de orelhas no ministro.

Opinião desastrada, de tensionamento, autoritária, recheada de falso moralismo que encoberta a face verdadeira do problema. Boris se esquivou da discussão mais profunda que a questão exige.

No caso da maconha, a favor de sua legalização não está apenas uma autoridade como Carlos Ming. O  ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sempre a defendeu.  O Nobel de Economia Milton Friedman (falecido), andou o mundo pregando também o mesmo procedimento. No próprio Governo Lula, os ministros da Saúde, Temporão, e da Justiça, Tasso Genro, já falaram que esse é o caminho para combater a expansão das drogas.

Falar em “apologia ao crime”, como deixou subentendido Casoy, citando a manifestação pública realizada  em Ipanema, pode até ser compreendido, dessa forma, por muitos. Mas o problema é que ‘apologia ao crime’ torna virtualmente ilegal discutir a questão em público, manifestar uma opinião mais enfática.

Crimes são diferentes. Não é porque aborto é crime que devemos ser proibidos de defender aborto. Existe uma discussão pública mundial a respeito da questão. A discussão deve ser estimulada, não coibida. Argumentar com o ‘imagine alguém defendendo o estupro’ não é honesto. O crime de estupro não é polêmico. Esquerda e direita, libertários e conservadores, não importa como os classifique, disputas ideológicas não passam pelo estupro.

Para muitos, marchas simplificam a questão. É claro que simplificam. Marchas, passeatas, sempre lidam com slogans. Abaixo a ditadura, em 1968; Anistia ampla, real e irrestrita, em 78; Diretas, já, em 84; Fora, Collor, em 92.

No Brasil, temos uma profunda dificuldade de compreender o que é espaço público e o que é espaço privado; nos confunde o que pode fazer num ou noutro ambiente. Nos  EUA, a Suprema Corte passou duas décadas, entre finais dos anos 1950 e meados dos 70, discutindo se e em que circunstâncias a Ku Klux Klan poderia marchar com seus mantos brancos no espaço público. Chegaram à conclusão de que pode, mas há um limite: não pode sugerir ameaça à integridade de ninguém, seja um grupo genérico, seja indivíduos específicos. A exposição de um ponto de vista em público é realmente complexa.

Em Londres, a Speakers’ Corner do Hyde Park é o centro simbólico da democracia britânica. Lá, qualquer um pode colocar um caixote no chão, subir, declarar-se contra ou a favor de algo e engatar no discurso. Uma das primeiras liberdades tiradas por ditaduras recém-implantadas é sempre o direito à livre congregação. Ditaduras não querem que pessoas se reúnam, nem no espaço público, nem no privado, para discutir e manifestar em conjunto uma opinião.

Marchas são eficientes: provocam ação.

É só que, no caso da marcha da maconha, é gente de menos, desorganização demais, para conseguir iniciar o debate. E este é o ponto chave.

No Congresso Nacional, é onde a discussão da reforma das leis tem que ser travada. Mas o Congresso brasileiro não age. Reage. No caso brasileiro, com baixa qualidade dos parlamentares, isso é um pouco pior. Congressos, no entanto, são assim em todo mundo. Assuntos são trazidos à pauta por pressão. Pressão econômica, pressão de lobbystas, pressão política, pressão da imprensa. O povo só tem uma arma para exercer pressão: as ruas. Se gente o suficiente for às ruas se manifestando a respeito de um assunto, Congressos reagem e se lançam à discussão.

Como foi divulgado à exaustão, nenhum manifestante foi visto, durante a passeata em Ipanema, fumando maconha,  fato  fundamental para ajudar a convencer as autoridades – em especial as polícias e o Ministério Público no Rio de Janeiro – de que a manifestação não é pretexto para a desobediência civil, nem promove apologia ao crime.

Só a hipocrisia, como bem disse Minc,  é que não vê isso.