Assistindo a entrevista de Ana Júlia, nesta segunda-feira, 12, no Roda-Viva, da TV Cultura de São Paulo, o poster sentiu-se como se estivesse num túnel de tempo retornando aos anos 80/90 quando o programa vivia seu apogeu de jornalismo público de qualidade, oferecendo aos telespectadores a possibilidade de conhecer verdadeiramente o pensamento e o trabalho de personalidades nacionais e estrangeiras com profundidade, em debates acalorados cujos integrantes da bancada mais pareciam inquisidores.

Era pau em toda cabeça, sem pena.

Na segunda-feira, ficou essa impressão, porque, de uns dez anos pra cá, a maioria dos integrantes da bancada de jornalistas do programa é selecionada de acordo com os interesses editoriais do governo paulista, cujo presidente da Fundação Padre Anchieta (mantenedora da Rádio e TV Cultura), jornalista Paulo Markun, é pessoa da mais extrema confiança de José Serra.

Semana passada, quem assistiu a turma do Roda-Viva entrevistando a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB) sentiu o freio-de-mão puxado por grande parte da bancada, como se a intenção do debate fosse criar uma espécie de consenso em torno das respostas da governadora gaúcha, enrolada até o bob dos cabelos sob denúncias de corrupção.

Mais parecia um convescote qualquer prestando um desserviço ao jornalismo e ao telespectador. Ação entre amigos.

Ao contrário desta segunda, o Roda-Viva da semana anterior, com Crusius no meio, de certa forma mostrou, sim, falência do jornalismo, naquela roda sonolenta, mais morta do que viva, pronta à adulação.

Mas tudo bem, tudo certo. Ninguém pode desmanchar clima de compadrio.

Ontem, não! A turma partiu pra cima da governadora do Pará que nem pitbulls acuando a presa.

Foi legal!

Permitiu a Ana Julia desencadear, também, firme reação, desmontando o que se tentou, já na primeira pergunta, sobre o resultado de uma pesquisa em que ela aparece com alta rejeição: deixá-la, de cara, escorada num canto do ringue.

Só que a governadora soube fazer a leitura imediata do lance:

– “Pesquisa é retrato de um momento”, disse, sem deixar de acrescentar a expectativa criada ao assumir o governo no sentido de que ela seria capaz de resolver as broncas existentes, pontuando considerar normal que todos pensem que tudo estará resolvido rapidamente. “Mas não posso fazer milagres”, rezou.

Titubeou sim, quando tentou explicar ações de seu governo na área de Saúde, que, sinceramente, não avançaram. Se houver acuidade pelo menos na análise do que foi feito pela saúde, a gestão do PT está perdendo o jogo, mesmo somando a construção do novo hospital da Santa Casa, que ofertará 189 leitos.

Mas Ana foi verdadeira ao devolver, incisiva, a acusação de que não cumpre mandatos de reintegração de posse – tema tão caro aos “pensadores do holocausto rural”, reacionários por natureza.

A maioria ruminante esquece – ou faz de conta – do clima de chororô e revolta existente nos últimos anos do Governo Jatene, pontuado por pecuaristas e congêneres acusando-o de se negar a autorizar a Polícia Militar a cumprir os mandados de reintegração de posse no Sul do Pará. As liminares acumulavam-se numa gaveta qualquer aguardando o momento apropriado para serem cumpridas.

Nas contas da governadora, em torno de 170 mandados encontravam-se adormecidos quando ela assumiu o governo, problema herdado por Jatene desde a época de Almir Gabriel, que se acovardou a partir da chacina em Eldorado de Carajás, lavando as mãos diante de tudo que envolvia retirar invasores de áreas rurais.

Então o poster dizia da verdade embutida na resposta de Ana.

Pelo menos no Sul do Pará, diversas reintegrações de posse já foram cumpridas neste governo petista. O que não pode, e não pode mesmo, é a Faepa querer currar o Governo – com o apoio da Rainha do Desmatamento, senadora Kátia Abreu -, para forçá-lo a cumprir mandados de reintegração de posse priorizando fazendas cujos proprietários integram o ciclo fraternal de seu secular presidente, Carlos Xavier -, entre as muitas, as outras muitas de Daniel Dantas.

A governadora também foi pressionada a falar sobre quais ações tem feito para acabar com o desmatamento.

Expôs os esforços que realiza para, inicialmente, acabar com a grilagem, raiz de todos os males fundiários, através do projeto que trata da concessão de terras públicas para fins de reforma agrária, inclusive com a distribuição real de títulos a agricultores assentados em áreas do Estado.

Quem até hoje teve coragem, e vontade política, para combater a grilagem de terras no Pará, geralmente aliada a outros crimes, como desmatamento ilegal, trabalho escravo e assassinatos no campo?

Pelo menos no Sul do Pará, muitos escritórios de pistolagem que funcionavam em Marabá, São Félix do Xingu, Redenção, Xinguara e Novo Repartimento, a serviço de poderosos grileiros – e do conhecimento público -, fecharam suas portas e foram grilar em outra freguesia.

Isto está acontecendo agora!

O aperto dado pelo governo do Pará na fiscalização cartorial, com o apoio do judiciário, chegou a descobrir, não faz muito tempo, cerca de 6 mil títulos de terra irregulares registrados nos cartórios estaduais que, somados, representavam mais de 110 milhões de hectares grilados e quase um Pará a mais que o território real.

Toda essa bandalheira está sendo desmanchada por uma decisão de governo.

Ana citou também, tratando da regularização fundiária, que o Pará está combatendo o desflorestamento, ao tornar obrigatório a cada proprietário de imóvel rural o plantio de espécies nativas para a recomposição da reserva legal desmatada.

Voltou a falar do programa de 1 Bilhão de Árvores para a Amazônia, cuja implementação, pelo menos para o blog, ainda não está muito clara como funciona e quais ferramentas serão utilizadas para monitorar essa intervenção.

Da maior valia para combater o desmatamento, o acordo de cooperação técnica firmado com a Vale para o monitoramento de incêndios florestais no Pará, através do uso de um sistema utilizado pela mineradora para processar e classificar imagens de satélite de todo o território paraense e identificar focos de calor para prevenir incêndios florestais.

Pode-se dizer, também, que a regularização fundiária avançará com a instituição do Cadastro Ambiental Rural e o Zoneamento Ecológico e Econômico.

No momento em que foi instada a falar sobre a relação do governo com a Vale, faltou à governadora desferir um golpe reto, um jab, para medir a distancia entre ela e a bancada. Porque é exatamente aí onde poderá se situar o marco referencial de seu governo: a industrialização do Pará.

No contexto da pergunta, foi correta a posição dela em falar do termo de cooperação para a construção da siderúrgica de Marabá, relembrando que a crise econômica internacional afetou principalmente o Pará por ser exportador de matéria-prima.

Só que com a evolução das tratativas intensificadas nos últimos dias, inclusive referendadas na semana que passou pelos mais expressivos executivos da Vale em audiência com a governadora, indica não haver mais retrocesso, o início das obras da Alpa, em maio de 2010, acabando de vez com o relacionamento viciado que sempre guiou, envolto a conflitos, os “interesses” de outros governos com a Vale, e, definitivamente, transformando o Pará em Estado industrial.

Faltou Ana Júlia explicar isso, enumerando o promissor futuro refletido no processo de industrialização, beneficiado pelas eclusas de Tucuruí a ser inaugurada no inicio do próximo ano, e a hidrovia que ligará Marabá a Barcerena, também em fase de implantação, com a primeira leva de recursos já garantidos.

No vácuo dessas projeções, igualmente passou batido, os esforços da governadora junto ao governo federal no sentido de incluir nos processos licitatórios a reserva de um quarto da potência da hidrelétrica de Belo Monte para os autogeradores, ou seja, àqueles projetos de verticalização a serem implantados no Pará.

No geral, pode-se considerar oportuno, e bom, o desempenho de Ana, no Roda-Viva.