No amanhecer escuto no rádio o desbocado locutor de notícias policiais gritar literalmente o assassinato de uma jovem de 19 anos. Um tiro certeiro à altura do coração desferido pelo namorado da vítima.
O fato aconteceu em Novo Repartimento.
Mais uma jovem vida extinta -, sensacionaliza o destemperado moço ao microfone.
Depois solta a entrevista feita na delegacia com o criminoso:

Eu a matei por ciúmes, ela me fazia ciúmes e aquilo me maltratava. Não sei o que deu em mim que decidi dar um tiro. Foi raiva. Foi por amor. .

“Foi por amor”.
Mata-se por uma manga.
Mata-se por uma divida de R$ 20,00.
Mata-se por amor.

Quando se ama algum, é prazeroso falar de seu amor para a pessoa amada. Mas quando não se gosta, dificilmente sai a expressão eu não te quero mais.
Falar desse modo causa rejeição, ofende?
Dizer ou não que se ama ou não se quer alguém, esse deveria ser o caminho natural de uma relação.
O amor não pode ser uma condenação perpétua. Fica-se com alguém enquanto não se descobre o fim de sua ludicidade. Porque o encanto quando acaba, acaba a pulsação.

Lembro de uma grande paixão em minha vida, a partir dos meus 18 anos. Forte demais, até surgir Sonia.
Um dia, ao descobrir a inexatidão do amor, entrei em desespero shakespeareano.
Sentia-me como um dependente de drogas de quem se tirava subitamente o “barato”.
Síndrome de ausência.
Por um bom tempo, foi custoso recuperar o estado clínico.
Foi nessa fase que ouvia compulsivamente Danilo Caymmi e Ana Terra cantarem:

Se um dia você for embora
Não pense em mim
Que eu não te quero meu
Eu te quero seu.

Se um dia você for embora
Vá lentamente como a noite
Que amanhece sem que a gente saiba
Exatamente
Como aconteceu

O ciúme do rapaz tirou a vida da garota de 19 anos.
Um tiro em seu coração.
Amor enterrado por ciúme. Como em Othelo.

Olhando bem, desde pequeno ouvimos isso de antepassados: quem não sente ciúme não ama.
Também, bem cedo, somos educados ao machismo.
Por isso o ciúme como motivo forte desencadeador de trágicos e feios desfechos amorosos.
Principalmente quando o ciúme parte de uma relação autoritária -, a violência deságua.
Não querer morrer de amor. Nem ficar louco a ponto de matar o objeto de amor.
Quem sabe, sofrer toda a dor possível no amor sem envolvê-lo na morte dos destemperados.
Sentir a dor do ciúme sem perder a razão nem destruir aos outros.

Penso ser perfeitamente possível viver de amor sem ciúmes.
Defender-se dos riscos de aprisionar o amor, e não dos riscos do próprio amor.

À loucura do ciúme, à tragicidade da morte – viver ludicamente a paixão.