Conto da poeta e escritora Wanda Monteiro, colaboradora do blog (sempre que lhe sobre tempo da árdua tarefa atual de concluir novo livro, “A Filha do Rio”, missão para a qual  encontra-se  reclusa -, dedicada totalmente à finalização da obra), inspirado na fala de Miguel dos Santos Prazeres, personagem elo da Aga Amazônica, do poeta e escrito Benedicto Monteiro – pai da escritora.

A propósito, Wanda Monteiro tem excelente blog, onde expõe poemas, contos e crônicos. Rica plataforma de  reveladora face da realidade e da natureza humana.

O blog de Wanda já  está linkado na  lista  dos indicados pelo poster, ao lado.

“Encante”, a   seguir reproduzido, ganhou o concurso literário do Portal Terra.

 

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Encante

 

(*) Wanda Monteiro

 

A solidão, quando dá de crescer, faz a gente se perder da gente. Faz a gente perder o prumo, esquecer o rumo de gente vivente.

Ainda lembro e posso sentir o gosto e a agonia daquele dia.

Numa visita de festa pra gente de meu sangue, lá no aningal. Horas, caminhando no furo da mata me fez escutar o pensamento. Contar as ausências de minhas partidas e chegadas de vida ribeira. Vencendo rios, descansando em seus doces braços de igarapés.

Nesse dia, a solidão já chegou me afrontando e me afogando de ausências. Quando dei por mim, a sombra da noite tinha engolido o dia e me vi perdido no breu da mata.

Eu já nem sei o que doeu primeiro, se o negro do silencio da solidão, se o silêncio da solidão negra ou se a solidão do negro silêncio.

Eu, vivente de vida escudada pelas margens de rios e marcada pela linha do horizonte que davam o prumo e o rumo da caminhada.

Fiquei foi espantado com a desfaçatez daquela natureza verde e negra que tampava o céu. De uma mata tão densa e desconforme que não deixava o luzir da noite varar sobre mim.

A negritude era tanta e tamanha que chegava a me afrontar. Essa afronta me deu foi ira de engolir a noite e toda a sua negritude.

Fui pelo rumo dos sentidos, furando o vento, varando a mata até sentir o cheiro de restinga. Sabia, que achando a restinga, achava também o rio.

Na restinga, atravessei o matupá orvalhado e só de olhar a lingual d’àgua negra espelhando o céu, só da vista alcançar aquela nesga de terra margeando a água que escorria sem pressa, eu já senti um desafogamento.

Me aquietei rente à restinga e quando cravei as mãos no chão já deu pra ver que era de areia e não de barro molhado.Pensei logo: – É praia de rio.

Mas pensar só, não adiantava, pois palavra pra ter força, tem virar voz alta, então gritei – É PRAIA DE RIO!

O meu peito se encheu de sossego pra eu esperar a noite virar dia, mas nem bem fechei os olhos, o luzir do dia rasgou a minha intenção de sono. Com o juízo disperso, a desordem dos sentidos tomou conta de mim.

Combalido de sede e de fome, eu não já não sabia se o dia tinha invadido o meu sonho ou se eu estava desperto e o dia era dia. Só sei, que o que eu via era puro encantamento.

Vi um céu de sol – um sol de céu na água – uma água de céu de sol – um sol na água guardando um céu.

Era água na luz e luz na água e um céu, na pele d’água de um rio de sol. E tudo luzindo e molhando meu pensamento.

A desmesura daquela beleza era tantaque nem o eco das palavras brotando em pensamentonem o úmido e quente do vento cortante, cortou o Encante daquele instante.

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(*) – Escritora amazônida nascida em Alenquer, “às margens de um igarapé, na hora do crespúsculo, contemplada pelo Sol”  – conforme narra em seu mural do Facebook.