Oportuno o texto de José Dirceu acerca das tentações tenebrosas da grande mídia nacional voltar-se contra a liberdade de expressão da Internet.

 Aparentemente, a iniciativa da Associação Brasileira de Rádio e Televisão (ABERT) e da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) de recorrer à Procuradoria Geral da União é unicamente defender o princípio constitucional, que garante ao capital nacional (70% de participação) e a brasileiros natos a prerrogativa de controle das empresas de comunicação. Até aí, tudo bem. Quem não concordar com a restrição ao capital estrangeiro (30% do total) deve fazer uma proposição de mudança do preceito constitucional ao Congresso Nacional. Não é este o debate que patrocino.

O que é estranho no recurso das entidades da mídia é que querem estender, sem debate, este preceito constitucional aos noticiários na internet. Não se trata da primeira investida. Já propuseram esta discussão ao Congresso, por ocasião da tramitação do PL-29, que trata da unificação da regulamentação da TV por assinatura por diferentes tecnologias. O PL-29, depois de aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia, ainda está parado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Além de unificar a regulamentação, ele abre o mercado de transmissão de conteúdo audiovisual às operadoras de telecomunicações, independentemente do controle de capital, estabelece cotas de proteção à transmissão do conteúdo nacional.

É preciso lembrar que a natureza da internet é diferente da natureza dos meios de comunicação tradicionais, um monopólio de grupos empresariais. No caso da mídia impressa, a barreira é do capital. No dos canais de radiodifusão, embora concessão da União, trata-se de um bem escasso, portanto finito. Em São Paulo, por exemplo, não há freqüência radioelétrica disponível para novas concessões de rádio. Isso não quer dizer que o modelo de concessões da União não possa e não deva ser revisto. Mas este é um longo caminho a percorrer, pois implica o enfrentamento dos monopólios constituídos ao longo de décadas.

Já a internet não apresenta esse tipo de barreiras. Qualquer cidadão, com o mínimo de capital e conhecimento tecnológico, pode montar seu blog, seu site noticioso, seu sistema de comunicação. É justo transferir o modelo de negócios da mídia tradicional, impressa e broadcasting, para a internet? Esta é a discussão a ser travada.

A mídia tradicional, ao defender a transferência automática dos preceitos constitucionais da imprensa e da radiodifusão para a internet, quer, antes de mais nada, defender o seu modelo de negócios baseado na publicidade. Não pretende dividir o bolo. O apelo ao controle nacional tem de ser debatido tendo este cenário como pano de fundo. Não podemos nos iludir nem deixar de enxergar o que está por trás desse embate.

Ao querer tirar do ar o noticiário do Terra, controlado pelo grupo espanhol Telefônica, e mesmo do iG, que tem no controle o grupo nacional Oi (mas, como tem ações em bolsa, a participação de acionistas minoritários – muitos deles fundos estrangeiros – no capital total supera os 30%), o que as entidades da mídia tradicional pretendem é manter seu status quo. Um status quo que pode limitar a liberdade na rede. A questão exige debate e esse debate tem de passar pelo Congresso.