Leitores: caçando erros

(*) Sírio Possenti

 

 

Quem escreve está sujeito a chuvas e trovoadas, fato de que trata o provérbio “quem vai pra chuva tem que se molhar”. Leitores são misteriosos. Nunca se sabe se compreendem um texto, se o colocam no patamar (no interdiscurso) adequado, se levam em conta ou se conhecem alguma bibliografia da área ou pelo menos os textos anteriores que alguém publicou e que funcionam como referência. Estarão a fim de ouvir coisas novas ou acham que tudo o que se pode saber está no livro da quinta série?

Há algum tempo, leitores desta coluna escreviam críticas (eventualmente, elogios) diretamente para meu e-mail. Às vezes, eu passava parte da quinta-feira respondendo (de vez em quando, eu os tratava como eles me tratavam, confesso). Atualmente, eu teria que tuitar ou facebucar ou logar. Não faço nada disso. Então eles nem sabem se os leio. Mas leio.

Hoje, decidi responder na coluna aos comentários que vi até o final da semana. Transcrevo e comento:

“Estudar pra que? Talvez pra entender que quem fala ‘certo’ não é melhor que alguém que fale uma variante menos privilegiada!” (na foto, um casal feliz; assinado por Thiago Moessa Alves).

Não sei se entendi a pergunta “estudar pra quê?”, mas deixemos isso de lado, por ora. Posso considerar que comentário está adequadamente escrito, levando em conta que se trata de situação informal. De outra perspectiva (a deles?), diria que há dois erros: pra por para e que sem acento. Mas o fundamental é: quem disse que não era bom estudar? O texto insinuava que temos que estudar de verdade, até para compreender a natureza dos “erros” ou dar-lhes uma adequada avaliação histórica, que inclui perceber quando estão deixando de ser erros.

Celio (sem acento?) Esteves Leal Leal (sic!) escreveu que “O certo e escrever e falar errado nao e, salve o lula!!!”. Deveria ter escrito “O certo é escrever e falar errado, não é? Salve o Lula!!!”. Ou seja, ele erra bem mais em uma linha do que Lula em oito anos de falação. Se mais escrevesse, mais erraria. Célio representa os leitores que ficam horrorizados com os erros, mas porque pensam que eles não erram. Só que não acertam nada! Não leem e não escrevem. E, claro, não estudam (ou pensam que a porcariazinha que sabem é cultura). Talvez sejam masoquistas: seu prazer consiste em que lhes digam que não sabem português.

Angela Rosas disse (comento em itálico, na bucha): “Pra que formar professores?” (pois é, “para que?”). Universidades são gastos (universidades são gastos? Cruzes!) desnecessários (cursou alguma? Então, parece que sim). Cada um que escreva e fale como bem entender (como Ângela, digo eu). Nesse raciocínio (que tal “segundo esse raciocínio”?), estudar é perda de tempo (o texto mostra um caso típico). Isso sim, é pobreza mental (ela deve ter tido uma centena de aulas sobre não separar sujeito de predicado com vírgula, mas a coisa não entrou! Quem sabe ela lê algo sobre tópico e comentário para poder defender sua vírgula?).

titania puck (assim mesmo) escreveu: “pensei que fosse o contrário: erros de português denotavam – embora essa denotação fosse relativa e tivesse as inevitáveis excelções – POBREZA MENTAL”. É claro que em “excelções” há um mero erro de digitação (eu cometo milhares). Os problemas deste comentário são outros: variantes não são erros, em sentido técnico; ninguém conseguiu mostrar até hoje que falar de uma ou de outra forma implique maior ou menor sofisticação ou pobreza mental. Além disso, como Shasçha (ver abaixo), ele se refere apenas à última linha de meu texto, que defendia uma tese: erros mudam conforme o status dos escritores ou falantes. É uma questão histórica. Por isso não empregamos mais certas construções camonianas. E alguns leitores não empregam nem mesmo as que eu emprego, só que não percebem… Fora isso (ufa!) a frase de titânia é bem boa. Mas seu nome não está errado? Deveria ter acento, eu acho, e começar com maiúscula (que pobreza!). Ah, o aparelho não permite? E por que não troca de aparelho para pode escrever direito? Não é grande pobreza mental submeter-se a um aparelho com teclado estrangeiro?

Finalmente, um genial Shasçha interveio de forma brilhante: “Estudar pra quê, né Sírio?”. Escreveu tudo certinho. Mas adota um Nick idiota (para rimar). E não leu o texto. Talvez não consiga ler mais de uma linha. Por que estudar seria seguir as regras da gramática tradicional, ou melhor, como já cansei de dizer, dos pequenos manuais que apenas as simplificam?

O que eu queria dizer como fecho dessa coluna foi dito por Luisando Mendes na segunda-feira.

Que pobreza mental, mas, sobretudo, que chatice é caçar erros!

 

(*) Sírio Possenti é professor titular do Departamento de Linguística da Unicamp e autor de Por que (não) ensinar gramática na escola, Os humores da língua, Os limites do discurso, Questões para analistas de discurso, Língua na Mídia e Questões de linguagem.