O juiz Odilon de Oliveira, de 56 anos,  continua confinado num “bunker”  improvisado no fórum de Ponta Porã , cidade de Mato Grosso fronteiriça  do Paraguai.

Jurado de morte pelo crime organizado,  o fórum da cidade é a residência do juiz federal, durante grande parte da semana.

É ali onde ele mais fica, evitando, algumas vezes, deslocar-se à sua residência, onde o aguardam, ansiosos, a mulher e dois filhos e uma filha, já adultos.

Desde quando passou a viver escoltado, já se vão 15 anos.

Por conta das ameaças de morte recebidas, Odilon mudou seus hábitos.

Mudou a vida dele e da família. Mudaram até os sonhos.

“Desde que sou protegido, até meus sonhos, quando durmo, mudaram. Às vezes, sonho que estou fugindo dos policiais, pulando o muro de minha casa, depois bate um desespero, cadê os policiais? Mesmo quando sonho com outra coisa, vejo, na cena, um policial, é um tormento”, conta o chefe da 3ª Vara Federal de Mato Grosso do Sul.
Traficantes brasileiros que agem no Paraguai se dispõem a pagar US$ 300 mil para vê-lo morto.

Desde quando o juiz assumiu a vara de Ponta Porã, porta de entrada da cocaína e da maconha distribuídas em grande parte do País, as organizações criminosas tiveram muitas baixas.

Nos últimos anos, sua vara foi a que mais condenou traficantes no País.
Oliveira confiscou  151 fazendas, 16 mil cabeças de gado,  mansões, apartamentos, casas, 883 veículos, 25 aviões, tudo comprado com dinheiro das drogas.

Por meio de telefonemas, cartas anônimas e avisos mandados por presos, Oliveira soube que estavam dispostos a comprar sua morte.

‘Os agentes descobriram planos para me matar, inicialmente com oferta de US$100 mil.’

O jornal paraguaio Lá Nación informou que a cotação do juiz no mercado do crime encomendado havia subido para US$ 300 mil.

‘Estou valorizado’, brinca.

Ele recebeu um carro com blindagem para tiros de fuzil AR-15 e passou a andar escoltado.

Para preservar a família, mudou-se para o quartel do Exército e em seguida para um hotel. Depois  transformou o prédio do Fórum Federal em casa.

‘No hotel, a escolta chamava muito a atenção e dava despesa para a PF.’

É o único caso de juiz que vive confinado no Brasil. A sala de despachos de Oliveira virou quarto de dormir.

No armário de madeira, antes abarrotado de processos, estão colchonete, roupas de cama e objetos de uso pessoal.

O banheiro privativo ganhou chuveiro.

A família, que morava em Campo Grande, s[o mudou-se para Ponta Porã,  muito tempo depois de Oliveira.

Mas não desfruta de vida normal como ir a restaurantes, teatro, cinema, essas coisas. ranças.

‘Sozinho, não me arrisco a sair nem na calçada..’

Ao todo, são dez investigadores da Polícia Federal, que vêm de fora do Estado e se revezam no turno de 24 horas. A cada dois meses há troca de agentes.

Os policiais que cuidam da segurança do juiz andam o tempo todo armados com submetralhadoras e pistolas. Já o próprio Oliveira, não usa arma. “Tenho uma, mas não uso porque não sei usar, não saberia me defender. Arma deve ser usada por quem sabe, apenas”.

Até 1997, um ano antes de viver sob a proteção da polícia, o juiz e a mulher tinham uma vida social mais intensa e até faziam aulas de dança de salão. Mas a rotina mudou. “Daqui [trabalho] sigo para a casa e, quando saio vou a um salão de beleza, ou na academia de ginástica, somente isso. De 15 em 15 dias reúno amigos, mas em casa”.

Oliveira ingressou na magistratura federal em 1987 e, além de Campo Grande, atuou também em Cuiabá (MT) e Porto Velho (RO).

A primeira de uma série de ameaças de morte, ele recebeu em 1998, 11 anos depois de ingressar na carreira. Desde então, a escolta é parte de sua rotina.

As ameaças contra juiz surgiram por meio de telefonemas, depoimentos de presos, cartas e até por e-mail. Houve também situações mais graves.

Certa vez, em Ponta Porã, município no sudoeste de Mato Grosso do Sul, separado do município paraguaio de Pedro Juan Caballero por apenas uma rua, um homem tentou invadir o hotel onde morava o juiz. Armado, o homem trocou tiros com seguranças, e fugiu para o país vizinho.

Em outra ocasião, também em Ponta Porã, três pistoleiros aguardavam o magistrado, que saia para a academia de ginástica. “Por sorte, minha escolta abortou o ataque e mais uma vez os pistoleiros conseguiram escapar”, lembra.

‘Juiz não deve temer nada’

O juiz acredita que as ameaças são feitas por pessoas ligadas ao crime organizado.

Em suas contas, ele já teria determinado o confisco de cerca de R$ 25 milhões, desde 2006. Dinheiro de réus ligados a crimes de lavagem de dinheiro e, principalmente, tráfico de drogas.

“Acho que o juiz não deve temer nada, os criminosos devem ser punidos com rigor e a legislação brasileira, mudar, porque é fraca, favorece o crime organizado”, opina.

Após a morte da juíza Patrícia Acioli, ocorrida no dia 11 de agosto de 2011, no Rio, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fez uma lista dos magistrados que receberam ameaças em todo o país.

O levantamento tem 150 nomes, dos quais 61 contam com escolta armada permanente.

Em 2012, a presidente Dilma Rousseff sancionou a chamada lei ‘juiz sem rosto’. A nova regra prevê que o juiz poderá decidir pela formação de um colegiado para casos envolvendo organizações criminosas.

A ideia é tirar o foco de apenas um juiz em casos polêmicos, tidos de risco ao magistrado.

Oliveira acredita que a nova lei não resolverá o problema. E ainda criará outros.

“Em ao menos 70% das 3 mil comarcas brasileiras existem apenas um juiz. Imagine a quantidade de diárias pagas pelo deslocamento de outros juízes até o local do julgamento. Acho, sim, que essa lei vai beneficiar o bandido, que pode protestar e o processo contra ele prescrever devido aos recursos”.

“Creio que as polícias devem ser melhor aparelhadas para produzir inquéritos corretos. Que o programa de proteção as testemunhas seja levado mais a sério e que o juiz haja com rigor, isso basta”, acrescenta Odilon numa longa entrevista concedida a uma TV italiana, recentemente no Brasil para acompanhar a vida escondida do juiz federal.

O poster contará, também,  na próxima semana, a vida  de um jornalista italiano, perambulando por cidades do mundo em permanente escolta policial, fugindo da Camorra, máfia de Nápoles que jurou assassinar Roberto Saviano.

 

em permanente regime de proteção por dez agentes da PF juiz Odilon de Oliveira vive ameaçado de morte há 15 anos pelos traficantes do Paraguai.
Em permanente regime de proteção por dez agentes da PF, juiz federal Odilon de Oliveira vive ameaçado de morte há 15 anos pelos traficantes do Paraguai.